As loucuras da razão econômica Geral

quinta-feira, 30 agosto 2018
Fonte: Google

Geógrafo britânico, David Harvey realiza conferência em Fortaleza e reflete sobre a cidade do capital

Ao som do hip-hop, Carolina Rebouças, da favela do Dendê, na periferia de Fortaleza, fez a abertura cultural da conferência do geógrafo britânico, David Harvey realizada na noite do dia 21 de agosto, no Cineteatro São Luiz, localizado no centro da capital cearense.

Audiodescrição

 

Musicalizando frases do tipo: “o que você tem para comprar? quanto você tem para pagar? E quanto você tem para eu te avaliar?”, a jovem apresentou para um público de aproximadamente mil pessoas as formas práticas de manifestação do capitalismo, refletidas por Harvey durante sua fala no evento. Além de Carolina, a dupla Du Front Mc’s, do bairro Jangurussu, também, marcou presença nas apresentações culturais.

A conferência teve como tema: “a cidade do capital e as loucuras da razão econômica” e buscou apresentar ao público parte das ideias contidas no mais novo livro de David Harvey, intitulado: “A loucura da razão econômica: Marx e o capital no século XXI”.

Capa do livro mais recente de David Harvey e lançado durante a conferência em Fortaleza.

O Laboratório de Estudos da Habitação (LEHAB), da Universidade Federal do Ceará (UFC) foi uma das instituições realizadoras da conferência. A pesquisadora Valéria Pinheiro, mediadora no evento, relembrou durante sua fala, da última vinda do geógrafo à Fortaleza e os principais problemas enfrentados no Estado dentro da lógica do capital: “David Harvey esteve conosco em 2014 e de lá para cá muito do nosso país mudou e para muito pior. No Ceará, vivenciamos um governo estadual que dentre vários outros absurdos esvazia nossos recursos naturais e serve água para a termelétrica e para a siderúrgica, enquanto a população morre de sede. E que empreende uma “política de segurança”, entre aspas, baseada em marketing, ostentação e criminalização das juventudes das periferias das cidades, enquanto a escalada da violência grita que isso não funciona”.

Para David Harvey, todas essas contradições que se manifestam nos espaços são próprias do atual sistema econômico que impõe cada vez mais às pessoas, ocasionando um crescimento cada vez mais latente do capitalismo. “Marx diz que o capital não é um ciclo, é um espiral porque o capital tem que crescer, tem que expandir porque deve produzir superávit de produção e deve sempre ter uma abundância de superávit na sua forma de dinheiro que é o lucro, então ele tem que crescer com o tempo” destacou.

David Harvey em conferência no Cineteatro São Luiz, em Fortaleza. Foto: Helaine Matos.

A loucura do dinheiro

Segundo Harvey, o crescimento do capitalismo se manifesta em escala exponencial. “O dinheiro possui a capacidade de permanecer perpetuamente em circulação. Quando se trata do dinheiro, todavia, “devém loucura; a loucura, entretanto, como um momento da economia e determinante da vida prática dos povos”. A vida cotidiana torna-se refém da loucura do dinheiro. (…) O enriquecimento é, assim, uma finalidade em si. A atividade determinante da finalidade do capital só pode ser o enriquecimento, a expansão, o aumento de si mesmo. O dinheiro, na medida em que opera como medida de riqueza precisa igualmente se investir no “impulso permanente de continuar para além de seu limite quantitativo: um processo infindável. A sua própria vitalidade consiste exclusivamente em que só se conserva como valor de troca diferindo do valor de uso e valendo e valendo por si à medida que se multiplica continuamente. É isso o que distingue o dinheiro sob regime capitalista de todas as suas diversas formas pré-capitalistas” destaca ele em um dos capítulos do livro.

O geógrafo, também, refletiu sobre a importância dos desejos nesse processo: “o capital depende muito dos desejos, das necessidades das pessoas, isso vem da cultura humana, mas, também, elas são impactadas por investimentos no capital e a criação de novas formas de vida que exigem algumas necessidades e desejos que estão presentes na sociedade”.

O crescimento desse espiral, segundo Harvey, sacrifica as culturas antagônicas a essa forma de acumulação. “O capital precisa de certa forma destruir as culturas que não são consistentes com o acúmulo de capital, ele tem que construir uma cultura que vai ajudar a perpetuar este ciclo”, disse, lembrando, ainda, dos casos em que o turismo incorpora culturas locais como mecanismo para expandir a lógica do lucro.

David Harvey em conferência no Cineteatro São Luiz, em Fortaleza. Foto: Helaine Matos.

A loucura em ação

“Estudar a história econômica capitalista significa estudar essa loucura em ação. Considere o seguinte fato, espantoso, porém demasiadamente concreto. Entre 1900 e 1999, os Estados Unidos consumiram 4,5 milhões de toneladas de cimento. Entre 2011 e 2013, a China consumiu 6,5 milhões de toneladas de cimento. Em dois anos, os chineses consumiram quase 45% mais cimento do que os Estados Unidos ao longo de todo o século anterior. Quem mora nos Estados Unidos já viu muito cimento sendo usado ao longo de sua vida. Mas o que ocorreu na China é extraordinário. O aumento registrado na escala de despejamento de cimento não possui precedentes. E suscita questões preocupantes. Quais serão as suas consequências ambientais, políticas e sociais? Parece haver mais que um tique de loucura nisso tudo. Essa seria a “ilimitabilidade imaginária” de que fala Marx? O cimento é usado na construção civil. Isso aponta para um investimento maciço na criação de meios ambientes construídos, urbanização na construção de outras infraestruturas físicas (sistemas de transportes, barragens, terminais de contêineres e aeroportos). Não é apenas cimento que é utilizado”, afirma.

Entre as questões discutidas na mais recente obra de Harvey, está o dinheiro como representação do valor, a teoria da desvalorização, a questão da tecnologia, o espaço e a produção de regimes de valor.

“Se a circulação do capital está sob imensa pressão competitiva para se acelerar, isso exige que haja, também, um aumento na velocidade do consumo. Eu ainda uso os talheres que eram dos meus avós. Se o capital produzisse apenas itens desse tipo, já teria afundado há muito tempo numa crise permanente. O capital desenvolve toda uma gama de táticas – da obsolescência programada à mobilização de pressões de propaganda e à moda como ferramentas de persuasão- para acelerar o tempo de rotação do consumo. (…) Esse é o mundo insano e profundamente preocupante em que vivemos”, destaca ele em um dos trechos do livro.

A vinda de David Harvey ao Brasil coincide, também, com o bicentenário de nascimento de Karl Marx. Na capital cearense a conferência de Harvey foi proferida em inglês com tradução consecutiva de Rodrigo Bonet.  Além de Fortaleza, o geógrafo, também, esteve neste mês de agosto em São Paulo e São Luis, no Maranhão.

 

Helaine Matos

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