Pesquisadores da UFRN criam tecnologia para que peças de roupa apresentem aplicação biomédica
Do Egito antigo aos indígenas da América Latina, civilizações ancestrais usavam técnicas de tingimento, ainda que classificadas como artesanais. Em virtude da demanda e com a chegada da Revolução Industrial no século XVIII, o cenário da coloração têxtil mudou e os corantes sintéticos começaram a ser explorados em larga escala pelas fábricas. A partir daí, várias técnicas surgiram e são ainda desenvolvidas para, por exemplo, aumentar a qualidade ou acrescentar características aos produtos.
Uma dessas técnicas nasceu na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e acaba de receber o patenteamento pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A invenção trata de um novo processo de tingimento por esgotamento ou exaustão aplicado a nanopartículas inorgânicas e orgânicas, com características e propriedades superiores aos já existentes no mercado, pois possui a facilidade de aplicação de forma industrial, uma vez que todas as indústrias de beneficiamento de produtos têxteis na atualidade possuem equipamentos que podem ser utilizados para este processo.
Tal situação é diferente de boa parte dos processos já existentes no mercado, que são limitados à produção apenas em laboratório e de pequenas amostras. O produto é resultado da tese de Iris Oliveira da Silva, na época estudante da Universidade e atualmente professora da Instituição. Ela explica que a invenção transforma vários tipos de substratos têxteis, como malhas, tecidos e tecido não tecido (TNT), em substratos multifuncionais, com potencial aplicação biomédica, principalmente através da ação antimicrobiana, bactericida e de proteção ultravioleta.
Inicialmente, o substrato é tratado quimicamente para remoção de ceras e gorduras, conforme processos industriais convencionais de desengomagem, cozinhamento e alvejamento. Em seguida, é ‘mergulhado’ em solução com nanopartículas sintetizadas por via química. Após, utiliza-se equipamentos de tingimentos industriais para que as nanopartículas sejam absorvidas – ou retidas – na superfície de diversos materiais têxteis. Essas partículas podem ser metálicas inorgânicas, como ouro e zinco, e orgânicas, na forma de nanocápsulas quitosana e queratina.
“Essa ação tem a facilidade no sentido de que o processo de impregnação das nanopartículas facilita a impregnação em escala industrial por utilizar máquinas usadas atualmente, apenas considerando alguns parâmetros de processo. O que desenvolvemos pertence ao ramo do beneficiamento têxtil, mais especificamente nos processos de acabamento final da indústria”, explica a cientista. A utilização de nanopartículas metálicas em substratos têxteis tem sido inclusive foco de diversos estudos, sobretudo em decorrência das propriedades físicas, químicas e ópticas que elas possuem, quando se apresentam em forma nanométrica, sendo foco de grandes empresas em todo o mundo.
Ao lado de Íris, estão envolvidos na pesquisa Rasiah Ladchumananandasivam, José Heriberto Oliveira do Nascimento e Christiane Siqueira de Azevedo Sá. Eles pontuam que outra distinção da nova tecnologia é o melhor rendimento de nanopartículas na superfície do substrato, em comparação com outros processos como dip-coating e sol-gel, entre outros, melhorando consideravelmente as propriedades físicas, químicas e ópticas.
Concessão da patente
Denominada “Processo de esgotamento de nanopartículas orgânicas e inorgânicas em substratos têxteis (malha, tecido e não-tecido) com o uso de máquina de tingimento fechada e controle de tempo, temperatura e pressão”, a concessão da patente aconteceu no último dia 03 de maio. Depositada em 2015, o título de propriedade tem sua concepção vinculada na época ao Programa de pós-graduação em Engenharia Mecânica (PPGEM) e ao Laboratório de Processos Químicos Têxteis, e atualmente ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Têxtil (PPgET), programa no qual Íris Oliveira e Heriberto do Nascimento desenvolvem pesquisas.
Para este último, o processo de patentear uma descoberta é a consolidação de um projeto de pesquisa, tornando-o acessível à sociedade com todas as suas contribuições, evidenciando a contribuição acadêmica e científica para a área de conhecimento, ou seja, que acrescente um conjunto do conhecimento científico e que tenha um ineditismo do tema abordado, contribuindo para a superação de lacunas no conhecimento.
Ele realça que a tecnologia está em estágio de aplicação industrial, inclusive já testada em lavanderia, para aplicação de nanopartículas de ouro em camiseta. “Nos nossos grupos de pesquisa Processos Químicos, Nanociência e Têxteis Funcionais (PQNTF) e Inovação em Micro e Nanotecnologias há muito conhecimento agregado, o qual permite percorrermos diversos caminhos no ambiente da indústria têxtil, tanto que já temos quase uma dezena de pedidos de patente, inclusive em parceria com outros programas”, explica o também coordenador do Programa de Pós-graduação em Engenharia Química (PPGEQ).
Atuação profissional
Atualmente também na chefia do Departamento de Engenharia Têxtil, Íris Oliveira salienta que a patente é direcionada para uma das áreas de atuação do engenheiro têxtil, o tingimento. “Contudo, essa é apenas uma das áreas. Para além dela, o profissional pode estar na área da moda, ou mesmo na produção e no processo das indústrias atendendo aos elos da cadeia têxtil, desde a produção de fibras têxteis e outras matérias primas correlatas, passando pelas diversas fases de transformação, até a comercialização, marketing e assistência técnica de produtos têxteis, máquinas e produtos químicos destinados a esta indústria. O profissional pode estar envolvido em projetos, implantação, operação, melhoria e na manutenção dos recursos produtivos, de bens e de serviços ligados à área têxtil. O engenheiro têxtil pode também atuar em outras áreas que utilizam elementos têxteis como, por exemplo, as áreas da Mecânica, Sanitária, Aeroespacial, Química, Médica e Civil”, enumera a docente.
O curso de Engenharia Têxtil na UFRN foi criado em 1997 e oferece 70 vagas anuais, com entradas no primeiro e segundo semestres. Em sua essência, o curso tem como finalidade formar profissionais na área da Engenharia Têxtil com conhecimentos técnico científicos que o capacitem a absorver e desenvolver novas tecnologias, estimulando a sua atuação crítica e criativa na identificação e resolução de problemas, considerando os aspectos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais, em atendimento às demandas sociais e do mercado propostas para a sua área.
A região Nordeste destaca-se como o segundo maior produtor de artigos têxteis e de vestuário do país, com destaque para os estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará e Bahia. O RN tem mais de 500 empresas formais em funcionamento, empregando diretamente cerca de 50 mil pessoas. Além das 5 grandes empresas que estão localizadas no município de Natal, têm-se ainda várias oficinas de costura concentradas na região Seridó, atuando em vários segmentos com ênfase para a produção de rendas, bordados e artesanatos como insumos para a indústria de confecções nos municípios de Caicó e Timbaúba dos Batistas, e de tecelagens de tecidos rústicos para produção de redes e panos de prato dentre outros. Só o Programa de Interiorização da Indústria Têxtil (Programa Pró-Sertão) possui atualmente 130 oficinas de costuras cadastradas, distribuídas entre 25 municípios do estado, produzindo produtos de moda nos segmentos de jeans, sarjas, viscoses e malhas – tecidos leves, médios e pesados.
No país, os números da indústria têxtil também são volumosos. O Brasil é considerado atualmente o segundo maior empregador da indústria de transformação no planeta, com um faturamento em 2020 de aproximadamente 186 bilhões de reais, mesmo em plena pandemia, gerando cerca de 1,5 milhões de empregos diretos e 8 milhões de empregos indiretos, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT). “É preciso frisar que além da área de atuação ser abrangente, há muito espaço de mercado para absorver os graduandos”, finaliza a docente.
Fonte: AGIR/UFRN
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