A hanseníase e a vulnerabilidade social Saúde

quarta-feira, 22 agosto 2018
Condições precárias de moradia e saneamento indicam a vulnerabilidade social do bairro Lagoa Azul, na zona norte de Natal.

Pesquisa revela relação entre a doença e regiões vulneráveis socialmente em Natal, e aponta bairros críticos na capital potiguar

O Brasil possui a segunda maior incidência de casos de hanseníase no mundo – superado apenas pela Índia, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Em 2016, o país identificou mais de 25 mil casos da doença, o que representava 11,6% do total global de novas ocorrências. A hanseníase é uma doença infecciosa crônica, causada pelo Mycobacterium leprae, sendo considerada um grande problema de saúde pública nos países em desenvolvimento. Mas a incidência da doença poderia estar relacionada à vulnerabilidade social? Pesquisadores do grupo Georisco, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) demonstraram que sim e apontaram as regiões mais críticas na capital potiguar.

A pesquisa foi elaborada em Natal (RN) por Letícia Cruz como trabalho monográfico para conclusão do curso de Bacharelado em Geografia, com o auxílio e orientação do professor Lutiane Almeida. “A pesquisa demonstrou que os setores censitários onde há uma maior incidência da doença são os considerados mais vulneráveis socialmente, com classificação correspondente a Muito Alta, confirmando a hipótese inicial. Os bairros mais incidentes são o de Lagoa Azul e Nossa Senhora da Apresentação, localizados na Zona Norte da cidade. Ambos apresentam uma grande concentração de setores censitários com alta ou muito alta vulnerabilidade social”, explica Letícia Cruz.

O professor Lutiane Almeida e Letícia Cruz em entrevista para a Agência de Comunicação da UFRN. Foto: Wallacy Medeiros (Agecom)

Saúde x aspectos sociais

De acordo com a pesquisadora a ideia desse trabalho surgiu durante períodos de estágio que cumpriu na Secretaria Municipal de Saúde de Natal, onde constatou a importância das análises geográficas na tomada de decisões na área saúde. “Notei que há uma riqueza de dados ligados as diferentes enfermidades e muitas vezes o processo de análise dos mesmos se tornaria mais fácil com a sistematização e criação de mapas, organizando o conteúdo existente. Para demonstrar essa importância, busquei elaborar a pesquisa na minha monografia cruzando os dados da saúde e aspectos sociais dos setores censitários de Natal, resultando em análises quantitativas e qualitativas”.

A pesquisadora esclarece porque escolheu a hanseníase para seu estudo.

 

Partindo das observações de Letícia Cruz, os pesquisadores resolveram colocar a prova a hipótese de que os locais mais vulneráveis socialmente também são os que possuem maior incidência da doença. Para isso, foi feita a espacialização dos casos registrados da doença nos anos de 2010 a 2015 no município e foi elaborado um Índice de Vulnerabilidade Social para avaliar as condições de vida da população dessas localidades.

Mapa elaborado pela pesquisadora Letícia Cruz em 2017.

Índice de vulnerabilidade social

Os pesquisadores criaram o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) que tomou como base de dados o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).O IVS foi classificado em Muito baixo, Baixo, Médio, Alto e Muito Alto. Nas tabelas disponibilizadas pelo Instituto, foram extraídas informações relacionadas ao domicílio, renda e características do entorno dos mesmos.

“Os dados brutos, em sua maior parte, foram somados e relacionados entre si a fim de gerar variáveis, uma categoria de análise mais abrangente. As variáveis foram padronizadas, utilizando fórmulas matemáticas, e inseridas em um intervalo entre 0 e 1. A partir dessas variáveis foram criados indicadores agregados, uma categoria de análise ainda mais abrangente. O resultado foram divididos em quatro fatores, sendo eles: aspectos gerais dos domicílios, renda dos domicílios, características do entorno dos domicílios e escolaridade. Cada variável foi ponderada igualmente dentro de cada fator, somando 100%. Ademais, os fatores também foram ponderados em relação ao total, possuindo, cada um, 25% do valor”, ressalta a pesquisadora.

Metodologia

A metodologia da pesquisa também incluiu uma revisão bibliográfica dos temas principais do trabalho, tais como urbanização, risco, perigo, vulnerabilidade e hanseníase, bem como a aplicabilidade da Geografia na área da saúde. Posteriormente, foram obtidos os dados de ocorrência da hanseníase em Natal nos anos de 2010 a 2015, disponíveis no SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Governo Federal) e fornecidos pelo Departamento de Vigilância à Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde de Natal. Esses informes foram espacializados, levando em consideração o local de moradia dos pacientes, informação constante na planilha de dados extraída do SINAN. “Foi feita uma verificação do logradouro e do número da residência com a ferramenta Google Street View, no programa Google Earth, para que fosse possível georreferenciar a moradia do paciente. A partir disso, foram feitas análises e comparações da incidência”, detalhou Cruz.

A pesquisadora explica como foram realizadas as comparações e análises.

 

Vista aérea dos bairros Lagoa Azul e N.Sra. da Apresentação, na zona norte de Natal.

Perfil dos infectados

Dentro do cruzamento de informações realizado pelos pesquisadores foi feita a análise do perfil dos pacientes infectados primeiro de forma quantitativa e depois as pessoas foram divididas conforme o nível de escolaridade, sexo e idade, de acordo com as informações fornecidas pelo SINAN.

Em relação ao nível de escolaridade, o trabalho revelou uma maior ocorrência de casos em pessoas com escolaridade até o ensino fundamental, destacando as que não o concluíram. Há também uma incidência de casos em pessoas com ensino médio completo, somando trinta e cinco casos. Já no que tange à idade, os adultos, com idade entre 18 e 59 anos, são os mais afetados pela doença. Neste quesito, as classes foram divididas entre crianças, adolescentes, adultos e idosos.

Apesar dos diferentes parâmetros analisados, a pesquisadora destaca que quanto ao sexo não foi possível determinar um padrão.

 

Contexto estadual

A pesquisa foi divulgada nas mídias locais bem como na Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde Hygeia, a fim de tornar público os métodos e resultados. O trabalho também foi encaminhado à Secretaria Municipal de Saúde de Natal, mais especificamente ao Programa Municipal de Controle de Tuberculose e Hanseníase de Natal, que propôs uma parceria para a elaboração de mapas complementares para auxiliar no planejamento de ações e campanhas em escolas de Natal.

Como próximo passo, o grupo de pesquisa pretende ampliar a área de investigação.

Edna Ferreira

Uma resposta para “A hanseníase e a vulnerabilidade social”

  1. silvana mota disse:

    Excelente pesquisa!
    Um trabalho que realmemte deve ser publicado.
    Tomara que o setor de saude faça bom uso dos seus dados.
    Parabens.

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