A ex-presidente do Confap e da Fapeg assumiu a diretoria de um departamento no MCTIC para cuidar da formação e educação em ciência
Maria Zaira Turchi é professora, pesquisadora e uma entusiasta quando o assunto é educação e ciência. Graduada em Letras – Português/Inglês pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e Doutora em Letras pela PUC/RS (1999) com Doutorado Sanduíche no Centre de Recherches Sur L´Imaginaire, Universidade de Grenoble/França, ela acredita na interdisciplinaridade, na transdisciplinaridade e na potencialidade dos diferentes estados brasileiros. “É necessário pensar em áreas estratégicas para os estados e para o país, enfim uma visão ampla de Brasil”.
Além de professora Titular da UFG, exerceu as funções de Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística; Coordenadora Geral da Pós-Graduação/ Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação/UFG; e Diretora da Faculdade de Letras/UFG. Foi presidente da Fapeg – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás e do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap). Atualmente, é diretora do Departamento de Infraestrutura de Pesquisa e Educação e Políticas de Formação e Educação em Ciência no Ministério de Ciência Tecnologia Inovações e Comunicações (MCTIC).
Nessa entrevista ao Nossa Ciência, Zaira Turchi fala de sua trajetória política e administrativa e de seus desafios à frente desse departamento do MCTIC.
Nossa Ciência: Como foi assumir o Departamento de Infraestrutura de Pesquisa e Educação e Políticas de Formação e Educação em Ciência no Ministério de Ciência Tecnologia Inovações e Comunicações?
Zaira Turchi: Eu sou professora universitária e na universidade além de pesquisadora-professora eu tive uma atuação sempre muito decisiva em instâncias administrativas. Eu fui desde chefe do departamento, diretora, coordenadora da pós-graduação na minha área, na minha unidade. Fui coordenadora geral em toda Universidade Federal de Goiás. Então, essa experiência de pesquisadora e que compreende aí as dificuldades dos pesquisadores em fazer ciência e a importância da ciência brasileira para o desenvolvimento do país de fato é a bagagem, é o que eu trago de experiência para poder contribuir nesses novos desafios à frente do Departamento de Formação em Ciência e Infraestrutura de Pesquisa no MCTIC.
NC: A senhora comandou a Fapeg e o Confap, qual a contribuição dessas experiências em sua função atual no ministério?
ZT: A experiência à frente de uma Fundação de Amparo à Pesquisa, como eu fiquei oito anos na Fapeg (Fundação de Amparo à Pesquisa de Goiás), em Goiás e depois a frente do Confap, o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa nos dá uma visão de país muito profunda compreendendo as diferenças regionais, as potencialidades regionais, as necessidades e as respostas que vem de maneira diferente de cada região. O Brasil só pode se desenvolver quando ele considerar esse conjunto de potencialidades das diferentes regiões, das necessidades que há nas diferentes regiões. Essa experiência à frente de uma fundação me deu também uma visão das diferentes áreas da ciência da possibilidade dessas áreas conversarem, a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade, a necessidade de pensar em áreas estratégicas para os estados e para o país, enfim uma visão ampla de Brasil.
Quando estive a frente do Confap, a interlocução que nós pudemos fazer com as agências federais, com organismos internacionais de ciência, de educação foi extremamente importante. Essa é uma experiência que eu também levo para o departamento do MCTIC para poder contribuir com o sistema nacional de ciência tecnologia e acho importante dizer que fui para Fapeg cedida pelo Universidade Federal de Goiás.
NC: Quais são as áreas estratégicas que a senhora entende para o Brasil?
ZT: O país possui áreas extremamente importantes, com a ciência já bastante desenvolvida. Essas áreas são a biodiversidade, bioeconomia, biotecnologia, toda área de mar é extremamente importante para o nosso país. Nós temos também muita capacidade instalada nas áreas da saúde, doenças negligenciadas, doenças tropicais, enfim há no país uma competência instalada muito grande. Certamente outras devem ser mapeadas e já há documentos inclusive que falam disso, a própria Academia Brasileira de Ciências tem pontuado essa questão. Penso que o país precisa fazer um esforço de colocar investimento, colocar foco e organizar o sistema para que essas áreas que são prioritárias e estratégicas avancem e nenhuma delas é possível sem ciência e sem educação. Se a gente perguntar o que é área prioritária para o país desenvolver? vou te dizer: educação e ciência. Agora em determinados temas o que o país tem de mais potencialidade lembramos de fato a questão da saúde, as áreas que são focadas na produção de alimento, na agricultura, agricultura sustentável. O país é uma potência nisso e precisa avançar ainda mais com ciência. Os projetos estratégicos nessas áreas precisam realmente de todo investimento necessário, acompanhamento e foco para poder levar o país ainda mais longe no desenvolvimento.
NC: Do ponto de vista do fomento, as áreas da ciência são tratadas de forma diferente? Existem ciências de primeira e de segunda classe?
ZT: A ciência compreende as várias áreas do conhecimento e as agências de fomento federais estaduais devem sempre fomentar toda ciência brasileira. É esse ecossistema formado da ciência brasileira que vai dar as respostas necessárias ao desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade. Então, nós precisamos enfatizar que a área das humanidades, vou dizer amplamente incluindo todas elas, tem uma importância estratégica para o país. São áreas que pensam o social são áreas que podem dar respostas a questões e que envolvem as pessoas e toda a outra ciência. Dessa forma elas são feitas e avançam e descobrem saídas para as doenças, para fome, para a cidade, para as pessoas e para o planeta, para a vida humana e para o planeta. E é esta área que agora também vai vir para o departamento que eu estou à frente no MCTIC, a área das humanas sociais.
NC: E onde estaria a solução para esta falta de “inclusão” das ciências humanas?
ZT: Penso que precisamos no Brasil cada vez mais estimular apoiar e ter projetos que sejam projetos interdisciplinares. Não há como fazer um projeto sobre a água sem ter pessoas da Sociologia, da Antropologia e da Comunicação para poder compreender como é que as pessoas vão absorver determinados conhecimentos, como e o que elas vão construir com esses conhecimentos. As ciências humanas precisam estar presente no planejamento do nosso país e é isso que a gente observa em grandes projetos estratégicos na Europa, no Reino Unido, em todos eles há a presença de cientistas da área das humanas. Na Suécia, por exemplo, fui visitar um projeto de construção de um carro que envolvia indústria, universidades e descobrimos que o coordenador do projeto era um jornalista, um profissional da área da comunicação. Havia também equipes enormes de psicólogos envolvidos na construção desse projeto por que envolvia mobilidade urbana, meio ambiente, as pessoas utilizando aquilo ali. Então é todo um contexto que não está separado, e é isso que a gente precisa entender e valorizar todas as ciências. Precisamos pensar sempre nisso, investimento em ciência não é gasto, é absolutamente o único caminho para o desenvolvimento.
NC: O que é o programa Ciência na Escola?
ZT: O programa Ciência na Escola foi lançado pelo Governo Federal numa parceria do MCTIC, MEC, Capes e CNPq e é um programa que tem objetivo de despertar talentos para ciência formar, professores para o ensino de ciências, na educação básica, estabelecer conexões, redes que potencializem nos estados e nas regiões essa possibilidade de levar mais ciência pra escola. O programa usa a metodologia mão na massa, é para ter experiência de ciência, ter mais alunos envolvidos e interessados na ciência e que desejem fazer carreira como cientista e, além disso, preparar esses professores também cada vez mais para o ensino da ciência. Nós temos certeza que o programa vai de fato atrair experiências já muito exitosas que existem no país e com financiamento específico estabelecido dentro de redes de cooperação que podem ser inclusive entre instituições no estado ou instituições entre dois, três ou mais estados gerando essa cooperação e essa possibilidade de multiplicação. Certamente este programa trará mais qualidade para educação que é uma coisa extremamente importante. Em países em que essa experiência mão na massa se constituiu em programas os resultados os impactos foram muito significativos.
NC: Já há editais previstos para este programa? E os recursos?
ZT: O programa tem ações diferentes, tem editais. São duas chamadas, uma para pesquisador, que foi aberta pelo CNPq e está sendo um sucesso, porque tem muito pesquisador qualificado que quer pesquisar com educação básica, quer propor projetos inovadores no ensino de ciências, na educação básica. Foram mais de 930 proposta submetidas. O recurso é de R$ 10 milhões, provavelmente ficarão muitas propostas excelentes sem possibilidade financiamento, provavelmente serão financiadas cerca de 20 por cento desse quantitativo. É uma demanda muito grande que vai ter realmente propostas muito qualificadas e o CNPq já tem larga experiência de fazer essa seleção. Sabemos que muitas propostas boas não terão financiamento, mas isso mostra que precisamos continuar nessa ação e que a comunidade científica, os pesquisadores responderam a este chamamento para poder colocar o seu conhecimento, sua capacidade e a sua produção científica a serviço de aprimorar, de levar para a educação básica mais ciência mais ensino de ciências. A outra chamada é para instituições que pretende mobilizar consórcios, uma chamada de R$ 100 milhões, envolvendo o MEC, o MCTIC, a Capes e o CNPq. É importante dizer que não há uma única ciência que está sendo contemplada nessa chamada, são todas elas. Os projetos podem vir de todas as áreas do conhecimento, entendendo que são ciências importantíssimas e que podem ali estar tão presente na educação básica transformando a escola, transformando a educação brasileira e buscando realmente o caminho para o desenvolvimento do país.
NC: Qual sua expectativa em relação aos resultados desse programa?
ZT: Após a seleção de propostas que será acompanhada muito de perto por instituições experientes como, por exemplo, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) para a extração de indicadores. A ideia é que à medida que a ação acontece a gente já possa ir apresentando para sociedade os resultados, resultados esses que serão inseridos numa plataforma que vai poder ser acessada. Mesmo que nem todas as escolas possam estar, por que a rede de educação básica é enorme, o Brasil é enorme, mas tendo esses exemplos exitosos registrados na plataforma há uma possibilidade muito rica de multiplicação. Então, essa é a nossa expectativa, que esse projeto piloto traga resultados impactantes experiências que sejam registradas nessa plataforma. O Ciência Dez, que é um programa de especialização da Capes, de formação de professores da educação básica também irá registrar os resultados nessa plataforma. Todas as suas experiências serão registradas, de como fazer, mostrando que muitas vezes uma escola com poucos recursos, com poucos equipamentos tenha ali ideias muito interessantes para poder trabalhar ciência com seus alunos. Queremos que isso faça mais parte do dia a dia de todas as escolas da rede pública, fazer na rede pública. É preciso mobilizar todas as secretarias de educação estadual, municipal e conseguir um movimento mais concentrado de esforços, porque a gente sabe que há experiências isoladas, mas que elas sejam potencializadas por esse programa. Assim estou muito motivada de estar à frente desse programa. Minha história inteira de professora da área de Letras, de formadora de professores, sempre atuei nessa área, vejo com muita felicidade essa possibilidade de a gente levar isso com mais força para a educação básica.
Edna Ferreira, Mônica Costa e Lívia Cavalcanti