Tudo ao mesmo tempo agora Entrevistas

terça-feira, 26 fevereiro 2019

Ciclo de vida da informação, máquinas sociais, sistemas de informação, software livre, redes sociais, performance, métricas e qualidade em engenharia de software são os temas de interesse do nosso entrevistado da seção Perfil dos Cientistas, Leia a primeira parte da entrevista

Nosso personagem poderia ser um ator, tem um timbre de voz forte e fala com convicção e eloquência. Parece ter a mesma atenção quando fala para plateias lotadas ou com uma única interlocutora, não se perdendo no raciocínio, embora, às vezes, faça voltas para reforçar a argumentação. Em geral, dá várias definições do tema ao qual se refere, como na frase “Recife é uma cidade enigmática, misteriosa, complexa, confusa, mas extremamente rica, sofisticada profunda, interessante de se viver”, dita numa entrevista sobre livros que está publicada na internet.

O exercício da docência lhe deixou marcas, mesmo que esteja aposentado desde 2014. Com um gráfico desenhado no quadro branco, “explicou” à repórter a relação entre relevância e importância do que é produzido pela ciência brasileira, durante a entrevista, que foi realizada numa sala de reuniões do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Um contratempo no equipamento da repórter deu a medida da disponibilidade do entrevistado, que gentilmente gravou a conversa e a enviou pela rede mundial de computadores.

Silvio Meira

Aproximadamente 530 mil resultados é o que o Google oferece quando se insere como chave de busca a expressão Silvio Meira. E será que uma pessoa só pode mesmo gerar tantos resultados? Tantas combinações? Pode, se a pessoa for Sílvio Meira. Ele já fez tantas coisas, participou de tantos projetos, criou ou ajudou a criar tantas instituições em 30 anos. Esse é a medida de tempo que ele gosta de citar para que algo dê certo.

Sua produção acadêmica em artigos completos publicados em periódicos, livros publicados/organizados ou edições, capítulos de livros e trabalhos completos publicados em anais de congressos, entre outros, chega a 363 publicações. Participou da banca de avaliação de 30 dissertações e teses; orientou 142 alunos e atualmente orienta outros seis, sendo quatro de mestrado e dois de doutorado.

Ele sempre teve muita pressa, dorme quatro horas por noite e trabalha de domingo a domingo. Acredita que o presente é uma máquina de consumir futuros, como afirma na entrevista já citada anteriormente. Depois que voltou do doutorado, em 1985, passou dez anos sem tirar um único dia de férias: “3700 dias trabalhando”, calculou. Nunca acreditou em Deus e nem torce para nenhum time. “Muito menos para a seleção brasileira”, enfatiza, “que não é uma seleção brasileira. É um time de futebol articulado por uma quadrilha”. Há 20 anos sua opinião sobre a seleção brasileira de futebol é a mesma.

Gosta das massas que faz, aliás, estas são as massas que mais gosta, entre tantas que já comeu no Brasil e fora dele. Pedala pelas ruas do Recife, especialmente quando quer pensar ou tomar água. Viaja muito, mas sempre que está em Recife, percorre de bicicleta os sete quilômetros que separam sua casa da dos seus pais. Depois de vê-los e tomar um copo d’água faz o percurso inverso.

Os primeiros 30 anos

Silvio Romero de Lemos Meira nasceu em 1955, em Taperoá, cidade paraibana, distante 259 quilômetros da capital João Pessoa. Depois morou em Fortaleza e Recife, para onde veio estudar para o vestibular. “A minha família era meio nômade, morou em muitos lugares pelo interior de Pernambuco, Paraíba e Ceará”, afirmou. No Recife, decidiu que queria ser engenheiro eletrônico. Foi aprovado no vestibular do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São Paulo, em 1973. Fez o curso em quatro anos.

Falando sobre raízes e amizades que fez pela vida a fora, revelou que as suas amizades duradouras, foram iniciadas já na idade adulta. Afirmou que até chegar ao Recife, não tinha um lugar que pudesse chamar de seu. Afinal tinha morado em tantos lugares, alguns dos quais por tão pouco tempo, tinha saído de tantos lugares, que não tinha amigos em nenhum lugar. “Paulatinamente eu fui fazendo amigos no ITA, fiz muitos lá e somos amigos até hoje, nos encontramos frequentemente. Muitos dos meus amigos mais próximos são colegas de turma do ITA”, reforça.

Ainda durante a graduação, com o que ele próprio classificou como “uma crença ingênua de que as instituições brasileiras iam se resolver até o fim da sua vida”, decidiu que voltaria para o nordeste. Porque um engenheiro eletrônico formado no ITA, na década de 1970, com múltiplas propostas de emprego no sudeste, iria arriscar não encontrar chances nem sequer similares àquelas voltando desempregado para o nordeste? “A combinação de carnaval, com praia, com caipirinha, com sol, com a proximidade da minha família, que tinha ficado aqui, apesar de ter família em São Paulo”, respondeu, acrescentando que rejeitou todas as propostas para conversar sobre emprego em São Paulo.

Veio para o Recife, onde, por falta de um emprego que o agradasse, fez mestrado em Ciência da Computação, no então Departamento de Estatística e Informática, que depois se tornaria o atual Centro de Informática (CI) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A dissertação Um Mecanismo para Simulação de Processos Paralelos Concorrentes, defendida em 1981, teve como orientador um futuro colega, Clylton José Galamba Fernandes. Silvio Meira credita a Clylton e Sérgio Rezende o estímulo para que fosse para a Inglaterra fazer o doutorado. Na University of Kent, em 1985, defendeu a tese On The Efficiency of Applicative Algorithms, sob a orientação de David Turner. Com 30 anos de idade, voltou para o Recife, iniciando sua carreira de professor da UFPE.

Ser cientista

A sua definição do que é ser cientista combina perfeitamente com o seu modo de agir. E sua opinião, ser cientista é estar insatisfeito com o estado atual das coisas, quaisquer que sejam, porque um cientista é um ser que busca. Ressaltando que diferentemente do que pensam até mesmo alguns cientistas, para quem ser cientista é ser especialista em algum domínio do conhecimento, Silvio Meira propõe que quanto mais alguém se especializa num domínio qualquer, mas descobre que maior e mais intensa é a busca, que mais complexos são os problemas que acabou de descobrir. “Cientista é alguém que por definição foi preparado, de maneira estrutural para que dentro de uma conjuntura buscar a combinação de novos problemas com novas soluções, descobrir problemas, criar problemas”, define.

Sua experiência em dar aulas começou aos 15 anos, quando ainda fazia cursinho. E talvez por ter começado tão cedo, acha que trabalhar com os outros para resolver os problemas de aprendizado deles sempre foi uma coisa absolutamente natural, absolutamente fantástico. Em sua opinião, a maioria dos alunos de instituições que tem fama de ser difícil, como o ITA ou o CI-UFPE, está genuinamente interessada em aprender, está disposta a aceitar desafios. “Eu gosto muito mais dos alunos do que dos professores, a maioria dos professores é toda cheia de nó pelas costas sempre, tem preconceitos de todos os tipos sobre todo resto do mundo e a maioria dos alunos não tem”, confessa.

Fala com orgulho do papel de professor. Afirma que a decisão de voltar ao Brasil lhe fez entender que mais do que ser, ele próprio, o grande cientista da computação, seu papel seria o de criar um ambiente de aprendizado e descoberta que tivesse algum grau de sofisticação, que fosse capaz de gerar infraestrutura para a formação de grandes cientistas. Trinta anos depois, reconhece como maior do Brasil o grupo de engenharia de software do CI-UFPE. “No quadro de professores titulares tem Paulo Borba (Paulo Henrique Monteiro Borba) e Augusto Sampaio (Augusto Cezar Alves Sampaio), os melhores pesquisadores do mundo da área deles, e são meus ex-alunos nesse tempo que a gente estava criando condições para que os outros fossem grandes cientistas”, orgulha-se.

Entrevista publicada originalmente em 8 de outubro de 2015.

Os comentários estão desativados.

Site desenvolvido pela Interativa Digital