Gabriela Barreto Lemos fala sobre seu encantamento com a Física
“Olhe que essencial você levar o maravilhamento do mundo, de descobertas, das perguntas e da brincadeira para as pessoas, especialmente num momento tão seco, de tanta falta.” É desse modo que a doutora em Física, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Gabriela Barreto Lemos define o próprio sentimento quando se refere ao ato de despertar em crianças o gosto pela ciência. Juntamente com outras pesquisadoras e alunas do Instituto Internacional de Física (IIF), onde Lemos faz o segundo pós-doutorado, tem levado noções de Física, por meio de experimentos lúdicos às alunas das Escolas Professor Severino Bezerra de Melo, localizada no bairro de Mãe Luiza, e Potiguassu, no bairro de Igapó, ambas em Natal (RN). No dia seguinte, as meninas devem ensinar o que apreenderam aos meninos. A intenção do projeto Sementinhas da Ciência, que é coordenado pela professora Laura Bohórquez, do IIF, é atrair meninas para as ciências. E a pesquisadora acredita que quando assumem esse lugar de professora, de pessoa que sabe algo e que pode passar, é perceptível o crescimento dessas meninas, que em geral têm baixa autoestima. “Quando a gente ensina para elas e elas ensinam para eles, elas veem que elas podem, elas saem de lá com uma energia incrível. Então é mais do que ensinar ciência, é ensinar que elas podem”, exalta.
A carreira acadêmica de Gabriela Lemos começou na Física Teórica na graduação e continuou no mestrado, ambos na Universidade Federal de Minas Gerais. Foi no doutorado na UFRJ que começou a trabalhar como física experimental. É ela mesma que explica a diferença entre uma área e outra: “físicos teóricos trabalham procurando fórmulas, procurando modelos e os e físicos experimentais procuram testar esses modelos em experimentos, mas todo bom físico tem um pouco dos dois.” Fez pós-doutorado no Instituto de Ótica Quântica e Informação Quântica, na Áustria. Lá desenvolveu um trabalho de fotografia quântica, que lhe garantiu a Medalha Mietta Santiago. Dezesseis anos depois de ter entrado na Física, Lemos ficou um tempo nos Estados Unidos para estabelecer uma ponte entre o seu trabalho em Física Quântica e o trabalho de artistas.
Perguntas essenciais
Ela propõe que as duas áreas – a Física e a Arte – respondem, cada uma a seu modo, as mesmas perguntas essenciais aos seres humanos e que sempre lhe fascinaram. Perguntas sobre a origem das coisas, sobre o tempo, o espaço, a matéria, o cérebro… E a beleza da Física Quântica, ela garante, está na derrubada de todas as percepções mais óbvias que se tem no dia a dia. “Ela meio que me transporta para outro mundo, um mundo que parece meio surreal, meio mágico e que desafia a minha capacidade de compreensão e isso me traz um prazer enorme de investigar uma coisa que é difícil entender assim de uma forma mais simples. Por outro lado depois que eu comecei a trabalhar com Física Quântica mudou toda a forma que eu vejo o mundo, as relações, as coisas mais básicas do dia a dia”, poetisa.
E por acreditar que a arte traz outra forma de abordar aquelas mesmas perguntas, tem mantido a colaboração com artistas estadunidenses. “Eu quero cada vez mais fazer essa ponte, colaborar mais com artistas e até me desenvolver um pouco mais como uma pessoa que pode um dia fazer algum tipo de arte ou que minha ciência seja uma arte”, garante.
Mesmo reconhecendo que a situação da ciência no Brasil tende a piorar, caso sejam mantidas as atuais condições impostas pelo governo federal, Gabriela Lemos espera conseguir uma posição permanente, de professora universitária. Ela afirma que adora ensinar, mas quer que as aulas sejam mais interessantes e menos maçantes para os alunos, trazendo a experiência da arte para dentro da sala de aula, assim como para o desenvolvimento da sua ciência. Outro desejo que vem junto da estabilidade que o cargo oferece, é poder fazer extensão. A sua expectativa é poder levar a universidade para fora de seus muros, para pessoas que geralmente não tem acesso à universidade. “Não quero que ela (ciência) fique estagnada, que possa se manter uma ciência criativa e me engajar em perguntas, que eu acredito mesmo, que são as perguntas fundamentais.”
Vácuo na ciência
Com grande lamentação pela perda dos lugares já alcançados no mapa da ciência mundial. É desse modo que a pós-doutora analisa a situação atual da ciência no Brasil. Entre os fatos narrados pela pesquisadora estão o atraso no pagamento das bolsas dos pesquisadores pelas agências nacionais de fomento, a redução do número de bolsas para novas pesquisas, a falta de recursos para laboratórios e equipamentos e a defasagem salarial que começa a afetar os professores das universidades, onde as pesquisas são realizadas. “Então o efeito disso é longo prazo, basicamente é criar um vácuo de pesquisadores e de trabalhos. Tinha trabalhos maravilhosos sendo feito em laboratórios que tiveram que parar por falta de dinheiro, de manutenção de equipamento. Laboratórios que vão ser esvaziados e alguns até abandonados, com muitos professores, brilhantes, saindo do país”, relata.
Ela lembra que quando começou na graduação no início dos anos 2000, os investimentos nas ciência no país estava em ritmo ascendente. Teve uma grande expansão das universidades, com formação de novos cientistas, com o aumento da disponibilidade de bolsas para os pesquisadores e recursos para se equiparem os laboratórios. Essas condições possibilitaram o fortalecimento dos laboratórios, a ampliação dos experimentos e das investigações cientificas e o estabelecimento de novas colaborações. Para a pesquisadora, a ideia entre a comunidade acadêmica é que o Brasil tinha finalmente entrado para o mapa da ciência, assumindo a condição de grande potência cientifica mundial. “Eu como aluna tive oportunidade de conhecer professores prêmios Nobel do mundo inteiro, que era uma coisa impensável, talvez, para os meus professores”, compara. Mas a situação que já está ruim ainda pode piorar. “Se continuarmos assim com o governo brasileiro investindo quase nada em ciência, vai ser uma situação que vai nos colocar de novo num terceiro mundo da ciência, um lugar de onde a gente já tinha saído e ocupado o lugar de excelência que a gente merece.”
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Veja a entrevista na íntegra.
Mônica Costa