Sergio Rezende: “Ser cientista é gostar de estudar e ter curiosidade” Entrevistas

terça-feira, 29 setembro 2015

Nessa entrevista, dividida em duas partes, o físico e ex-ministro Sergio Rezende conta sua trajetória de cientista, político e professor

Afirmar que Sergio Rezende é carioca de nascimento e pernambucano por escolha, longe de ser um clichê, é uma forma de retratar o real. Que ele é carioca não há dúvida, pois mesmo depois de 43 anos fora do Rio, o sotaque ainda é evidente. Mas também não há como não reconhecer sua “pernambuquisse” na importância de sua atuação para a História da Ciência no Brasil a partir desse Estado.

A decisão do Nossa Ciência de convidar o professor Sérgio para abrir a sessão de entrevistas com grandes pesquisadores baseou-se na relevância de sua contribuição para a ciência. A entrevista ocorreu durante as férias do meio do ano em seu gabinete de trabalho no Departamento de Física, na Universidade Federal de Pernambuco. Ele afirmou que tornou-se cientista por que gostava de estudar e por que tinha curiosidade pelos assuntos novos e desafiadores. Acha que essa é uma regra para quem se dedica a esta área.

Confessou que sempre preferiu a física experimental, nunca tendo se interessado pela física teórica e que não queria se parecer com físicos como Mario Schenberg e José Leite Lopes, que, na sua opinião, eram excêntricos, pois se considerava muito normal.

Falou com carinho de sua trajetória de gestor de políticas de ciência e tecnologia, iniciada em Pernambuco, onde foi o primeiro diretor científico da Facepe (Fundação de Amparo à Ciência e à Tecnologia do Estado) e depois Secretário Estadual de Ciência & Tecnologia, no Governo de Miguel Arraes (1995-1998). Foi também diretor da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e Ministro de Ciência & Tecnologia durante o segundo mandato do presidente Lula (2006-2010).

Cansado de atividades administrativas, mas com plena disposição para a ciência. Assim descreveu seu estado de espírito no final de sua gestão no MCT, acrescentando que estava cansado de ter que lidar com políticos que só queriam indicar pessoas para cargos no governo. A vontade de dedicar-se exclusivamente à pesquisa foi tanta que, convidado pelo governador Ricardo Coutinho para ser secretário de C&T da Paraíba, não aceitou.

Acompanhe a primeira parte da entrevista.

Nossa Ciência – Por que ser cientista?

Sergio Rezende – (uma pausa, uma boa risada) É uma longa história. Para ser cientista é preciso gostar de estudar e ter curiosidade. Eu não escolhi ser cientista. Na verdade quando estudante do ensino fundamental, naquele tempo chamava ginasial, depois científico, eu estudava o suficiente para passar de ano, em parte por que meu pai não admitia a hipótese de um filho ficar em segunda época, não podia não passar. Mas no científico, no Colégio de Aplicação da então Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil (hoje UFRJ) tive um ótimo professor de física, que era meio cientista, astrônomo do Observatório Nacional e astrólogo, e eu comecei a gostar de física por causa dele – se chamava Luiz Eduardo Machado. E por conta da física eu passei a gostar de estudar matemática. Mas no Rio de Janeiro naquela época só tinha um curso de física que era na Faculdade Nacional de Filosofia e que era um curso que tinha suas complicações e eu sabia por que minha irmã tinha feito matemática na mesma faculdade e ela contava histórias que não me animavam muito. Então eu fui fazer engenharia eletrônica (na PUC/RJ), que era uma área da engenharia que usava muito a física e só alguns anos depois é que a PUC criou o Instituto de Física. Já no curso de engenharia, eu fui um ótimo aluno, eu gostava de estudar e era uma coisa natural, tinha um ótimo boletim de notas e era o primeiro aluno de uma turma de 120. Quando terminei a engenharia, no final de 1963, eu queria fazer pós gradução mas não havia pós graduação no Brasil. Então fui atrás de fonte de financiamento e apliquei para uma instituição muito competitiva que era o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) e fui aceito. O curso no MIT de pós graduação era um curso para formar pesquisador de empresa ou pesquisador da vida acadêmica e como eu queria voltar para o Brasil e aqui não havia possibilidade de fazer pesquisa em empresa, a decisão foi ser um pesquisador de universidade, ou seja um cientista.

NC – Pensando na sua carreira, qual foi o maior desafio?

SR – O maior desafio foi decidir vir para Recife, eu hesitei muito. Inicialmente não queria vir, achei que não valia a pena. Eu estava no Rio de Janeiro há três anos, depois do doutoramento, tinha 30 anos. Dois estudantes no mestrado que não eram orientados meus, mas fizeram uma disciplina comigo um dia me chamaram pra conversar e disseram que eles e outros três colegas que estavam fazendo o mestrado em São Paulo tinham o projeto de voltar para o Recife e que eles tinham conversado com Sergio Mascarenhas, que era conselheiro do CNPq. Sérgio disse que o CNPq apoiaria a vinda deles com convênio com a universidade mas que eles tinham que arranjar uma pessoa com doutorado pra vir com eles. Eles convidaram pessoas mais experientes, que não aceitaram. A pessoa quando é mais jovem aceita correr mais riscos. Eles levaram o Sérgio pra conversar comigo e ele falou que eu tinha que vir, que não poderia perder aquela que era a oportunidade da minha vida. Eu perguntei que oportunidade eu teria ao chegar num lugar que não tinha nenhum doutor e ele respondeu que eu seria um líder.

NC – Então o senhor decidiu vir. Como foi a vinda?

SR – Eu comecei a pensar que talvez não fosse má ideia, eu viria conhecer o nordeste, ficaria uns três, quatro anos e voltaria. Quando eu vim em janeiro de 1972, com 31 anos, eu tinha mulher e três filhas, vendi o carro velho e comprei um carro novo e viemos de carro e chegamos aqui. Os cinco mestres vieram mais ou menos na mesma época, entre o final de 1971 e o começo de 1972. O (Sergio) Mascarenhas disse que não nos preocupássemos por que ele conhecia muita gente e outros doutores iriam querer vir para Recife e não veio ninguém. Então a certa altura, eu chamei os cinco e falei que teriam que fazer as teses  sozinhos e que eu daria a ideia e cada um iria fazer. Acabei dando a ideia para as cinco teses de doutorado. Nós estudávamos muito, combinamos de usar as manhãs para as atividades de ensino e atividades administrativas. À tarde seminário, estudar e fazer pesquisa.

NC – Depois disso nunca passou pela cabeça, missão cumprida, vou voltar?

SR – Não passou por que eu fui gostando mais daqui e cada vez mais me distanciando dos lugares. Eu achava que o melhor lugar era aqui mesmo. Fui ficando e sou pernambucano (mostrou o título de cidadão pernambucano oferecido pela Assembleia Legislativa de Pernambuco). O desafio foi vir pra cá e vencer os primeiros anos, depois …

NC – Já veio direto trabalhar nesse prédio?

SR – Esse campus não tinha vegetação, era um areal, não tinha nada. Tinha três prédios grandes, um da medicina, um da engenharia e outro das ciências humanas de três andares. E física, que tinha sido criada pela reforma universitária, ficava num andar da engenharia.

No final da década de 1970, o Ministério da Educação fez um convênio com o BID e tinha dinheiro para a construção e o reitor disse: nós vamos construir o prédio da física. Foi o nosso grande momento, esse prédio aqui foi construido nessa época, passamos a ter um prédio do Departamento de Física com muitos laboratórios, nossos laboratórios são muito bons, laboratório de pesquisa, também tinha laboratório de ensino do ciclo básico aqui, mas depois eles foram para um outro prédio de ensino.

NC – Como foi sua entrada na política?

SR – Eu entrei em grande parte por que aqui tinha um político especial chamado Miguel Arrais. Ele criou a Facepe e convidou para diretor presidente um engenheiro muito conhecido (Sebastião Simões), uma pessoa brilhante que era amigo dele. Esse engenheiro por indicações diversas me convidou para ser diretor científico.

Eu fui fazer uma visita à Faperj, à Fapesp pra pedir os formulários deles e as modalidades e rapidamente fizemos o formulário. (Para) Esse evento de lançamento da operação da Facepe chamamos políticos, o governador, que já não era Arrais, era o vice dele por que ele saiu pra ser candidato a deputado, ele, deputados … O Sebastião Simões abriu a solenidade  e falou que era era melhor eu apresentar as modalidades. Quando eu terminei (a apresentação), eu falei: os políticos de Pernambuco deram um exemplo muito grande, muito importante botando na Constituição um percentual para a Facepe, dando as bases legais da Facepe, mas nós contávamos que eles iam entender que a maneira de funcionar da Facepe é através de julgamentos de pedidos por comissões e que não era através de bilhetinhos (risos). E quando eu falei isso eu vi que alguns políticos torceram o nariz … Quando terminou o evento Arrais veio me cumprimentar e disse: muito bem, falou muito bem, nunca vou lhe pedir uma bolsa. Anos depois, eu o vi numa fila de avião em Brasília. Naquele tempo não tinha ainda finger, a gente ia na pista. Eu cheguei e falei doutor Arrais, eu sou o Sergio Rezende, fui diretor científico da Facepe. Ele (disse) e eu não lhe conheço? E eu não lhe disse que nunca ia pedir uma bolsa? A vez seguinte que eu me encontrei com ele, foi ele, já eleito governador, me convidando pra ser secretário de Ciência e Tecnologia. Eu nunca fui filiado a partido, nunca pedi indicação nem nada. Tem políticos que são diferentes mesmo. Eu fui secretário e eu passei a gostar dele, me dei muito bem com ele. Entrei na política por causa de Arrais.

NC – Só tempos depois que o senhor se filiou ao PSB

SR – Eu me filiei em 1997 quando um dia ele me disse que achava que eu devia me filiar por que podia ajudar ao partido. Foi ele também.

NC – Hoje o que prefere gabinete ou bancada de laboratório? dar aula ou fazer política?

SR – Eu estou completamente afastado da política. Eu dei a minha contribuição.

NC – Quando saiu do ministério, o senhor voltou para a pesquisa?

SR – Voltei completamente. Eu só consegui voltar por que eu nunca deixei de fazer. Eu fui diretor científico da Facepe sem deixar de dar aula e fazer pesquisa aqui. Quando eu tava na Facepe, eu me organizei para uma parte do dia estar aqui. Eu ficava lá de manhã e à tarde vinha pra cá. Quando eu estava na Secretaria Estadual era mais difícil, mas eu continuei. Eu nunca passei um ano da minha vida sem publicar pelo menos um paper e mesmo quando estava no Ministério. Em oito anos no governo federal, os alunos que eu tinha foram terminando as teses e foram embora, então eu publiquei alguns papers sozinho. Se tivesse me afastado da pesquisa, não conseguiria voltar. Eu trabalho com materiais magnéticos e uma das áreas do magnetismo, que chama-se spintrônica, foi ganhando um impulso grande nos últimos anos. Então quando foi chegando o final (da gestão) no Ministério, eu tava doido para me dedicar em tempo integral a essa área. Há quatro anos, eu não faço outra coisa.

Para ler a segunda parte dessa entrevista, acesse aqui.

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