País passa por momento de avanço de ideias reacionárias e propostas institucionais que fragilizam conquistas históricas na defesa dos direitos.
No momento em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 69 anos neste dia 10 de dezembro, no último dia 5, o Brasil recebeu uma péssima notícia. “Ataques letais mas evitáveis: Assassinatos e Desaparecimentos Forçados daqueles que Defendem os Direitos Humanos”, relatório publicado pela Anistia Internacional, destaca os riscos crescentes enfrentados pelos defensores dos direitos humanos em todo o mundo, e na região das Américas, o Brasil é o país com maior número de defensores assassinados. De acordo com o relatório, em 2016 pelo menos 66 pessoas foram assassinadas por defender seus direitos e de suas comunidades.
Nossa Ciência preparou uma série de matérias especiais sobre o Dia Internacional dos Direitos Humanos ouvindo pesquisadores de várias universidades que se dedicam ao ensino, à pesquisa e extensão. Foram ouvidos professores da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal).
De acordo com eles, a produção científica nesta área está cada vez mais qualificada apesar de apontarem que o país vive um momento delicado com o retrocesso e avanço de ideias reacionárias, e propostas institucionais que fragilizam conquistas históricas na defesa dos direitos.
O senso comum, com apoio de grande parte da mídia, tem resvalado as discussões pelo viés do preconceito e de equívocos conceituais como aqueles que dizem que direitos humanos defendem bandido. A produção científica nas universidades mostra o inverso desse discurso e contribui de forma concreta na defesa dos direitos.
Afirmação equivocada
“Na verdade essa construção que direitos humanos é para defender bandido não é uma construção desinteressada. Ela tenta descaracterizar a grande contribuição que a luta dos direitos humanos vem conquistando como direitos sociais, direitos civis,” pontua a professora Edjane Esmerina Dias da Silva, presidente do Conselho de Direitos Humanos da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), da Paraíba. Segundo ela, os defensores dessa tese equivocada centram a atuação dos direitos humanos muito na defesa do bandido.
Doutora em Ciências Sociais, mestre em Sociologia, graduada em Direito e História, Edjane Dias da Silva reflete que na verdade, quando se vai a um presídio se entende o contexto da violação dos direitos elementares e que o sujeito, independentemente de ser bandido ou de estar naquela situação, requer um tratamento previsto por lei. “Não é a defesa do bandido. É a defesa dos direitos inerentes à condição humana e do pacto que se celebra entre Estado que tutela esse sujeito para ressocializar, e neste sentido, ele (Estado) não promove aquilo que se propõe promover. Não é a defesa do sujeito, é a defesa dos direitos elementares das pessoas humanas que estão sendo ali violados. Há um retrocesso nas conquistas na área dos direitos humanos hoje no Brasil”, analisa a professora. “Aquilo que a gente conquistou de certa forma está sendo colocado em xeque no próprio recuo da legislação. Os direitos trabalhistas foram uma conquista grande e a gente está sentindo que essa relação de força entre trabalhador e empregador está sendo alterada. A lei está trazendo elementos que podem favorecer uma situação de negociação menor para o trabalhador frente ao empregador”.
A Universidade Federal de Campina Grande (criada em abril de 2002 pelo desmembramento da Universidade Federal da Paraíba) desenvolve sua política de direitos humanos a partir da constituição da Comissão de Direitos Humanos desde 2003 com várias ações no ensino, na pesquisa, na extensão e na administração, nos 11 centros vinculados à universidade que ocupa grande parte do estado da Paraíba, assinala a professora.
Promoção e proteção
Como exemplo disso está a política interna da Comissão de Direitos Humanos, cuja prerrogativa é promover ações educativas acerca da importância, do respeito e da proteção desses direitos, como ainda implantar políticas institucionais voltadas ao fortalecimento da cultura organizacional, acompanhamento da situação e denunciar violações desses direitos através de programas específicos de cada curso. A Comissão assessora a criação e implantação e faz acompanhamento de órgãos e entidades de defesa dos direitos humanos, promove atividades de ensino, extensão, eventos técnicos, científicos, publicações e divulgação na área, entre outras iniciativas no âmbito individual ou coletivo e administrativo.
O Núcleo de Acessibilidade (NAI), criado pela Resolução Nº 11/2016, do Colegiado Pleno da UFCG é uma política de direitos humanos interna para auxiliar na implementação de política de acesso com a permanente participação de alunos, docentes e técnicos administrativos com necessidades especiais. “A gente tem um processo de identificação das necessidades educacionais especiais do conjunto que integra a universidade e com base nisso nós encampamos uma mudança estrutural da UFCG em vários campi, uma mudança arquitetônica para dar acessibilidade”, destaca Edjane Dias da Silva. Foram feitas modificações na estrutura física mas ainda há muito a ser feito, complementa. O Núcleo também tem a função de sensibilizar a comunidade em relação à inclusão das pessoas com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades, superdotação ou transtornos específicos, e ainda promove eventos acadêmicos junto à comunidade, implementa ações internas e externas, que incluem a implantação de políticas institucionais, assessoria de criação e implantação e acompanhamento de políticas da sociedade voltadas para a proteção dos direitos humanos para órgãos ou instituições não governamentais que trabalham em prol dessa causas.
Resultados práticos
Em termos práticos, a Comissão tem um programa que trabalhou com o presídio regional de Campina Grande e fez, através de oficinas pedagógicas de direitos humanos, dois documentários dessa realidade que estão disponíveis no youtube sob o título “O Mundo Prisional Feminino”. Um mostra o impacto que o presídio causa na formação dos estudantes ao se depararem com a realidade do presídio. O outro, faz um retrato possível do mundo prisional feminino na Paraíba. Os dois documentários, frutos de quatro anos de atuação da universidade dentro do presídio no sentido de assessoria, que é a proposta da Comissão, trazem muitos elementos que descontroem um pouco o discurso que direitos humanos é para defender bandido. “Agora, é claro, a gente tem que entender o discurso dentro do contexto, da relação de poder. Nós estamos numa sociedade marcada, agora, por uma reação meio conservadora, digamos assim, reacionária, no sentido de fortalecer os dispositivos de controle, achar que o estado penalista vai solucionar o problema da criminalidade. Então, vamos intensificar ainda mais a questão do estado punitivo e não ressocializador. Isso são correntes, posturas ideológicas, diferenciadas. A mídia trabalha em cima dessas ideologias que a gente tem que colocar dentro do contexto porque, por exemplo, nós temos vários programas na UFCG que trabalham diretamente com a comunidade que não necessariamente vai nessa frente de trabalho. Nós temos o projeto Observatório de Direitos Humanos de Cidade que é uma linha nova na UFCG que trabalha o direito à cidade com direitos humanos, o direito a uma cidade ecologicamente equilibrada, acessível, bem planejada, que respeita a diversidade. É uma outra lógica dos direitos humanos que estamos abrindo”.
Em 2015, a UFCG começou várias pesquisas sobre políticas urbanas, participativas e direito à cidade. Tem o projeto Política Urbana e Direito à Memória em Campina Grande, há vários núcleos que trabalham diretamente com a comunidade como o de Pesquisa e Extensão sobre Drogas, o de Estudos Afrobrasileiros. Outra linha aborda a inclusão das discussões dos afrodescendentes dentro da universidade e de acolhimento, o Núcleo de Pesquisa em Etnicidade e de Cultura, o de Pesquisa em Gênero e Sexualidade, o Núcleo de Estudos sobre Violência. Foram capacitados 102 gestores municipais através da plataforma da UFCG virtual em que o direito ao acesso à informação foi tratado como direito fundamental. O curso de especialização em direitos humanos, também na plataforma virtual, capacitou 44 militantes e gestores que trabalham políticas voltadas para o setor.
“Tudo isso gera produção científica, gera impacto naquela localidade. A produção de conhecimento também é o foco da universidade e formação que também é superimportante”, adverte a professora. A resposta para as ações, segundo ela, é o envolvimento da sociedade através dessas iniciativas.
Leia as outras matérias da série especial sobre direitos humanos na academia:
Direitos precisam avançar mais
Indígenas, negros e LGBTs na pauta da UNEAL
Silvio Andrade
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