“Ações isoladas para um problema global têm impacto pouco significativo” Entrevistas

quarta-feira, 27 novembro 2024
Lúcio Brabo (esquerda) e seu orientador Tommaso Giarrizzo (Foto: Guilherme Silva / UFC)

Lúcio Brabo, pesquisador do Labomar/UFC, defende soluções globais para encalhe do plástico oriundo de diversos países encontrado em praias nordestinas

A nefasta presença de plásticos no oceano e nas bacias hidrográficas tem sido objeto de diversas pesquisas no Brasil. Os dados encontrados enfileiram impactos negativos para animais e humanos e não necessariamente nessa ordem. Da ingestão e sufocamento de animais até a contaminação de alimentos vendidos e consumidos nas cidades, são problemas atribuíveis à presença do plástico nas águas.

Um estudo desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (Labomar) recolheu quase 10 quilos de tampas plásticas na Praia do Futuro e no Porto das Dunas, ambos na cidade de Fortaleza (CE), no mês de novembro de 2022. O grande achado da pesquisa, entretanto, foi a identificação da origem deste material. De cada 10 itens coletados, quase 8 tiveram origem em países africanos.  Os resultados do estudo foram publicados no periódico internacional Science of the Total Environment. O artigo tem como primeiro autor o doutorando Lucio Davi Moraes Brabo, do Programa de Pós Graduação em Ciências Marinhas Tropicais na UFC. O coordenador da pesquisa é o professor Tommaso Giarrizzo. 

Leia a matéria sobre a pesquisa: Pesquisa identifica origem de plásticos encontrados nas praias brasileiras

Nossa Ciência conversou por mensagens de whatsapp com o pesquisador que está há um ano e meio estudando o monitoramento dos resíduos plásticos estrangeiros que encalham na costa do Ceará.

Desde o Mestrado em Ecologia Aquática, pela Universidade Federal do Pará, Lúcio Brabo vem se ocupando de entender o impacto dos resíduos plásticos no ambiente. “Trabalhei com ingestão de microplásticos pela fauna aquática e marinha, em espécies de arraias, e de peixes, e agora estou trabalhando com o macroplástico, que é aquele que a gente encontra nas praias”, explica.

Nessa entrevista, Brabo fala da pesquisa, dos problemas causados por materiais usados às vezes por alguns segundos e podem ficar centenas de anos sem serem degradados. O pesquisador explica que esses materiais são transportados de um continente a outro através das correntes oceânicas e fala das suas hipóteses de como o lixo chega à costa brasileira. Ele aborda também a situação na costa brasileira e especialmente a costa nordestina, onde a atividade turística é uma importante fonte de renda para as populações, mas também um fator relevante na produção e descarte inadequado de poluentes orgânicos persistentes (POPs).

Nossa Ciência: O que são Poluentes Orgânicos Persistentes e qual é relevância do estudo desse material?

Lucio Brabo: Os poluentes orgânicos persistentes, os POPs são um conjunto de substâncias que levam um grande tempo para se degradar no meio ambiente. A persistência dessas substâncias é motivo de grande preocupação porque elas podem se dispersar no ambiente, alcançando regiões muito mais distantes do que inicialmente quando elas chegaram a um ambiente, a um rio, a um solo, porque elas podem ser transportadas com outros resíduos, com outros animais. Por exemplo, um animal que ingere essa substância, pode transportá-la pela cadeia alimentar até outros animais, (ela pode) chegar até o topo da cadeia alimentar. E também os resíduos plásticos podem transportar esses poluentes orgânicos persistentes na sua superfície. Os resíduos plásticos de uma região que tem substâncias persistentes agem como potencializadores de contaminação. Uma vez chegando aos rios e aos oceanos, podem transportar essa contaminação para outros lugares.

NC: O que já se sabe sobre a presença e as consequências de materiais plásticos no oceano brasileiro e no Nordeste, especialmente?

Pesquisadores recolheram 9,7 quilos de resíduos, em novembro de 2022. (Foto: Lucio Brabo)

LB: A gente já tem diversos estudos da presença de materiais plásticos na costa do Brasil. Especialmente aqui no Nordeste, o nosso grupo, Detetive do Plástico, até antes de receber esse nome, já vem trabalhando nesse monitoramento no Parque Nacional de Jericoacoara, aqui na cidade de Fortaleza. Mas já temos vários estudos no Brasil, que mostraram a distribuição dos resíduos. E a grande parte dos resíduos que a gente encontra nas praias ou na costa do Brasil são os locais, que são aqueles que a gente chama de plástico de uso único. São embalagens de alimento, canudo, copos descartáveis, talheres descartáveis. Aqueles itens que as pessoas usam por um determinado período de tempo muito curto, minutos, alguns até segundos e que são logo descartados.

O nosso trabalho é o primeiro no Brasil a fazer uma auditoria de marcas para verificar a origem dos resíduos. Verificamos a presença não só de resíduos africanos, que foi o foco do estudo, mas a gente também encontrou resíduos de outras nacionalidades que são dados que a gente está trabalhando para futuras publicações.

Mas o que falta nesse campo de estudo, no estudo do impacto dos resíduos sólidos da costa brasileira é um monitoramento contínuo de vários anos para ver tendências e poder mostrar para o poder público quais são os impactos e as consequências não só dos plásticos, mas de todos os outros resíduos, metal, vidro… Onde acumula mais (resíduos)? Será que as estações do ano têm uma influência muito grande? Período chuvoso interfere?

NC: Há um alto uso de plástico nas cidades.  Os estudos acerca dos impactos desses materiais sobre o meio ambiente preveem soluções possíveis de serem implementadas para sua a substituição?

LB: Sim, o plástico é o material mais utilizado pela sociedade e hoje é um problema global. Então, problemas globais requerem soluções globais. Então, a gente vê muitas cidades, alguns países tomando medidas específicas contra certos tipos de materiais plásticos, como proibição de canudo, proibição de sacolas plásticas… Primeiro que você vai proibir um certo tipo de resíduo, mas todos os outros vão estar sendo consumidos praticamente da mesma forma, porque você não tem como substituir. Pelo fato dos materiais que substituam o plástico são bastante caros, as indústrias preferem usar os materiais plásticos para as embalagens dos seus produtos, porque são mais baratos, são mais leves, são mais fáceis de serem transportados. – Então, a substituição do plástico em si é quase que uma utopia, você vai dizer. Mas o que tem que ser feito é a conscientização da população, com políticas de uso consciente e o descarte correto nas cidades. E ser dado um uso correto desses materiais plásticos na reciclagem ou na reutilização.

A pesquisa identificou que 78,5% do material recolhido era oriundo de países da África, 15,7% do Brasil e 5,8% de outras nações. (Foto: Lucio Brabo)

Então, para combater a poluição plástica é todo um ciclo de vida do plástico que tem que ser pensado, desde a produção, da retirada do petróleo, toda a manufatura, a produção de infinitos itens, a distribuição disso no mercado e como isso chega na sociedade, depois que as pessoas usam, para onde que isso vai, como que vai ser triado, como que vai ser reciclado, como que vai ser reutilizado.

Algumas estratégias podem ter um impacto local significativo. São ações louváveis do ponto de vista ambiental, mas ações isoladas para um problema global têm impacto pouco significativo no problema geral, porque como a gente mostrou nesse trabalho que um resíduo que é produzido aqui pode poluir outras regiões do mundo. Então, precisa de ações integradas no mundo para que comece a ter um vislumbre de alguma solução para combater a poluição plástica.

NC: A sua pesquisa identificou que quase 80% do lixo plástico recolhido nas praias do Ceará é oriundo da costa africana, reforçando essa tese do problema global. O senhor poderia falar sobre isso?

LB: Fica de conhecimento que o mundo é todo interconectado. Apesar dos continentes serem afastados por milhares de quilômetros um dos outros, existe uma conexão por ar, por água, que faz possível que essa poluição por plástico alcance esse viés transcontinental. Diversos trabalhos no mundo já modelaram, já pesquisaram sobre os plásticos que poluem outros continentes. A principal via da poluição continental são os rios, que acabam despejando essa poluição nos oceanos e, a depender de certas condições oceanográficas, podem atingir as correntes marinhas e estas transportarem os resíduos por grandes distâncias até encalharem na costa de outro continente. Ou ficarem presos nos que a gente chama de giros oceânicos, que são as regiões centrais das correntes oceânicas. Por exemplo, a gente tem no giro do Caribe, uma região em que muitos resíduos estão presos, formando verdadeiras ilhas de plástico. Também no sudoeste asiático, tem uma situação parecida. No nosso caso específico, existe essa conexão entre África e América do Sul, pela corrente sul equatorial, que está trazendo esses resíduos até a nossa costa. No artigo a gente tem duas hipóteses. Ou pode ser um despejo “natural”* pelo rio Congo: os resíduos caem no rio, passando por diversas cidades, lavando todo o continente e são transportados para o oceano na costa da África. Mas também existe uma possibilidade de serem eventos criminosos, de estar havendo um descarte diretamente no oceano, por navios.

Coleta continua em andamento (Foto: Guilherme Silva / UFC)

NC: É possível que o material encontrado em novembro de 2022 seja relativo a algum evento específico?

LB: Desde maio de 2023, uma vez por mês a gente volta à Praia do Futuro e ao Porto das Dunas para recolher os materiais. E todos os meses estamos encontrando material estrangeiro e a maior quantidade de resíduos estrangeiros é da África. A partir desse monitoramento, entendemos que o que encontramos em novembro de 2022 não foi um evento isolado. O resíduo plástico da África continua chegando todos os meses aqui na costa do Ceará. A gente já fez algumas coletas isoladas em outras regiões do Ceará e até no Maranhão, e a gente encontrou os mesmos resíduos africanos.

No momento, queremos expandir a nossa rede de colaboração com outros parceiros para ver se a gente consegue saber qual a extensão da poluição desses resíduos estrangeiros aqui na costa do Nordeste.

* (aspas do pesquisador)

Mônica Costa

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