Na segunda matéria da série conheça ações no Rio Grande do Norte, que apesar das estatísticas de violência, existem movimentos construindo a luta em defesa dos direitos humanos.
Neste dia 10, completou 69 anos da Declaração Universal os Direitos Humanos. Na segunda matéria da série especial produzida por Nossa Ciência, ouvindo pesquisadores de várias universidades, o leitor vai conhecer o trabalho do Centro de Referência em Direitos Humanos do Semiárido (CRDH Semiárido) da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa).
O CRDH Semiárido, em Mossoró, na região oeste do Rio Grande do Norte, é uma articulação dos direitos humanos na instituição e envolve professores e estudantes de cursos variados e conta com a parceria de movimentos sociais, conta a professora Oona de Oliveira Caju, coordenadora.
Programa de extensão da Ufersa, o CRDH Semiárido começou em 2013 como expansão do Centro de Referência em Direitos Humanos de Natal, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte e que, na época, era uma ação da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH). Em 2014, o Centro foi transformado em projeto autônomo da Ufersa, mantendo a parceria de trabalho com o CRDH Natal e executando a política de proteção e defesa de direitos humanos da SDH. Contava com uma equipe profissional multidisciplinar e estagiários/as, que atendiam as demandas sobre violações de direitos humanos, individuais ou coletivos, e faziam a articulação com a rede de proteção para os devidos encaminhamentos. Os casos eram denunciados no Disque 100. O CRDH realizava ações de educação em direitos humanos. “Desde esse momento inicial, nosso trabalho contava principalmente com a articulação junto a movimentos sociais ou outros coletivos organizados para a reivindicação de direitos”, especifica Oona Caju.
A organização institucional passou a assumir o formato de programa de extensão ao ser selecionada nacionalmente no Programa de Extensão do MEC (Proext) e após o término do convênio junto à SDH da Presidência da República ao mesmo tempo em que esta sofria um considerável corte de recursos, explica Oona Caju. Através do Proext foram desenvolvidos três projetos de extensão, organizados nos eixos temáticos Gênero e Diversidade, Questão Agrária e Acesso à Terra e Justiça Restaurativa, além de uma série de ações, com ênfase em educação em direitos humanos.
Cinema, diversidade e direito à terra
Esses três eixos desenvolvem atividades formativas como oficinas, cursos e debates em torno das temáticas que trabalham. As atividades são construídas por estudantes, professores/as, movimentos sociais populares parceiros e membros das comunidades em que serão realizadas, a partir de sua realidade de luta por direitos e combate a violações, explica a coordenadora do CRDH. O Centro também trabalha com a exibição e discussão de filmes que provoquem reflexões sobre direitos humanos (Cine DH) e palestras (DH em Debate), além de apoiar lutas coletivas por direitos humanos.
“Nosso referencial mais marcante em termos teóricos, pedagógicos e políticos é a Educação Popular trabalhada por Paulo Freire”, destaca Oona Caju, mestre em Ciências Jurídicas e doutora em Direito pela UnB. Segundo ela, a obra freireana possui uma perspectiva transformadora profunda, essencial para reflexão e prática em torno da educação e da reivindicação de direitos humanos e da transformação social. “Eu diria que, mais do que nunca, esse legado de Freire deve ser defendido ante o vilipêndio da educação e dos direitos fundamentais que o país tem vivenciado”.
Temas fundamentais de direitos humanos são constantemente problematizados e debatidos por estudantes, militantes de movimentos sociais, professores/as, servidores/as públicos/as, membros da rede institucional de proteção de direitos e outros sujeitos que participem dos espaços e encontros promovidos através do CRDH, assinala a professora.
Exemplos
Os direitos humanos são uma forma de reivindicação da dignidade humana, conceitua Oona Caju. “Eles manifestam demandas indispensáveis para uma vida digna, reclamadas por sujeitos e coletividades ao longo da história, e representam projetos de transformação social por justiça, igualdade, respeito, solidariedade, liberdade etc”.
A longa trajetória dos direitos humanos é marcada por lutas sociais, vitórias, retrocessos, resistências, enumera a professora. “A história nos mostra que não é fácil conquistar direitos e, nos dias de hoje, percebemos que também é difícil manter as conquistas já arduamente obtidas. O reconhecimento legal de direitos necessários à nossa dignidade – por isso são chamados direitos humanos fundamentais – é só uma etapa do processo de materialização dessa dignidade. Além da lei, das normas formais, é preciso realizar, de fato, as condições de respeito e promoção da dignidade humana”.
Segundo Oona Caju, no Rio Grande do Norte há grandes exemplos de avanços no campo dos direitos humanos e de movimentos, espaços institucionais e defensores/as de direitos que são emblemáticos nas lutas do estado, e destaca que é animador ver que há organizações coletivas que lutam por direitos, denunciam violações e debatem questões como igualdade social, direitos das mulheres, igualdade racial, direitos da população LGBT, população em situação de rua, dentre outras. Esses sujeitos são os mais importantes na construção diária dos direitos humanos, pontua ela, que institucionalmente menciona a existência do Programa Estadual de Direitos Humanos, produzido pelas lutas e reivindicações da Sociedade Civil organizada, que gerou como resultados a Ouvidoria de Polícia, a Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias (Codem), a Coordenadoria de Políticas para as Mulheres (Cepam), a Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Coeppir), a Coordenadoria para Inclusão da Pessoa com Deficiência (Corde) na Secretaria Estadual de Justiça, e o Conselho Estadual de Direitos Humanos e Cidadania (Coedhuci), hoje presidido por um professor da Ufersa, que também é membro do CRDH, Daniel Pessoa.
Ela também lembra de Marcos Dionísio, que foi presidente do Coedhuci e dedicou sua vida à defesa dos direitos humanos. Ele faleceu este ano vítima de um câncer. “(Ele) Combateu a violência do estado e da polícia praticada contra a população e também contra trabalhadores e trabalhadoras membros da corporação policial. Denunciou grupos de extermínio, trabalhou pelos direitos da população em situação de rua”.
Violações persistem
Há avanços e recuos em se tratando de direitos humanos no RN, compara a coordenadora do CRDH. “Infelizmente, essas lutas e conquistas convivem com uma série de violações no estado. Os altos índices de pobreza são uma grave violação de direitos humanos, assim como a violência, que vitimiza de forma tão intensa mulheres e a juventude periférica, por exemplo. O Rio Grande do Norte é um dos estados em que mais se comete violência contra mulheres e é o 4º do país número de homicídios. Outro triste caso de violação no RN é a constatação da existência de trabalho em condição análoga à escravidão, recentemente denunciada pelo Ministério Público do Trabalho”, enuncia Oona Caju. Ela cita a rebelião no maior presídio do estado, Alcaçuz, localizado em Nísia Floresta, Região Metropolitana de Natal, em janeiro de 2017 com assassinato de 26 presos além de fugas, como “uma verdadeira barbárie e, ainda assim, a estrutura carcerária parece não ter mudado em nada”.
Na opinião da professora, o atraso de salário de servidores públicos do RN e a forma violenta com que o estado está lidando com os protestos contra essa situação, são graves violações à dignidade humana e demonstrações de que a luta pela realização do projeto de sociedade justa e solidária almejado com os direitos humanos ainda será longa. “No entanto, os frutos mencionados e os grandes exemplos como Marcos Dionísio nutrem e renovam a esperança nas lutas em curso, para que a resistência se torne um elemento de outras conquistas.”
Comemoração?
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um marco fundamental porque é um momento em que vários estados saem da experiência traumática do pós-guerra e consagram, pelo menos no papel e no discurso, a importância dessa proposta de organização social, ressalta Oona Caju. “Abre um momento de internacionalização dos direitos humanos. Dizer que ele está no papel não quer dizer que os direitos foram realizados e respeitados mas significa dizer que existe um pretexto a mais para a reivindicação de direitos porque os estados os reconheceram”.
Para a pesquisadora, o momento atual é delicado porque há uma percepção em termos institucionais que os direitos estão sendo atacados. “A gente vê hoje em dia reformas no Brasil propostas para fragilizar uma série de direitos, especialmente, quando se retira investimentos da saúde, da educação, que foi o caso da PEC aprovada o ano passado que limitou investimentos do Estado em direitos sociais, e outros, como o avanço de propostas que querem tirar a liberdade de professores na sala de aula, como o projeto Escola sem Partido, que desrespeita a liberdade pedagógica de professores, quando a gente vê uma série de censuras acontecendo, vê o Estado violando garantias fundamentais de liberdade. Isso tudo é muito preocupante, isso é um retrocesso”. Ela diz que a sociedade pode ajudar a reverter a situação tomando consciência que para a vida melhorar é preciso reivindicar o respeito aos direitos humanos. No último dia 8 de dezembro, o Projeto de Lei 193/2016, o “Escola Sem Partido” foi retirado de votação e arquivado no Senado Federal, a pedido do próprio senador que o propôs, Magno Malta (PR-ES).
Há muitos avanços no campo dos direitos humanos mas também há uma deturpação por parte de “certas mídias”, discursos mais conservadores de sujeitos que desvirtuam os direitos humanos, classificou a professora: “Aquela velha história que são direitos que defendem bandido, que não se preocupam com a vítima, são direitos de vagabundos, quando pelo contrário; os direitos humanos são aqueles que qualquer um de nós necessita para viver”. Para ela, de um lado estão aqueles que estão construindo os direitos humanos, aprofundando o seu senso de cidadania, de transformação que a sociedade precisa para realizar seus direitos, e de outro, quem está deturpando, fazendo a detratação. “Isto é um retrocesso com discursos que avalizam a violência, a tortura, a discriminação e tudo isso a gente combate”.
Oona Caju explica que na defesa dos direitos é muito importante o papel de todos os sujeitos, de movimentos populares organizados, seja da academia fazendo estudos, uma reflexão científica sobre essa sociedade, seja das pessoas que querem conhecer esse campo e começam a enxergar suas necessidades de vida. “Os direitos humanos se constroem nessa efervescência social”. O reconhecimento legal é muito importante porque dá uma ferramenta para reivindicar direitos mas estar na lei não significa que o direito é realizado, opina e complementa que é preciso, também, fazer com que a lei se realize. “A gente melhorou com a nossa Constituição que reconheceu o direito à saúde, à educação, à terra. Antes não tinha os mecanismos de direitos universal” e conclui que é necessário que a sociedade abrace a causa.
Leia as outras matérias da série especial sobre Direitos Humanos:
Produção científica brasileira em direitos humanos cada vez mais qualificada
Direitos precisam avançar mais
Indígenas, Negros e LGBTs na pauta da UNEAL
Silvio Andrade
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