Em seu livro mais recente, pensador propõe que o Século XXI será mestiço ou não será e que o futuro de paz depende da aceitação das mestiçagens como um valor positivo da humanidade.
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Lançado em julho, o livro O Menosprezo ao Brasil Mestiço e Popular, do professor Alípio DeSousa Filho, traça uma genealogia do elitismo racista na sociedade brasileira. É editado pela Editora Intermeios e tem prefácio assinado pelo jurista Alfredo Attiê.
DeSousa Filho é diretor do Instituto Humanitas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em entrevista exclusiva para Nossa Ciência, falou das ideias centrais do livro e analisou as escolas do pensamento sobre a interpretação do Brasil.
Nossa Ciência: Fale um pouco do livro. Por que você resolveu fazer esse livro agora? Qual foi a sua motivação?
Alípio DeSousa Filho: O que muito fortemente me motivou a produzir esse livro foram fatos recentes na História do nosso país, muitas cenas de racismo, muitas violências praticadas com esse conteúdo racista e os quatro anos de governo com uma extrema-direita absolutamente desavergonhada em praticar racismo e preconceitos de toda a natureza e querer que isso fosse legitimado como natural. Eu entendi ser muito importante produzir uma reflexão sobre esse fenômeno no Brasil, que eu nomeio de elitismo racista. Há na sociedade brasileira, simultaneamente, uma história de produzir-se como uma sociedade de mestiçagens e um preconceito elitista de fundo racista contra essas mesmas mestiçagens enquanto práticas de mesclas, associações, misturas de regras, valores, crenças, gentes.
NC: O que deu origem aos estudos?
ADSF: Quando eu, entre 1996 e 2000, estava fazendo o meu estudo para o doutoramento na Sorbonne, eu tinha uma pesquisa sobre o que eu entendia ser uma singularidade cultural brasileira que chamei de mestiçagens. Não como as miscigenações biológicas que dão no tipo antropológico brasileiro, mas entendendo por mestiçagens práticas de associações, misturas, hibridismos, sincretismos sociais, morais e estéticos, entre outros. Esse era o objeto da tese: trazer essa singularidade de práticas de mestiçagens na sociedade brasileira. E aí, mostrar isso da culinária às formas de consciência e às práticas sociais, artísticas nos vários âmbitos da vida social, para o melhor e para o pior.
O meu interesse não era demonstrar que as mestiçagens causavam males à sociedade brasileira, porque uma farta literatura de uma tradição intelectual fez isso. Eu ia mostrar as mestiçagens como uma singularidade positiva.
Há aspectos dessas mestiçagens que não colaboram, digamos assim, para um sistema de sociedade que seja democrático, que seja igualitário. O chamado jeitinho brasileiro talvez seja um exemplo de algo negativo, muitas vezes confundido comas mestiçagens como tais, sempre apontado como um mal brasileiro, embora isso seja um equívoco, porque o que nós chamamos de jeitinho brasileiro, ocorre também em outras sociedades, com outros nomes. A França reconhece essa prática com o nome de sistema D. É um sistema paralelo de ações para as pessoas, de todas as classes, burlarem a lei, burlarem as normas, não pagar imposto, deixar de pagar uma multa, fugir dos controles sociais. Em todos os países, há coisas similares.
Voltando ao tema da pesquisa
Simultaneamente ao pesquisar essa singularidade das mestiçagens como práticas sociais e culturais, eu vou descobrindo que nós temos uma história de menosprezo e repressão às mestiçagens. Sobretudo um forte menosprezo ideológico com respeito a práticas de associar, juntar, misturar, mesclar e, por sua vez, menosprezo e preconceito com relação àqueles que fazem isso. Notadamente, em textos como cartas, diários de viajantes, documentos oficiais escritos pelo colonizador europeu e, posteriormente, ensaios e trabalhos acadêmicos escritos pelos próprios brasileiros, aponta-se o povo brasileiro como praticante de misturas indesejáveis, ligações inconvenientes, nunca as elites, nunca as classes dominantes.
NC: Há 90 anos, mais ou menos, no governo Vargas, o governo encampou essa coisa positiva do Brasil mestiço e, durante muito tempo, a sociedade tinha vergonha de se mostrar racista, a prática de atos racistas não era abertamente assumida. Nos últimos 15 anos, porém, aflorou uma espécie de estímulo ao racismo e parte da sociedade se identificou com isso. A minha pergunta é, considerando que práticas sociais são construções, é possível se reverter isso?
ADSF: Sem dúvida que um partido político, um agrupamento político como o que nós tivemos nos últimos anos como governo, um grupo de extrema direita, com flertes muito fortes com o fascismo, estando em campanha política e no poder, acelera, potencializa o que chamo de elitismo racista e produz muito discurso social que procura naturalizar, legitimar esse a ideologia das separações de grupos, pessoas, constituindo um etos das apartações de classes e “raças”, imaginadas como existindo.
Mas o que eu procuro mostrar no livro é que, independentemente da expressão política disso, na forma de um agente político partidário que chegue a governo ou não, mas que tenha o espaço na esfera pública de fazer seus discursos, há um fundo histórico social na sociedade brasileira que é alimentado e alimenta um elitismo racista que se configura como ideologia e um etos das separações, isto é, como a inconveniência das aproximações, ligações, misturas em espaços sociais e convivência, de classes sociais particulares, concebidas como classes superiores e inferiores, assim como inadmissível a mistura de imaginadas “raças”, concebidas no elitismo racista, também como divididas entre “superiores” e “inferiores”. As raças tidas por superiores seriam aquelas concebidas como constituídas pelos brancos, e aquelas concebidas como inferiores seriam constituídas pelas pessoas negras, mestiças, indígenas.
No elitismo racista o que é classe torna-se raça e o que é raça torna-se classe. O que é que propugna a ideologia das separações e esse etos social da separação? É exatamente a ideia que não devem ser permitidas misturas, ligações, aproximações entre o que o elitismo racista tem por certo que deve permanecer separado. Não se pode admitir a circulação e a convivência de imaginadas classes e raças “superiores” e “”inferiores”, nos mesmos espaços sociais.
Isso no Brasil é muito antigo, e no livro eu vou fazer um longo passeio pelos escritos, os textos, os discursos, que vamos encontrar nos escritos do administrador colonial, dos senhores escravistas, nas obras dos missionários, protestantes, jesuítas, nos famosos diários de viajantes e posteriormente no próprio ensaísmo do autor brasileiro das primeiras décadas do Século XX, e até nossos dias na produção científica universitária, o que eu vou chamar de um ventriloquismo do discurso colonizador, para demonstrar como o elitismo racista foi sendo forjado e emergiu na sociedade brasileira.
Sobre as escolas do pensamento brasileiro
Na minha tese mostro como verdadeiramente há duas escolas de interpretação do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda escreve Raízes do Brasil em 1936, três anos após Gilberto Freire ter publicado Casa Grande e Senzala. Nesses dois autores, temos os patronos dessas duas escolas.
Sérgio Buarque de Holanda vai pensar o Brasil com um enorme pessimismo, e cerca a história da sociedade brasileira de muita desconfiança, justamente porque no entendimento dele nós fomos colonizados por um povo, o povo português, que tendo práticas de misturas lá, como metrópole, trouxe esse mau vício para a colonização brasileira. Ele vai dizer, e esta é a sentença máxima dele, que terminamos por nos constituir como uma sociedade sem orgulho de raça e de classe, pois que o colonizador assim já era, o que faz a sociedade brasileira padecer de diversos males.
Uma das coisas que ele vai dizer, por exemplo, é que não sabemos separar o público do privado, e assim não construímos a noção da civilidade, da modernidade, da urbanidade. Outro fenômeno, nessa ótica dele, é uma tendência do povo brasileiro a aproximações sem nenhuma cerimônia, sem nenhum protocolo, a famosa boutade de que o brasileiro rapidamente se torna amigo em poucas horas…
Nessa escola que o patrono é Sérgio, a tese é que o Brasil se fundou no vício atávico das misturas, porque não foi fundado com o orgulho de classe e de raça – e para mim isso é puro racismo e puro elitismo. Para mim, Sérgio funda o elitismo racista no Brasil, do ponto de vista intelectual.
Essa escola é uma linhagem que vem dar, inclusive, em marxistas para nossa surpresa. Eu digo surpresa porque, a princípio, marxistas, a gente imagina com uma visão mais crítica. No entanto, um autor marxista como Caio Prado Júnior, por exemplo, no Formação do Brasil Contemporâneo vai dizer que uma sociedade que se fundou na mistura insensata de raças só poderia ter resultado em um povo sem nenhum nexo moral.
Podemos falar de Paulo da Silva Prado, no Retrato do Brasil, Abelardo Romero, em Origem da imoralidade do Brasil, Emanuel Araújo, nO Teatro dos Vícios, os títulos já indicam muito a concepção deles. Todos esses autores vão citar os jesuítas, os calvinistas do período da colonização e os diários de viajantes para falar dessa sociedade que nasce torta, porque nasce praticando misturas inconvenientes, misturas do que não se deve embaralhar.
E isso chega para as universidades e até hoje às escolas de Sociologia, de Antropologia, de História, de Filosofia, como sendo uma verdade inquestionável e só o que se fez nos cursos de graduação e pós-graduação foi reproduzir esse discurso, que é colonialista, preconceituoso com o povo, como sendo uma verdade inabalável. O menosprezo pelas mestiçagens e pelo povo, produziu várias boutades: o Brasil não é um país sério, é um país inviável e produziu-se verdadeiros aforismos sociológicos do tipo o dilema nacional, o atraso brasileiro e toda a interpretação é exatamente marcada por essa ideia de que nossa tragédia é a de ter sido colônia de um povinho que já se misturava lá na metrópole.
Outro olhar
Diferentemente dessa leitura pessimista e de menosprezo às mestiçagens e aos mestiços, como tipo antropológico, nós vamos ter uma escola que o expoente primeiro é Manoel Bonfim, com a obra de 1905, América Latina, males de origem. Depois, nessa perspectiva de leitura e de interpretação do Brasil, tem Gilberto Freire, Darcy Ribeiro, Roberto DaMatta…
Manoel Bonfim faz a primeira denúncia desse equívoco de mal dizer às mestiçagens da sociedade brasileira. Ele vai dizer que quando se fala dos países da América Latina, sendo as próprias elites as responsáveis pelos problemas dos países latino-americanos, as desigualdades, os problemas de desenvolvimento social, todavia elas imputam ao povo e a alguma qualidade do povo a causa dos problemas.
Depois vem Gilberto Freire que escreveu Casa Grande e Senzala, em 1933, que não produziu nenhum mito da democracia racial. Isso é um outro absurdo que se repete nas universidades, e eu combato isso, eu denuncio esse mito intelectual de Gilberto Freire como fundador do mito da democracia racial. Gilberto Freire nunca deixou de dizer que a sociedade escravista era uma sociedade violenta e cruel com os escravizados. o autor o que fez foi reconhecer a força das mestiçagens na construção da sociedade brasileira. E isso nada tem a ver com a ideia de democracia racial no Brasil. Aqueles que reputam a Gilberto Freyre a invenção do mito da democracia racial erram ou decidiram-se a falsificar o pensamento do autor.
Em Casa Grande e Senzala, ele denuncia o racismo de Nina Rodrigues como inaceitável. Ali, ele diz que quando forjava o argumento de que os negros eram inferiores, Nina Rodrigues desconsidera o contexto para falar de pessoas que estão em uma situação de dominados, de escravizados. E a sua pergunta é: na condição de escravizado quem se poderia ser?
O que Gilberto Freire disse é que a aristocratização que o escravismo produziu, separando as classes dominantes, os senhores de escravos, com uma aristocracia no alto, e toda a população escravizada embaixo, vamos ter no meio um pouquinho de gente, que vem de alguma ascensão social dada por algum casamento interétnico de pessoas descendentes de famílias escravas e filhos das famílias de senhores escravistas. Ele vai falar de alguma democratização social, no ponto de vista de uma mobilidade de classe dentro do sistema, mas ele não diz que isso é democracia racial, que não tinha racismo por isso.
Mal estar identitário
Ou seja, por trás dessa leitura de mal dizer e de menosprezo das mestiçagens, que se mantém até hoje, está também um mal-estar identitário das elites sociais em relação à sua própria sociedade em em relação a si próprias. Aliás, fato que reproduziu também um outro: que é uma xenofobia regionalista.
A xenofobia regionalista do elitismo racista vai se expressar nas observações preconceituosas sobre variantes linguísticas, culinárias, porque há também um pressuposto de que existem regiões superiores e inferiores, formando dois Brasis. Haveria um Brasil superior, moderno, desenvolvido, aquele das regiões Sudeste e Sul, de gente branca e evoluída, e um Brasil inferior, atrasado em desenvolvimento, aquele das regiões Norte e Nordeste, de gente negra, mestiça e indígena. Esse seria o Brasil das mestiçagens, da gente que pratica todas as misturas, seu povo não teria evoluído. Quando eu falo de Brasil mestiço, não é uma região, não é uma parte da sociedade, é uma alegoria de uma sociedade que, com suas formas de consciência, suas práticas sociais, torna-se toda ela mestiça, ainda que receba o menosprezo de parte dessa mesma sociedade, que demonstra a vergonha de ser mestiça.
NC: Mas que você disse que as elites são mestiças, como também é todo o Brasil. Fale de como essa vergonha se coloca, e também de como a mestiçagem também aparece.
ADSF: Essas elites, setores de classes dominantes, de classe média, imputando sempre às classes populares ao povo serem praticantes das mestiçagens, elas nunca admitem que são tão mestiças no corpo e na alma. E isso é uma denegação, fruto de um mal-estar identitário dessas elites com relação à sua própria cultura, à sua própria sociedade, em relação a si mesmas.
Elas vivem o fantasma de não ser filhas de alguma pureza racial, de alguma imaginada superioridade racial, porque não são europeias. Sabem que nasceram de misturas de diferentes povos, com origens éticas diversas. E isso as assombra. Um exemplo de como isso aparece é quando você encontra pessoas desses setores concebidos como das classes superiores procurando sempre alguma ascendência europeia. Faz a árvore genealógica para saber de ancestrais franceses, espanhóis, alemães, ingleses, muito raramente portugueses, e nunca indígena ou africanos. Essa fantasia de uma origem familiar nobre, de estirpe superior.
Aparece também em coisas como essas pessoas buscando uma aparência no vestir, no falar, em suas posses, em tudo que é signo cultural de distinção, de maneira a separar-se de todos os signos culturais que remeteriam a pobres, a populares. Atos de certos indivíduos das elites e de uma certa classe média que treme de medo de ser confundida com “gente do povo”.
Então, esse mal-estar identitário das elites é que chamo de um mal-estar de ser mestiça, de pertencer a uma sociedade de mestiçagens. Como disse Gilberto Freire, ela também é mestiça no corpo e na alma, E numa sociedade onde as mestiçagens são fundantes do ponto de vista da miscigenação biológica e das práticas culturais e sociais, qual é o ser humano desse país que não é mestiço?
A humanidade é mestiça
Todos nós humanos somos mestiços, a humanidade é mestiça. Eu cito isso tudo sempre para dizer que não há lugar para a menosprezo às mestiçagens numa humanidade que é mestiça em sua própria constituição antropológica, desde sempre. o menos prezo ao mestiço e às mestiçagens foi produzido na era moderna, com o colonialismo moderno, que transformou mestiço num indivíduo moralmente híbrido, num indivíduo que perdeu as qualidades das raças porque misturou as raças ou perdeu a qualidade do branco e do negro ou do branco e do indígena, que imagina a existência de raças e ainda a ideia que cada um tem uma qualidade. Isso é a ideologia antimestiçagem.
Eu vou dizer exatamente que a impertinência disso é total, na medida que a humanidade toda é mestiça. Ela se constituiu por mestiçagens. A um europeu não ocorre de pensar assim porque, na mentalidade europeia, mestiço é quando tem um casamento de um francês com uma haitiana, mas o casamento de um francês com uma belga não é mestiçagem. Quando, na verdade, mestiçagem é qualquer mescla, qualquer mistura, uaisquer dos produtos dessa mistura, por exemplo, seres humanos. Nesse sentido, a humanidade é mestiça desde os primórdios. A espécie sapiens sapiens se mesclou seguramente, hoje tem dados para falar disso, como neandertais. Nós somos mestiços já desde nossos ancestrais mais primitivos. Mas na mentalidade colonialista, no pensamento europeu moderno e ainda hoje, a ideia de mestiçagem, mistura de raças seria um fenômeno novo. Estaria ocorrendo só a partir de quando os europeus brancos saem ao mundo colonizando povos e terras.
Bom, por fim, o que eu digo no meu trabalho é que o século XXI será mestiço ou não será, e que não vai haver futuro de paz, futuro democrático, futuro alegre, de bem-estar social para todos, se não aceitarmos as mestiçagens, isto é, a convivência dos diferentes, misturados, coabitando, mesclando-se, se não acabarmos as apartações de classe e de imaginadas raças.
Por isso, o fim do livro é Mestiçagens ou Barbárie. É conhecido que no século XX os socialistas diziam socialismo ou barbárie com a ideia de que ou teríamos o socialismo, um ideário à época, ou cairíamos na violência, na destruição, na barbárie. Eu faço uma paráfrase dessa bandeira, dessa insígnia e vou falar mestiçagens ou barbárie. Ou nós derrotamos a ideologia e o etos das separações de classes e de imaginadas raças ou cairemos na barbárie, na violência. Mas o que já assistimos, com as ações ou com as disposições a agir do elitismo racista: excluindo pessoas, marginalizando, negando o reconhecimento igualitário a todos, isso já é plena barbárie.
NC: O que você pensa das cotas?
ADSF: Eu penso que as cotas seja o Brasil, seja em outro país são importantes, mas eu entendo que elas devem ser cotas sociais. As cotas que permitam a universalidade do acesso a empregos, a concursos, estudos às pessoas em situação socioeconômicas de desvantagem na participação social e, portanto, na disputa com todos os demais. Eu acho que a chamada cota social abrange segmentos mais diversos, pois é capaz de interseccionalizar condições que se mesclam e que podem configurar, no caso de certos indivíduos, situações de inferiorização, vulnerabilidade, desvantagem na participação social. Então, não pode se focar apenas numa variável dessas.
Eu vejo dois problemas nessa ideia da chamada cota racial. A primeira é a da nomenclatura, na hora que você fala de cota racial, você está acreditando que existem raças e essa para mim já é uma ideia infeliz. Não há por que falar de raças em se tratando de seres humanos simplesmente porque não há qualquer parâmetro científico, biológico ou sociológico, para definir a existência de raças no caso de seres humanos. A ideia de que existem raças é uma invenção do racismo e não se pode combater racismo, mantendo o léxico do próprio racismo.
E do outro lado, pensar em cotas para apenas um segmento social, vulnerabilizado e excluído pela discriminação racista perde de vista as intersecções da exclusão social e numa sociedade como a brasileira, na qual o elitismo racista arrasta de roldão e mistura a inferiorização por status de classe e por pretendido pertencimento a raças, prejudicados são todos aqueles que não pertencem à classe dominante, às classes médias e a certas elites. Eu dou o exemplo de filhos da classe trabalhadora brancos, os pobres brancos, eles perderão numa disputa na chamada cota racial, nem entram nela por que não são negros ou autodeclarados negros, mas eles estão enormemente vulnerabilizados pela condição de classe. A grande desigualdade social de fundo nas nossas sociedades e países é uma desigualdade de classe. Entendo que esse deveria ser o parâmetro de base de toda cota de inclusão social, tudo o mais vindo no intercruzamento a esse parâmetro.
Mônica Costa