“O dado aberto é a forma da população avaliar a aplicação das políticas públicas” Entrevistas

segunda-feira, 30 abril 2018
Rodrigo Almeida durante apresentação na Campus Party Natal. Foto: Luana França

A busca pela transparência pública é um caminho sem volta, mas que ainda precisa avançar no Brasil

O dado aberto é a informação disponibilizada ao público, especificamente pelo órgão público, para dar transparência sobre suas atividades, sendo indispensável no combate à corrupção, de poder monitorar o funcionamento do órgão público. Essa é definição do Analista de TI da Dataprev Paraíba, Rodrigo Almeida [1] .

Graduado e mestre em Ciências da Computação, em 2017 foi um dos vencedores da II Maratona Hackfest de Combate a Corrupção,  coordenada pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) e Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), com o projeto Folha Limpa [2], aplicativo que permite realizar o cruzamento de informações das folhas de pagamento de servidores públicos do estado da Paraíba, permitindo encontrar divergências e irregularidades, tais como acúmulo ilegal de cargos. Também desenvolve outras iniciativas, entre as quais Cidades Qualificadas, voltada à avaliação dos dados disponíveis pelos municípios brasileiros e o Gestão com dados abertos, uma proposta de incorporação da Transparência Digital como apoio à tomada de decisão.

Sobre o tema dados abertos e transparência, o Nossa Ciência conversou com Rodrigo Almeida durante a Campus Party Natal, onde realizou a palestra Explorando dados abertos [3]. Ele cita os rumos e políticas desenvolvidas em prol do aprimoramento e melhor oferta de dados de órgãos públicos, elencando iniciativas que vem sendo desenvolvidas no Brasil. Já avançamos alguns passos, mas ainda há um caminho longo.

Nossa Ciência: Qual a importância dos dados abertos?

Rodrigo Almeida: sua importância tem um viés muito forte no combate à corrupção, no poder de monitorar o funcionamento do órgão público. Também tem um fator na área de inovação, pois permite que a população utilize aquela informação para gerar novos produtos, novas aplicações e na cobrança de aplicação de políticas públicas. Implementar o dado aberto é o caminho para um governo se tornar transparente. O dado aberto, o dado público, o dado que pode ser consumido pela população é a forma que ela tem de verificar de modo palpável se aquela informação, aquela política pública ou processo estão sendo executados da forma correta.

Foto: Luana França

NC: E como o Brasil tem se esforçado para se tornar mais transparente?

RA: Existem alguns marcos. Em 2012 foi promulgada a Lei de Acesso à Informação – Lei n° 12.527/2011 [4], que obrigou os órgãos públicos a pensarem como tornar seus dados abertos. Ela estimula os órgãos públicos, as prefeituras, governos estaduais fazerem seus portais da transparência e divulgarem os dados. Além disso, o Brasil já tem o Plano de Dados Abertos [5], em que o governo federal ensina como os órgãos podem gerar seus portais da transparência e temos o Portal da Transparência [6] brasileiro, que pode ser utilizado como referência para consumo de dados abertos. Ainda há um longo caminho a percorrer, por exemplo, o governo americano tem cerca de 230 mil conjuntos de dados enquanto o Brasil tem 5 mil, então existe o abismo entre a quantidade de informação que a nossa burocracia gera e a quantidade de dados que está disponibilizado. Acredito que a sociedade cobrando, acessando e através da ouvidoria do portal da transparência, reclamando, sugerindo liberação de informações, aos poucos chegamos lá.

NC: É possível que a atual crise política no país interfira nas ações de aumento da transparência e disponibilidade de dados?

RA: Eu entendo que não. O fato do Brasil já ter uma lei de acesso à informação e iniciativas a exemplo das hackathons, que consomem esses dados, vão trazer cada vez mais a necessidade de buscar os órgãos públicos para conseguir informações. O órgão público, ele não tem argumento para não disponibilizar o dado. Existe um subconjunto de dados muito especifico, quando o órgão consegue comprovar que aqueles dados comprometem a soberania nacional, a segurança. Aí, tudo bem, o órgão não vai disponibilizar. Mas a maioria, a grande massa de informação que efetivamente vai fazer com que se consiga observar o funcionamento do órgão de forma transparente, fatalmente deve ser liberado. Eu não acredito como um governo poderia barrar esse movimento. Essa é a minha visão.

NC: Qual o desafio desses dados chegarem na população, principalmente nos pequenos municípios, tendo em vista que nem todos possuem acesso regular à internet?

RA: Imagino que os grandes municípios naturalmente vão se beneficiar porque as grandes iniciativas, tribunais de contas, as próprias prefeituras, por terem mais recursos, acabam viabilizando iniciativas de inovação. Os municípios menores, gradualmente vão levar mais tempo para chegar no mesmo patamar. O que existe hoje são cobranças do Ministério Público. O MP já está atuando, já temos o Ranking da transparência [7] mostrando quais são os municípios com pior nível de transparência e assim o MP consegue formalmente cobrar, indiciar prefeituras. Vejo que as prefeituras menores vão entrar no movimento através do monitoramento do Ministério Público para divulgar dados no mesmo patamar que os demais municípios, eles vão acabar pegando a onda através da cobrança para que esses dados sejam utilizados.

Mapa da Transparência. Fonte: Portal do MPF

 

NC: Muitas pessoas ainda não sabem como acessar e obter dados nos portais da transparência e os meios de comunicação são um filtro importante para que tais informações cheguem na população. Como isso lança novas responsabilidades para os profissionais de informática e de comunicação?

RA: Eu vejo isso como uma evolução natural das profissões. Assim como o trabalho com desenvolvimento de software gradualmente vai evoluindo, incluindo outras áreas, imagino que no jornalismo vai existir o profissional, o cientista de dados, com maior afinidade para consumir os dados e fazer uma visualização para a grande população entender aquela informação. Eu concordo que o dado cru, na forma como é disponibilizado nos portais da transparência, é difícil de ser consumido por alguns, mas a mídia no seu processo de amadurecimento, com esse tipo de desafio e juntando profissionais da área de tecnologia, como um cientista de dados, conseguiria viabilizar essa informação de forma que a população possa compreender e interpretar esse dado de forma mais amigável.

NC: Como os pequenos veículos de comunicação podem trabalhar com a transparência de dados, principalmente para contribuir com seu desenvolvimento nos municípios?

RA: Olha, existem grandes grupos sobre dados abertos como Dado Brasil, R Brasil, de pessoas que trabalham de forma gratuita para gerar informação e visualização de forma gratuita. Então, o jornalista, na hora que vê a oportunidade, ele pode entrar em alguma dessas comunidades de R, Phyton, de dados abertos e propor para que alguém acolha aquela ideia como filho e desenvolva um produto de visualização. Eu acho que é um caminho para a mídia que não tem esse poder consiga gerar visualizações interessantes a um custo acessível. O fato do jornalista começar a participar de grupos de cientistas de dados no brasil, o fato dele ter o olhar dele como jornalista e lançar o desafio vai ser uma relação ganha-ganha, porque ele sabe qual é o tipo de informação vai atingir o grande público e consegue dar um desafio palpável, um desafio que o desenvolvedor consegue mensurar, instigar e fazer que ele se empolgue em trabalhar e conseguir gerar um resultado bacana.

Foto: Luana França

NC: Até agora falamos de pontos positivos e sabemos que informação é poder. Como você vê a possibilidade de uso negativo dessas informações?

RA: Não é nada diferente do que já está acontecendo no mundo, temos o exemplo das notícias falsas. Isso já existe. O que estamos fazendo aqui é que mais pessoas possam dar a opinião delas sobre o tema. O dado está disponível e assim como pode-se fazer uma solução utilizando dados dos tribunais de contas, você pode fazer a solução, qualquer um pode fazer a solução. O que vai acontecer é que vão começar a surgir pontos de vistas em cima do tema e pela quantidade de pontos de vista, as arestas vão sendo cortadas. O diferencial de todo esse processo é o fato que assim como tive a oportunidade de dar minha visão sobre o tema, assim como você tem, a população deve ter a oportunidade de fazer isso. Então esse conjunto de visões sobre o tema vão fazer que a verdade, o entendimento, o consenso prevaleça

NC: As empresas também buscam dados para conhecer melhor o perfil de seus clientes e assim traçar melhores estratégias de vendas e muitos dados públicos envolvem cidadãos comuns. Como fica a privacidade?

RA: Existe uma balança que chamamos de tradeoff entre segurança e privacidade. Quanto mais segurança você coloca, menos privacidade. Essa balança sempre existiu. Essa relação entre segurança e privacidade sempre existiu. O que eu acho é que deve existir o bom senso. Vou te falar em um tema polêmico. O tema é sobre remédios que o SUS disponibiliza para pessoas que ganharam na justiça o direito de usar aqueles medicamentos. Tem muitos medicamentos cujo o tratamento chega a milhões de reais, então, por um lado, a população quer saber para onde foram aqueles milhões de reais porque é dinheiro público, é muito dinheiro. Por outro lado, você tem a privacidade do indivíduo em não ter a sua doença exposta publicamente, então existe um meio-termo que é o seguinte: eu posso falar que gastei tantos reais em medicamentos, em compensação não vou divulgar o perfil quem utiliza esse medicamento. Essa relação é complexa e precisa de bom senso, a gente sempre tem que conversar e a coisa deve ser muito clara. Aquela informação não foi divulgada porque é uma informação sensível, essa informação da saúde, ela é sensível, mas a informação que uma pessoa frauda benefício social, recebe um, dois, três, essa informação tem que estar disponível, a gente tem que saber quem frauda e começar a diferenciar a pessoa acometida por uma doença grave e por isso precisa de um tratamento muito oneroso e não pode pagar e o governo acaba pagando. Ela é uma vítima de uma doença e a nossa sociedade tem que se organizar para resolver aquele problema, por outro lado, se tem uma pessoa que frauda, tem que ser exposta.

NC: Nisso aí tem a questão de como divulgar e o que vai ser feito com a informação.

RA: A população decide como agir e interpretar o que foi divulgado. A decisão de divulgar o dado de quem frauda benefícios sociais, entre outros, tem gente que diz: não, eu acho que mesmo fraudando, o dado dele não deveria ser publicado. Então essa discussão, segue em andamento e infelizmente a perdemos muito tempo do nosso país com discussões inconclusivas. Falo de alguns pontos que nós não vamos resolver. Mas esse ponto nós vamos resolver. E deveríamos discutir mais sobre essa questão de dados abertos e menos outros temas que acabam consumindo nosso tempo.

NC: Se as informações mostrarem que o gestor público está envolvido em fraudes ou tomando decisões equivocadas e ele quiser “abafar”, como fica?

RA: Se o indivíduo que não gosta tiver como gestor do órgão público? Então a Lei de Acesso à Informação veio dizer que ele não tem aquele poder, ele tem que seguir a legislação, só que é difícil seguir a legislação. Ele diz: ah, disponibilizei o conjunto de dados, disponibilizei a informação, mas na hora que você abre o que ele disponibilizou, 99% das informações estão em branco, e aí? Disponibilizou sim ou não? E aí tem duas situações: ele fez de propósito, tem a informação e não disponibilizou e a outra é: se ele realmente não tiver? E se ele vem tomando decisões sem informação, que é muito mais grave? Se ele assume não ter a informação, como se governa sem essa informação? Como toma decisões? Por isso que o tema é polêmico, porque toca numa ferida, toca na ferida da gestão pública, da implementação das políticas públicas. Então se percebemos que a política pública vem sendo conduzida de forma totalmente aleatória, sem qualquer tipo de informação, então você como cidadão vai ficar revoltado, vai ver que se perdeu muito dinheiro e tempo, que a política pública não foi efetiva porque a informação não estava disponível. Mas isso é, tem muito da coragem do gestor público assumir e faz parte da gente como população entender que não é fácil o trabalho do executivo e a gente tem que entender que isso acontece e precisa achar uma solução. Não adianta jogar pedra. Esse é o desafio, avaliar a disposição dos dados e dar um feedback é muito valioso para o gestor.  Pode ser que ele chegue numa conclusão que ainda nem sabe e esse trabalho é um trabalho de formiguinha, todo mundo se ajudando, trabalhando para chegar as conclusões e ter melhores informações.

Leia mais:

[1] Página Rodrigo Almeida

[2] Projeto Folha Limpa

[3] Explorando dados abertos

[4]  Lei n° 12.527/2011

[5] Plano de Dados Abertos

[6] Portal da Transparência

[7] Ranking Nacional da Transparência

Luana França

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