Opinião é do líder do grupo de pesquisa em Informação Quântica e vice-diretor do IIP-UFRN, Rafael Araújo
O relatório sobre a participação brasileira na produção científica mundial em ciência e tecnologia quânticas, lançado recentemente pela Agência Bori e pela Elsevier, mostrou que, em 2023, o Brasil ocupava a 21ª posição nessa área. Quando o foco se volta para as regiões do país, o Nordeste se destaca com duas instituições entre as 10 mais produtivas. Uma delas é a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que aparece como a 8ª com maior produtividade em ciência e tecnologia quânticas.
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Para analisar esses dados, o portal Nossa Ciência entrevistou Rafael Chaves Souto Araújo, líder do grupo de pesquisa em Informação Quântica e vice-diretor do Instituto Internacional de Física (IIP-UFRN). No ensino, ele é professor da Escola de Ciências e Tecnologia e da Pós-Graduação no Departamento de Física da UFRN. Já na pesquisa, Araújo tem experiência em física e aprendizado de máquina, com foco em computação e informação quântica. Ele atua principalmente em temas como emaranhamento e não localidade quântica, sistemas quânticos abertos, processamento de informação quântica, criptografia e comunicação quântica, fundamentos da mecânica quântica, implementações experimentais, inteligência artificial e modelos causais.
Hoje, não há um país que invista seriamente em tecnologias quânticas que não conte com um brasileiro ou brasileira em posição de destaque
Seu nome está ligado a contribuições acadêmicas, científicas e editoriais de grande relevância, especialmente na física teórica e na informação quântica. Araújo foi financiado por instituições de prestígio como o Instituto Serrapilheira, a Templeton Foundation e o FQXi (Foundational Questions Institute). Atualmente, é o investigador principal de um projeto apoiado pela Simons Foundation, reconhecida internacionalmente por fomentar pesquisas inovadoras, principalmente em ciência básica e áreas interdisciplinares.
Além disso, ele recebeu o título de “Outstanding Referee“ da American Physical Society, em 2020. Esse reconhecimento é dado a pesquisadores que se destacam na revisão de artigos científicos, garantindo sua qualidade e contribuindo para o avanço do conhecimento. Rafael também desempenha um papel editorial de destaque como Divisional Associated Editor na área de Informação Quântica da Physical Review Letters, uma das revistas mais respeitadas no campo da física.
O apoio da Simons Foundation, sua atuação editorial e os reconhecimentos recebidos mostram sua contribuição significativa em áreas de ponta da física, como informação quântica, fundamentos da mecânica quântica e outras questões teóricas profundas.
Acompanhe a entrevista concedida por um aplicativo de mensagens:
Nossa Ciência: Como o senhor avalia os indicadores do relatório, que mostram que, em 10 anos, o Brasil passou da 19ª para a 21ª posição em ciência quântica? Além disso, enquanto somos o 14º país mais ativo em termos de produção científica total, na área quântica ocupamos a 21ª posição. O que esses números revelam?
Rafael Araújo: É importante contextualizar o que ocorreu nas últimas duas décadas nesta área de pesquisa. No início do século 21, o Brasil se destacava no campo da informação quântica, a ciência fundamental por trás das tecnologias quânticas. Com a criação do Instituto do Milênio de Informação Quântica e a posterior formação de INCTs (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia) na área, o país conseguiu formar duas ou mais gerações de cientistas altamente qualificados, muitos dos quais escolheram permanecer no Brasil, formando novos grupos e impulsionando novas linhas de pesquisa. Contudo, a partir de 2016, com a drástica redução dos investimentos em ciência e tecnologia, o Brasil experimentou uma fuga de cérebros sem precedentes. Vários pesquisadores de renome internacional, já estabelecidos no país, foram atraídos para o exterior por condições de trabalho incomparáveis, enquanto cientistas brilhantes que estavam no exterior deixaram de retornar ao Brasil. Hoje, não há um país que invista seriamente em tecnologias quânticas que não conte com um brasileiro ou brasileira em posição de destaque.
Neste contexto, em que os pesquisadores brasileiros tiveram que se adaptar a fazer ciência de ponta com recursos escassos ou inexistentes, acredito que nossa posição ainda é relativamente boa. Os países que nos ultrapassaram têm investido de forma expressiva na área, com investimentos de longo prazo que, em alguns casos, ultrapassam a casa das dezenas de bilhões de dólares. No entanto, o Brasil finalmente despertou para o papel estratégico desta área e, desde 2023, tem aumentado significativamente os investimentos, com ações do Governo Federal, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, do CNPq e, de forma notável, de algumas fundações de apoio, como a FAPESP, que recentemente lançou um programa pioneiro para impulsionar as tecnologias quânticas no estado de São Paulo. Não tenho dúvidas de que, se esses investimentos forem mantidos, o Brasil retomará sua posição de destaque nos próximos anos.
Nossa Ciência: Entre as 10 instituições brasileiras com maior publicação em ciência e tecnologia quânticas, duas estão no Nordeste. Nossas instituições nordestinas estão bem ou mal na foto?
Rafael Araújo: Quando comparamos os investimentos, o número de pesquisadores e a infraestrutura do Nordeste com os do Sudeste, é notável o destaque que nossas universidades estão conquistando. Tudo indica que a participação do Nordeste nessa área continuará a crescer significativamente. Recentemente, o Senai Cimatec, em Salvador, recebeu um aporte de R$ 60 milhões para a criação de um Centro de Competências em Tecnologias Quânticas. A UFPE anunciou a inauguração do Instituto Quanta, com um financiamento da Finep no valor de R$ 15 milhões. O estado da Paraíba está planejando a inauguração de um novo centro de computação quântica, e, em dezembro de 2024, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação anunciou um investimento de R$ 8 milhões em parceria com a FAPERN para o Instituto Internacional de Física (IIF) da UFRN. Esse investimento certamente impulsionará ainda mais o desenvolvimento da área em nosso estado.
Com essa visão estratégica do Governo Federal e das agências de fomento para o crescimento do Nordeste, estou convencido de que nossa contribuição para as tecnologias quânticas decolará nos próximos anos.
O IIF está em processo de implementação de um Programa de Estudos Secundários em Ciência Quântica, uma iniciativa pioneira em toda a América Latina, que promete formar uma nova geração de profissionais altamente qualificados na área
Nossa Ciência: A UFRN está entre as oito mais produtivas e a mais bem posicionada no Nordeste. Quais são as perspectivas para essa instituição nessa área?
Rafael Araújo: A área de tecnologias quânticas foi estabelecida na UFRN em 2016, com a inauguração da sede permanente do Instituto Internacional de Física (IIF). Com o apoio da Universidade e de diversas agências de fomento nacionais e internacionais, tanto públicas quanto privadas, conseguimos, em um curto período, consolidar o Rio Grande do Norte como um dos principais polos em tecnologias quânticas. Isso se refletiu na formação de dezenas de alunos e alunas de pós-graduação e pós-doutoramento, em diversos projetos de pesquisa em colaboração com instituições de vários países, em um robusto programa de divulgação científica e, em mais de uma centena de artigos publicados em revistas de prestígio internacional, que incluem revistas como Nature e Science.
Mais recentemente, pesquisadores de outras unidades da UFRN, como o Instituto Metrópole Digital, a Escola de Ciências e Tecnologia e o Departamento de Física, também começaram a se interessar pelo tema, contribuindo de maneira significativa para ampliar ainda mais o destaque da Universidade, tanto no cenário nacional quanto internacional.
Vale ressaltar, ainda, que o IIF está em processo de implementação de um Programa de Estudos Secundários em Ciência Quântica, uma iniciativa pioneira em toda a América Latina, que promete formar uma nova geração de profissionais altamente qualificados na área.
Nossa Ciência: E como o Instituto Internacional de Física se posiciona nesses dados?
Rafael Araújo: O Instituto Internacional de Física foi pioneiro ao trazer a área de pesquisa em tecnologias quânticas para a UFRN. A informação quântica foi identificada como uma área estratégica pelo Comitê Assessor Internacional do IIF, composto por cientistas renomados, incluindo até mesmo laureados com o Prêmio Nobel de Física. Uma aposta que, com o tempo, se revelou extremamente acertada.
Com os investimentos recentes do MCTI e da FAPERN no IIF, teremos a oportunidade de reestabelecer nosso programa de pesquisadores visitantes, nosso programa de formação de pós-doutores e dar início ao Programa de Estudos Secundários em Ciência Quântica. Esses programas, aliados às iniciativas de outras unidades da UFRN, como o IMD, demonstram o enorme potencial do Nordeste, e particularmente do Rio Grande do Norte, para contribuir significativamente para o avanço da ciência e da tecnologia quântica no Brasil.
Mônica Costa