Cellina Muniz inicia coluna quinzenal no Nossa Ciência
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Nesta segunda (26/08), Nossa Ciência começa a publicar a coluna Linguaruda, que será conduzida por Cellina Muniz, professora do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O primeiro texto já esta no ar.
Ela explica que pretende fazer da coluna um espaço de divulgação e reflexão sobre a língua suas muitas formas de usos, priorizando uma abordagem mais analítica e embasada cientificamente. No senso comum e até no dicionário, o termo Linguaruda se refere negativamente àquela pessoa que fala demais. A professora explica que usar esse termo é dar-lhe uma ressignificação no “sentido de não silenciar e de problematizar e questionar o mundo com suas normalidades”.
Nascida em Brasília e criada no Ceará, Muniz já mora no Rio Grande do Norte há 14 anos. Esse tempo em Natal, já aparece muito fortemente na sua produção acadêmica e literária. É autora, dentre outros livros, de “Na tal cidade do humor” (2013), “Notícias da Jerimumlândia: a imprensa de humor em Natal na Belle Époque” (2017) e “A pauta é humor” (2021).
A Linguaruda será atualizada quinzenalmente, às segundas-feiras, alternando com a Diversidades. Leia a entrevista de Cellina Muniz.
A palavra em sua vida
Nossa Ciência: Você disse que quando se entendeu por gente, soube que queria trabalhar com a palavra. Qual é o significado da palavra na sua vida?
Cellina Muniz: A palavra é tudo, né… E não me refiro à palavra enquanto signo linguístico, uma unidade verbal, morfológica e semântica, mas à capacidade de comunicação que nos faz humanos, tão humanos. Isso sempre me fascinou, sobretudo a linguagem escrita, eu quando criança achava que o mundo era um livro sendo escrito ou lido por um ser maior, desconhecido, cósmico…
Gostava de brincar que era professora das plantas do jardim da minha mãe… E quando, na adolescência, comecei a escrever minhas pequenas histórias, senti que cursar Letras na faculdade seria imprescindível porque é um caminho que explora a linguagem. Ou melhor, linguagens. E hoje isso faz parte da minha vida, do meu cotidiano. Adoro uma boa exposição oral, um bom livro, adoro uma história bem contada, adoro perscrutar outras línguas, adoro essa nossa habilidade de se expressar e se comunicar…
Orgulho de ser professora
NC: Você já é professora do Departamento de Letras da UFRN há 14 anos. Consegue observar mudanças na relação dos alunos com a linguagem nesse período?
CM: Sim, desde agosto de 2010 faço parte do quadro efetivo de docentes da UFRN, com muita alegria e orgulho! Eu, que estudei em Universidade pública, tento fazer minha parte em prol da educação pública, gratuita e de qualidade. A mudança que tenho percebido é acima de tudo comportamental. Não dá para negar o peso dos dispositivos móveis, dos aplicativos e das redes sociais na nossa vida, principalmente das gerações mais novas, no que se incluem meus alunos. Isso é tanto para o “bem” como para o “mal”. E embora às vezes me aborreça a falta de empenho por parte de alguns nas atividades de concentração e abstração necessárias para uma leitura e discussão mais complexa, também me alegro por poder aprender muitas coisas com minhas turmas e alunos. Esse é o grande barato da a sala de aula: estamos sempre estudando, aprendendo e descobrindo algo.
NC: A pandemia de Covid-19 trouxe mudanças nas relações sociais, especialmente em sala de aula?
CM: Sem dúvida, há um antes e um depois. E não somente em sala de aula, em tudo, né…
NC: Você é uma Brasília-cearense muito potiguarina. Nesse arrodeio, quero dizer que você fala da cultura do RN com muita propriedade. O mais lhe encanta na cultura potiguar?
CM: Essa tal “propriedade” é questionável (rsrs). Talvez haja mais curiosidade da minha parte. O que me encanta são as pessoas, as obras realizadas, as tentativas de “traduzir” literária, poética e artisticamente o mundo…
Linguaruda
NC: Vamos falar da Linguaruda.
CM: Na perspectiva mais tradicional, dicionarizada, o adjetivo “linguaruda” se refere àquela pessoa que fala demais, numa acepção pejorativa. Ao atribuir esse nome para nossa coluna, a ideia é de uma ressignificação, tal como Judith Butler propõe: partir de uma ofensa original, apropriar-se do termo e dar-lhe outra conotação, sobretudo quando associada a mulheres. Então, é como se disséssemos que nosso senso crítico não é TPM e que podemos, sim, falar demais, no sentido de não silenciar e de problematizar e questionar o mundo com suas “normalidades”…
Além disso, o foco está na linguagem, então o propósito é fazer dessa coluna um espaço de divulgação e reflexão sobre a língua suas muitas formas de usos, priorizando uma abordagem mais analítica e embasada cientificamente.
NC: Qual é sua motivação para escrever essa coluna?
CM: Quem não se comunica, se estrumbica, já dizia o Chacrinha… (rsrs).
NC: Do que você vai falar?
CM: Sobre língua, linguagem, práticas discursivas em geral e livros, basicamente…
NC: Língua e linguagem são sinônimos?
CM: Embora uma não exista sem a outra, não são exatamente o mesmo. Podemos pensar que a linguagem (no caso, a verbal) é a manifestação particular, o uso real e efetivo de uma língua. E, como algo essencialmente humano, cultural e social, ambas são muito complexas, plurais e moventes…