“Eu amo a pesquisa e amo aprender” Entrevistas

sexta-feira, 8 dezembro 2017
Na estátua de John Harvard, no campus da universidade americana. Foto: Acervo pessoal.

Esse princípio levou o jovem potiguar Lucas Cassiano ao mestrado no MIT. Ele planeja ser uma ponte para projetos inovadores entre a instituição americana e a UFRN

Lucas Cassiano Pereira Silva é um potiguar de 23 anos que está cursando o Mestrado no Media Lab do Massachussets Institute of Tecnology – MIT, EUA. Apesar de se definir como um aluno mediano, ele atribui ter chegado aonde chegou “por amar a pesquisa e amar aprender”. Bacharel em Ciência e Tecnologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Lucas acredita nas pessoas criativas, empenhadas e focadas no que sabem. Com previsão de terminar sua tese em agosto de 2018, o jovem, que se considera um cidadão do mundo, ainda não definiu se voltará ao Brasil, mas planeja no futuro fazer projetos que promovam parcerias entre o MIT e a UFRN.

Nessa entrevista ao Nossa Ciência, Lucas conta sua trajetória, suas influências e fala de seus projetos. Ele lembra sua passagem pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS) da UFRN, onde fez pesquisa, desenvolveu projetos, aprendeu e se capacitou.

Nossa Ciência: Como foi sua trajetória acadêmica?

Lucas Cassiano: Em 2008 entrei no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) para fazer Mecânica, terminei em 2012 quando passei para a UFRN, para o bacharelado de Ciência e Tecnologia. Eu queria fazer Engenharia Mecânica para mexer com motores, mas já nessa época eu gostava de projetos, eu fazia quase tudo que faço hoje em dia, claro que numa escala menor, só que eu não sabia realmente nomear aquilo que eu fazia, não sabia me nomear, minha função profissional. Eu era o tipo de aluno médio, nunca fui aluno estrelinha. Às vezes matava aula para ir à praia, mas não por não gostar de aprender. Justamente o posto, abandonava aulas que eu não estava interessado. Ficar numa aula dessas é um suicídio intelectual, durante aquele tempo você poderia estar aprendendo outra coisa. Passar meia hora na praia, olhando o mar, relaxando sua cabeça, para depois estudar algo que você ama aprender, isso vai gerar muito mais conhecimento do que ficar sentado numa sala dormindo. Eu dedicava meu tempo muito mais no laboratório, não por bolsa ou por um futuro promissor, mas porque eu amava o que fazia.

NC: E você se encontrou na Engenharia Mecânica?

LC: Queria ser engenheiro mecânico e na primeira semana de aulas na UFRN assisti a uma aula de programação e pensei ‘não quero mais engenharia, quero programação, quero que essa seja minha vida’. Eu queria fazer pesquisa, tinha feito no IFRN, fui bolsista na Petrobras em 2011, e na UFRN também queria fazer pesquisa. Eu já tinha até escrito artigos, com 18 anos. Na universidade, conversei com meu professor de programação Rummenigge Dantas e disse que queria programar. Na época ele fazia jogos para reabilitação motora, fisioterapia e era vinculado ao professor Ricardo Valentim que é diretor do LAIS. Foi assim que conheci o professor Valentim, no meu primeiro semestre, minha primeira bolsa de pesquisa na UFRN e comecei a pesquisar, desenvolver projetos, me capacitar, aprender. Fizemos uma parceria com o Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), com pesquisadores de lá, para testar a tecnologia que a gente criou, uma luva que colocávamos na mão do paciente e ele abria e fechava e controlava um joguinho, tudo muito simples mas funcionava.

NC: Pensando na sua trajetória acadêmica, você se imaginava no MIT?

LC: Hoje eu digo que cheguei ao MIT por amar a pesquisa, amar aprender. Eu faltava aula para ir ao laboratório estudar. Uma coisa que eu amei fazer na UFRN foi explorar as matérias, fiz matérias no Departamento de Artes, fiz uma cadeira chamada Neurocinema, e achei que foi fundamental pra mim depois de Cálculo, porque é preciso uma formação técnica, é fundamental, mas não só. Se você tem uma formação técnica e quer trabalhar no ambiente de inovação, é muito pouco. A formação técnica é uma ferramenta, a sua visão de mundo é o seu grande diferencial, o alicerce de seu perfil profissional, que é sua visão do mundo e de como seria seu projeto.

Com a mãe Rita Saldanha. Foto: Acervo pessoal.

NC: Em 2014 você participou do Ciência Sem Fronteiras, como foi essa experiência de estudar em outro país?

LC: Fui para os EUA pela primeira vez, para uma universidade muito pequena e tradicional de Engenharia, dessas bem ‘quadradonas’, com 2 mil alunos, em Wisconsin, um estado bem conservador. Pensei que sofreria muito preconceito, mas me enganei. Gostei muito e pelo fato da universidade ser pequena eu tinha aulas bem próximo aos professores. Outra vantagem foi que eu tive liberdade de cursar qualquer matéria. Daí, ao invés de pegar as matérias básicas eu peguei as mais avançadas de Engenharia de Software, todas de final de curso.

NC: E essa estratégia funcionou?

LC: Aconteceu que meu índice de aproveitamento caiu e eu fiquei em probation, em recuperação, fui considerado um aluno ruim. Então, eu era um aluno brasileiro em probation nos EUA, mas aprendi muito da área, percebi que eu queria ser um engenheiro e queria voltar a fazer pesquisa. O Ciência Sem Fronteiras permitia você fazer os últimos três meses de pesquisa ou estágio, escolhi a pesquisa. Comecei a procurar universidades para fazer pesquisa nesse período. Decidi que iria para uma universidade grande que pesasse no meu currículo, e queria fazer algo que eu amasse. Comecei a mandar e-mails, não somente pedindo para estudar na instituição. Eu lia artigos, pesquisas sobre áreas que eu gostava e principalmente sobre a interação humano-máquina. Daí eu achei uma equipe de pesquisadores, um laboratório que trabalhava com isso. Pesquisei sobre essas pessoas, o que eles faziam, como eles pensavam, quem eram essas pessoas. E usava tudo isso nos e-mails.

NC: Que tipo de argumento você usava nesses e-mails para tentar convencer esses pesquisadores a te aceitar?

LC: Cada email que eu enviava era quase uma redação explicando os pontos em comum dos nossos trabalhos, porque o meu trabalho era importante para eles, porque o trabalho deles era relevante para a minha carreira, apresentava o que eu já tinha feito e ainda poderia fazer. Enviei vários e-mails, mais de 30, e como resposta recebi vários nãos, várias não respostas, dois convites do MIT e de um da Universidade de Purdue, em Indiana, que é muito boa na área, mas escolhi o MIT. Fui chamado pelo Media Lab, do MIT, passei três meses lá, fazendo pesquisa como voluntário, pois ainda estava no Ciência Sem Fronteiras. Acho que essa foi uma boa tática, como voluntário o laboratório corria menos risco, pois além de não estar gastando nada, se não gostassem de mim teriam só o trabalho de me mandar embora. Essa primeira vez eu fui pelo Ciência Sem Fronteiras, por isso me sentia na obrigação de voltar ao Brasil e retribuir o investimento que esse programa do Governo brasileiro teve comigo. Eu fiquei lá durante o verão de 2015, foi entre os meses de junho e agosto daquele ano. Foi bem cansativo, mas eu dei o meu melhor. Quando eu terminei falei que queria voltar para fazer meu doutorado.

NC: Qual é a proposta do Media Lab?

LC: O conceito principal do Media Lab reuni nove princípios, pelos quais nós vivemos. Nós não temos regras, nós temos princípios. Lá trabalhamos com a anti disciplinaridade, que é o que vem depois ou em paralelo à multidisciplinaridade. Na multidisciplinaridade você tem um médico e um engenheiro trabalhando juntos num projeto, trabalhando em conjunto. Anti disciplinaridade é praticamente a mesma coisa só sem os rótulos. Então, é o médico e o engenheiro trabalhando, só que se eu tiver que fazer o trabalho do médico eu faço, você vai aprender e fazer. Basicamente, são pessoas que tocam um projeto pra frente. Esse é uma forma de evitar desculpas do tipo “não faço tal projeto porque não encontrei um engenheiro”. Você é a pessoa que vai tocar o projeto, por isso faça. No Media Lab somos conhecidos como os “agoristas”, pessoas que fazem agora. Essa é nossa forma de pensar, então na hora da seleção os candidatos são encarados como pessoas que são criativas, empenhadas, focadas no que sabem, às vezes não muito focadas, mas que fazem. Você não manda seu currículo e sim um portfólio de projetos: fotos, vídeos do que você fez, das coisas que tiveram impacto na sua vida. E eu fui selecionado, estou lá há um ano fazendo meu mestrado, termino em agosto de 2018. Estou escrevendo minha tese agora.

Momento de descontração com os colegas do MIT. Foto: Acervo pessoal.

NC: Como foi sua volta ao Brasil depois do Ciência Sem Fronteiras?

LC: O professor Kent Larson, o principal do meu grupo de pesquisa no Media Lab, que atualmente é meu orientador, em todas as reuniões ele reclamava do meu trabalho, nunca me elogiou. Mas, na última reunião ele falou ‘quero que você fique, não volte para o Brasil, quero você trabalhando aqui com a gente’. Eu falei que ficaria não como pesquisador, mas como aluno de doutorado. Foi meio arrogante de minha parte, pois eu não era nem formado na Graduação, na época eu tinha 21 anos. Ele respondeu que não me pegaria como aluno, pois o Media Lab era um laboratório de inovação que se baseava na diversidade. Esse laboratório tinha uma baixa participação feminina e ele decidiu usar as duas vagas de bolsa para estimular a presença feminina. E quando falamos diversidade não é só de gênero, é de idade, de background. Ele escolheu duas pesquisadoras, uma da área de Neurociências e Economias Políticas e outra da área de Design e Arquitetura, ambas de Harvard. Em agosto de 2015 eu voltei para o Brasil, meio triste, mas eu sentia que ia voltar para o MIT. Lembro-me que arrumei minha bolsa como fazia sempre, fui para casa, depois peguei o voo e voltei para o Brasil. Voltei meio triste, porque era outro mundo outra realidade, os recursos, o aprendizado é diferente. Claro que tem pontos positivos no Brasil, mas eu tinha estado no MIT, a Meca da inovação.

NC: Quais foram seus planos ao chegar ao Brasil?

LC: Eu queria muito aplicar aqui tudo que eu tinha aprendido lá. Cheguei na UFRN dizendo que a gente tinha que ter um setor de Media no laboratório, mas ninguém entendia nada, eu ainda não estava no LAIS. Era muito difícil, a gente tentava, mas não tínhamos os recursos, a estrutura. Nós temos muitos professores engajados, mas falta estrutura para apoiar tudo. E eu ouvia muito a frase ‘isso não vai dar certo aqui, porque é Brasil’. Fiquei meio triste, mas sabia que precisava de alguma coisa de impacto, daí eu voltei para o LAIS. Não era muito a minha área, inovação hospitalar, mas era inovação que tem impacto na vida das pessoas, é um setor super sensível e qualquer ajuda que você dá para uma pessoa que está numa situação tão frágil já é um grande apoio. Não estou falando só de aplicações técnicas avançadas, mas coisas simples como melhorar um pouco o sono do paciente e isso já é um avanço absurdo.

NC: Como foi seu trabalho no LAIS?

LC: Em 2016, comecei a trabalhar no LAIS e lá tenho um registro de software com o professor Ricardo Valentim e outros pesquisadores, um software para o exame de laringoscopia. Nesse exame tem uma câmera que é tratada no software como webcam e durante o procedimento médico colocava para gravar. Do momento que o médico colocava pra gravar até ele preparar o paciente, a mesa, botar as luvas, pegar a câmera, chegar aonde ele queria ver e voltar, isso gerava um arquivo muito grande. E o software de vídeo era de webcam, super simples, mas o arquivo era gerado num formato muito estranho. O médico fazia o máximo possível com a tecnologia disponível. E depois de gravado o médico catalogava e armazenava o material em HD externo, vários HDs externos. E para achar um vídeo específico de um determinado paciente? A partir de um software que já existia no LAIS, nós começamos a trabalhar e fizemos um software gratuito que melhorou muito o trabalho do médico. Ele poderia gravar momentos específicos, o formato permitia salvar direto na nuvem, além de ser possível cadastrar do paciente o que facilitaria a busca dos exames. E com os dados catalogados todos on line o médico poderia fazer uma análise de imagem, por exemplo. E esse trabalho foi uma pequena coisa e isso já foi um avanço, causou um impacto, pois melhorou a qualidade do exame, a qualidade do laudamento. Depois desse aprendizado fui chamado pelo MIT e voltei para os EUA.

Foto: Acervo pessoal.

NC: Então você foi aprovado para o mestrado no MIT?

LC: Fui para os EUA em 6 de junho de 2016. O professor Kent Larson, do Media Lab, conseguiu uma verba extra e me escolheu. Mesmo quando ele disse que não iria me escolher eu me inscrevi no processo seletivo, uma seleção que inclui gente do mundo inteiro.

NC: E o que você está desenvolvendo nesse mestrado? Sobre o que é seu projeto?

LC: Infelizmente ainda não posso falar, gostaria muito, mas só posso adiantar que é bem esquisito. Lembro que eu tinha uma tese pronta, tinha 50% de meu projeto de mestrado pronto que tratava basicamente de como o ambiente alterava o comportamento das pessoas, e usei o laboratório onde estava como objeto do estudo. Tinham duas portas, uma acessava o elevador e a outra as escadas. E a ideia era ver o hábito das pessoas em relação ao uso das escadas e do elevador. Coloquei um conjunto de sensores, e nesse trabalho juntava parte de engenharia, de design. Depois fizemos a análise dos dados, tudo isso para entender como o estudo funcionava. Eu já estava com alguns dados, tinham empresas que se interessariam, tinha público, tinha certo impacto, mas faltava alguma coisa. E no Media Lab a gente fala que todo projeto tem que ter três coisas: impacto, ser único e ser mágico. Ser mágico é ser inspirador, não basta ter uma tecnologia avançada, ou super simples. E nesse projeto faltava isso. Eu tinha verba, o projeto estava meio pronto, faltava só alinhavar algumas coisas, sentar e escrever e ficar um ano tomando cerveja em Boston. Mas, eu parei e pensei: não é isso que eu quero pra minha vida, quero fazer algo que preste e voltar para o Brasil. Daí, eu propus uma parceria com o LAIS/UFRN, vamos aplicar um projeto juntos. E com isso mudei minha tese totalmente, da água para o vinho.

NC: E essa mudança de projeto teve consequências?

LC: Faltava um pouco de coragem para falar com meu orientador depois de todo o dinheiro gasto e investido em tudo o que fiz, agora eu queria fazer outra coisa. Falei com ele e esperei uma reação bruta, mas recebi um sorriso e as seguintes palavras: “era isso que eu esperava de você, não falei nada antes porque você estava muito empenhado, mas esse projeto não tinha a sua cara. E com esse projeto novo você se definiu”. Muitas vezes é uma coisa que está no fundo da sua mente, algo que você realmente ama, mas que você teme não será bem aceito.

NC: Você pretende voltar para o Brasil depois do mestrado? Quais são seus planos para o futuro?

LC: Eu conheço brasileiros que estão no Media Lab há 16 anos e fazem projetos incríveis para o Brasil. Eu me vejo no futuro também fazendo essa ponte, trazendo coisas para o Brasil, EUA, UFRN, MIT. Eu me vejo transitando, minha cidadania é mundo, estou aqui, estou lá. Acho que estou e estarei onde preciso estar.

Edna Ferreira

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