“Eu ainda me identifico muito com minha terra” Entrevistas

quarta-feira, 24 agosto 2016

Trabalhando há 40 anos em São Paulo, pesquisadora Vanderlan Bolzani ainda se reconhece como nordestina

Nesta segunda parte da entrevista, pesquisadora fala da pouca participação da mulher na Ciência, principalmente em cargos mais importantes e analisa a relação do conhecimento com a geração de bens no Brasil.

NC: Dizem que nordestino, quando vem para o sudeste, tem que ser duas vezes mais competente para ocupar espaços semelhantes aos do lugar. A senhora reconhece isso como verdadeiro?

VB: Não sei, eu particularmente não tenho motivos para concordar com a frase, mas acho que ela é real em algumas situações. Na minha carreira como um todo não tive problema. O componente ser nordestina e ser mulher se acirra quando se ascende na carreira. A Unesco, com apoio da L’Oreal, vai fazer uma campanha mundial  para estimular o interesse de mulheres e meninas por ciência, porque só 18% das mulheres no mundo são cientistas. No Brasil, os números se repetem. A Academia Brasileira de Ciências tem 13,5% de mulheres acadêmicas, mesmo o (ex-presidente Jacob) Palis fazendo uma campanha enorme. Quando a mulher ascende, ela encontra preconceito. Nas áreas das Ciências Exatas, elas são maioria como bolsistas de Iniciação Científica, de Mestrado, Doutorado, mas quando vai ascendendo na carreira, são minoria como professoras titulares, nos Conselhos da Fapesp ou nos Conselhos do CNPq.

NC: Então é mais difícil ser mulher do que ser nordestina na ciência?

VB: Eu acho que as duas coisas são difíceis. Eu posso dizer que tive um ambiente favorável, mas eu sempre fui muito obstinada no que eu quis fazer. Eu fui a primeira mulher a chegar à presidência Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e integrar o Conselho Deliberativo no CNPq na área das Ciências Exatas. Na SBQ, a prática era o vice-presidente ser escolhido pelo Conselho como próximo presidente. Quando foi no meu caso, eu me manifestei que gostaria de me candidatar à presidência e fui apoiada, mas fazia muito tempo que as eleições eram com candidato único e na minha vez teve outra candidatura do e eu ganhei por 29 votos. Atualmente sou membro do Conselho Científico da L’Oreal, em Paris, que é só para discutir ciência, formado por cinco mulheres e quatro homens.

Leia a primeira parte da entrevista. 

NC: na sua trajetória, o que lhe dá mais prazer: bancada ou sala de aula?

VB: É uma dureza de responder. Eu sempre achei que dar aula faz parte de pesquisa. Essas coisas andam muito juntas. Ensino de qualidade muito bom tem que ter uma pesquisa muito forte também. Eu gosto da sala de aula, mas atualmente não tenho muita paciência, por causa do nível dos alunos. Agora, eu estou superinteressada em fazer alguma coisa de divulgação da ciência, para ver se estimula as crianças para a ciência. Isso me atrai muito.

NC: Como a senhora analisa a relação entre conhecimento e mercado?

VB: Depois de minha passagem na Agência de Inovação a Unesp, eu entendo que conhecimento bom gera produto. Não precisa ser imediato, o próprio conhecimento já é inovação, é produto e é risco. Uma sociedade que consegue transformar conhecimento em bens, começa a se tornar forte e robusta. Nós fizemos um trabalho fascinante com soja, é uma coisa linda, poderia até ter trazido o Prêmio Nobel. Agora compare quanto custa a tonelada de soja, que o Brasil exporta, e quanto custa alguns miligramas de isoflavona de soja, que é uma substância fina que já foi manipulada, é a alta tecnologia.

NC: Estamos no rumo certo?

VB: Nós temos grupos nesse país de altíssima excelência, mas essa conexão com a inovação ainda está muito fragilizada. Cada dia mais eu me convenço que o país entrou num beco, com essa história de virar país de serviço, trazer tudo da China e da Índia, mesmo tendo uma ciência muito boa e isso pode ser muito ruim para o nosso país. Na Idade Medieval, o homem vivia 45 anos, hoje chegamos a 100 e isso é ciência, muita ciência transformada em inovação e bem estar social.

NC: Como a senhora afirmou, o Brasil exporta commodities e importa tecnologia. Qual é o caminho que vai ligar o conhecimento à transformação em riqueza no Brasil?

VB: Eu sou esperançosa. Eu acho que nós já avançamos muito. Aqui temos os dois lados. Tem uma parte na universidade que está olhando muito à frente, que percebe que faz ciência boa e que quer contribuir cada dia mais e ver como pode fazer ciência básica e ao mesmo tempo está junto tentando trabalhar com o setor empresarial, de modo a gerar algum bem, algum benefício, alguma coisa útil; ao mesmo tempo que temos empresários que são muito conservadores, que viveram a vida inteira com medo do risco. Tem muitos encargos, o custo Brasil é muito alto, eu consigo entender tudo isso, mas eu acho que cada dia você tem que ir avançando e essas barreiras se diluindo, primeiro porque para você sobreviver no mundo global, tem que ter muita ousadia. Nós temos muita coisa favorável, temos um território enorme, recursos naturais e um corpo de ciência bom, o que nós precisamos mais é investir em alta tecnologia e para isso é preciso o setor empresarial. Não vamos fazer tecnologia nem inovação na universidade e nem nos institutos de pesquisa, a nossa missão é gerar conhecimento e conhecimento bom pode trazer riqueza.

NC: Os pesquisadores – e se isso não é papel deles, de quem é – vão conseguir mostrar aos empresários que estes precisam fazer sua parte?

VB: Eu acho que já temos muita coisa sendo feita. O que eu acho também é que o país precisa ter uma diretriz de política de estado para a educação, que vem antes da ciência. Sem educação, nós não temos futuro. A educação está muito complicada não apenas porque é a educação pública, muitos professores ganham uma miséria, são despreparados ou não tem infraestrutura. Algumas escolas particulares, que se paga muito, quando se vai olhar o conteúdo delas, fica preocupada mesmo. Educação é um problema no mundo inteiro, mas nós precisamos estar muito atentos, todas as áreas do conhecimento tem que estar no mesmo nível e isso é uma questão do Estado. Muito mais urgente do que o lado acadêmico que se construiu ao longo desse tempo, e esse lado empresarial é o estado saber gerenciar esses dois universos de uma forma que se sabe que as linguagens são diferentes, mas tendo um interlocutor com certeza, isso vai gerar benefício a médio e longo prazo.

NC: Essa falta de Política de Estado é histórica?

VB: Se a gente olha para trás, nós não temos um programa de estado. Não é só privatizar tudo ou estatizar tudo. É preciso um estado que veja esse universo globalizado e que se coloque no meio dele para competir. Investir em educação, ciência, tecnologia e inovação. Isso é uma sequência e um país não pode ser soberano se ele não tiver esse eixo de excelência e de qualidade, vai estar sempre fragilizado. Nós somos assim com altos e baixos e isso também contribui para uma lentidão muito grande para aquilo que nós achamos que o Brasil é capaz. Mas eu acho que a ciência avançou muito, no nordeste inclusive. Temos grupos excelentes.

NC: O Brasil ocupa boa posição no mundo no que se refere à ciência?

VB: Sessenta por cento da produção científica nacional é do sudeste, mas para qualquer efeito de comparação, o Brasil não é sudeste e é preciso fazer a estatística da média desse país inteiro e quando se faz a média vai lá pra baixo porque a região norte, enorme é ainda muito desproporcional com relação à pesquisa, à concentração de doutores, aos grupos consolidados. Esse também é um grande problema do Brasil, um país enorme, de dimensão continental e muito regionalizado, com disparidades muito grandes. Num país tão desigual a ciência ainda tem muito a fazer.

NC: quando voltou para João Pessoa, ao final do Mestrado, a senhora já se percebeu paulista?

VB: Não. Eu adoro ir para minha casa, tenho muitos amigos, trabalho com muita gente lá; até hoje eu mantenho minhas características de nordestina. No período junino, eu ainda coloco bandeirinhas em casa, compro pamonha e chamo meu netinho para ele conhecer a história da festa junina. E quando eu estou muito brava, as pessoas perguntam de que lugar do nordeste eu sou e eu estou aqui há 40 anos. Eu acho que ainda tenho meus traços bem arraigados. A minha cultura, eu gosto da minha música, não gosto do sertanejo daqui. Eu ainda me identifico muito com minha terra.

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