Lia Barbosa, do PPG em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, analisa programa de intercâmbio de estudantes latino americanos e caribenhos no Brasil
A professora Lia Pinheiro Barbosa, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará, receberá cinco estudantes estrangeiros por meio do Programa Move La America, da Capes. Três virão na modalidade Doutorado-Sanduíche e dois na modalidade Mestrado-Sanduíche. No Nordeste, ela é a professora que receberá o maior número de alunos. No país, apenas três professores receberão mais estudantes: Fernando Rabossi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com 11 alunos; Waldir Ferreira de Abreu, com 9 alunos; e Mauro Antônio da Silva Ravagnani, da Universidade Estadual de Maringá, com 6 alunos.
Em entrevista ao Portal Nossa Ciência, a professora afirmou que o programa Move La America representa uma oportunidade fundamental para fortalecer a internacionalização dos programas de pós-graduação. No caso das Ciências Sociais, contribuirá para ampliar, aprofundar e consolidar os enfoques, as pesquisas e os diálogos relacionados à América Latina e ao Caribe. Vai permitir o debate das problemáticas contemporâneas e dos fundamentos epistemológicos no âmbito da Sociologia latino-americana e caribenha. Sobretudo, o programa possibilita o intercâmbio com as lutas sociais que ocorrem nesses países.
Atualmente, Lia Pinheiro Barbosa é representante do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) no Brasil. Eleita em 2022, ela integra o Comitê Diretivo do CLACSO para a região 5, que abrange Brasil, Bolívia e Peru.
Nossa Ciência: Qual é a sua avaliação do Programa Move La America? A UECE vai receber 21 alunos…
Lia Pinheiro Barbosa: De fato, nós estamos muito contentes por termos esses estudantes aprovados na seleção do Move La America, considerando, principalmente, a importância desse programa para o processo de intercâmbio e diálogo. Esse intercâmbio não beneficia apenas os estudantes que nos visitam de outros países da América Latina, mas, eu diria, principalmente os nossos próprios estudantes. No Brasil, ainda enfrentamos, dentro do próprio processo de construção da nossa identidade nacional e também no âmbito da produção do conhecimento em nossas universidades, um predomínio de referências, enfoques, leituras e abordagens epistemológicas muito voltadas para a produção do conhecimento no hemisfério Norte, especialmente nas universidades do Norte global.
Eu acredito que a primeira coisa que devemos celebrar é a própria iniciativa do Move La América, que tem como objetivo abrir as portas das nossas universidades para estudantes de outros países da América Latina e do Caribe. Dessa forma, tanto os nossos estudantes quanto outros colegas e professores têm a oportunidade de promover um diálogo epistemológico, cultural e político. Esses estudantes chegam de seus países trazendo um vasto conhecimento sobre suas próprias problemáticas nacionais, e esse contato aproxima ainda mais as realidades regionais. Esse intercâmbio é parte fundamental do processo formativo proporcionado pelo programa.
NC: A senhora vai receber cinco estudantes para coorientação. Em todo o País, somente três professores terão mais alunos do que a senhora e nenhum deles da Região Nordeste.
LPB: Em relação ao fato de que irei receber cinco estudantes, bem, eu não sabia que seria a professora a receber o maior número de estudantes (no Nordeste). Fiquei surpresa e, ao mesmo tempo, contente, pois isso representa um reconhecimento do nosso trabalho intelectual, da nossa produção de conhecimento e, também, do nosso Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará (PPGS-UECE), no Nordeste do Brasil. Acredito que esse fato é, na verdade, fruto de um processo que estamos trabalhando em nossa universidade: a internacionalização dos programas de pós-graduação.
NC: Poderia falar mais desse processo de internacionalização?
LPB: Particularmente no meu caso e no caso do PPGS, minha formação de doutorado foi realizada em uma universidade latino-americana, a Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Sou doutora em Estudos Latino-Americanos, tendo concluído meu doutorado em 2013, já como professora da UECE, onde estou lotada desde 2005. Após o doutorado, tomei a iniciativa de iniciar dois movimentos concretos. Um deles foi a criação do grupo de pesquisa, registrado no diretório do CNPq, denominado “Pensamento Social, Ontologias e Epistemologias do Conhecimento na América Latina e no Caribe”. Sou líder desse grupo, e entre as ações que desenvolvemos estão atividades de ensino, como a oferta da disciplina “Pensamento Social na América Latina” no Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Na graduação, há também a disciplina “Ciências Sociais na América Latina”, vinculada aos objetivos do grupo de pesquisa. Além disso, iniciamos um conjunto de articulações por meio de convênios de cooperação internacional com outras universidades da América Latina, estabelecendo uma importante rede de intercâmbio de pesquisa com pesquisadoras e pesquisadores dessas instituições.
NC: Com quais instituições já foram feitos convênios?
LPB: Um exemplo é o convênio com o Colegio de La Frontera Sur (EcoSur), que permitirá a vinda do estudante de doutorado Marcos Miranda. Temos um convênio de cooperação internacional com o EcoSul desde 2017, o qual tem nos possibilitado desenvolver pesquisas e disciplinas em rede, além de participação em coorientações e convênios de cotutela para acompanhar pesquisas desenvolvidas na instituição. Já tivemos intercâmbio de professores e estudantes entre o EcoSur e a UECE, promovendo atividades de pesquisa, ensino e extensão. Um exemplo é o projeto de extensão realizado no Ceará com a metodologia “de camponês a camponês” para a territorialização da agroecologia, uma articulação entre a UECE e o EcoSur. Sou coordenadora do projeto no Brasil, e lá tem a participação do professor Peter Rosset, uma referência importantíssima no campo da territorialização da agroecologia.
NC: Qual é a origem dos outros estudantes?
LPB: Receberemos um estudante do Chile, da Universidad de Playa Ancha, com a qual firmamos um convênio de cooperação internacional entre 2022 e 2023. Essa universidade tem nos proporcionado importantes interlocuções com pesquisadores do Departamento de Ciências Sociais. Já recebemos visitas do professor Pablo Saravia Ramos em duas ocasiões, e fui convidada a participar de uma jornada acadêmica na instituição, acompanhando processos de formação em bairros populares na cidade de Valparaíso, no Chile. Esse convênio tem possibilitado cooperação internacional, participação em bancas e intercâmbio acadêmico, permitindo que os estudantes tenham agora a oportunidade de realizar esse intercâmbio conosco. No caso da Argentina e da Colômbia, os estudantes vêm de universidades com as quais temos relações acadêmicas, embora ainda não tenhamos convênios formais. A UECE ainda não possui convênios com essas instituições, mas há uma trajetória de cooperação entre nossos programas de pós-graduação. No meu caso, já participei de eventos acadêmicos e ministrei aulas na Universidad Nacional de Luján e na Universidad Nacional de Cuyo, em Mendoza e Luján, na Argentina. Da Colômbia, o estudante virá da Universidad Pedagógica Nacional.
NC: Na sua opinião, como esses alunos vão se integrar ao Programa aqui?
LPB: Um aspecto relevante a considerar é que todos os estudantes que estão vindo para o intercâmbio estão vinculados a experiências educativas e pedagógicas com movimentos sociais populares em seus países, seja no campo, seja na cidade, nas periferias. Esse é um ponto que gostaria de destacar, pois esses diálogos são fundamentais para a construção do conhecimento. Os recebo como coorientadora, pois sou pesquisadora dos processos de defesa territorial realizados por movimentos camponeses e indígenas na América Latina. Ao mesmo tempo, busco ampliar o enfoque do papel formativo e educativo da educação na construção do sujeito político e de sua práxis dentro do contexto social e político latino-americano.
Os estudantes que virão trabalhar conosco não atuarão apenas comigo; temos um plano de atividades para que aproveitem ao máximo as atividades que irão desenvolver no Brasil. Eles terão a oportunidade de conhecer nossas pesquisas sobre o campo sociológico impulsionado pelos movimentos populares e acompanhar experiências concretas de movimentos sociais no campo, no Ceará, além de iniciativas educativas e pedagógicas em escolas do campo. Será um momento de intercâmbio de experiências de pesquisa e de pesquisa-ação, reafirmando a importância da centralidade das pesquisas na pós-graduação em estreito diálogo com os sujeitos que delas participam.
NC: No Brasil, em geral, não há uma percepção de identidade com a América Latina e Caribe…
LPB: Esse espaço tem sido fundamental para o diálogo com nossas universidades sobre a necessidade de fortalecer a internacionalização, o ensino, a pesquisa e a extensão com enfoque na região latino-americana e caribenha. Precisamos incorporar em nossos currículos outras leituras, outros referenciais e experiências, respeitando seus fundamentos epistemológicos e metodológicos. É essencial reconstruirmos, no Brasil, uma identidade latino-americana ainda pouco enraizada em nosso país e menos ainda em nossas universidades. Sem dúvida, o Programa Move La America será um instrumento importante para fortalecer esse enfoque latino-americano e caribenho dentro das nossas instituições de ensino.
Mônica Costa