Do Ceará para o mundo Entrevistas

sexta-feira, 27 outubro 2017
Hilma Helena Macedo de Vasconcelos

Professora da UFC, Hilma Vasconcelos é contemplada com bolsa internacional para mulheres na ciência

A física Hilma Helena Macedo de Vasconcelos é uma professora que se orgulha de ter ajudado a formar centenas de jovens alunos da Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisadora na área da Computação Quântica, a docente do Departamento de Engenharia de Teleinformática da UFC foi uma das 38 contempladas no programa Faculty for the Future, da Fundação Schlumberger, ligada à empresa homônima, maior prestadora de serviços de petróleo do mundo. Voltado para mulheres que atuam nas áreas STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics – Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática), o programa concede bolsas de pós-doutorado. Para o ano acadêmico 2017-2018, a fundação recebeu mais de 600 inscrições.

Em entrevista ao Nossa Ciência, Hilma Vasconcelos falou de sua pesquisa, da importância das mulheres na ciência e de como essa bolsa contribuirá para o estágio pós-doutoral que realiza nos EUA.

Nossa Ciência: Qual a importância de ter sido contemplada neste programa?

Hilma Vasconcelos: Ter sido contemplada com uma bolsa desse programa tem permitido que eu realize meu estágio pós-doutoral no National Institute of Standards and Technology (NIST), nos EUA, em parceria com a Universidade do Colorado em Boulder. A bolsa tem duração de 12 meses e o valor pode variar, de acordo com a previsão orçamentária de cada pesquisador. Para estágio pós-doutoral, o valor máximo é de 40 mil dólares.

NC: De que trata sua pesquisa?

HV: Meu trabalho tem previsão de um ano de duração e visa propor técnicas de análise de dados para tomografia de estados quânticos. Tomografia nuclear é bastante conhecida na sociedade por conta de sua aplicação em medicina. O paciente absorve e reemite radiação eletromagnética, e essa radiação é detectada. Imagens são reconstruídas a partir desses dados. Similarmente, temos também a tomografia de estados quânticos (TEQ), que é um procedimento experimental para caracterizar um estado quântico desconhecido. Nesse caso, em vez de um paciente, temos um sistema quântico, e a radiação eletromagnética é substituída por medições quânticas. TEQ é essencial no desenvolvimento de computadores quânticos.

NC: Qual a aplicação dessa pesquisa?

HV: As técnicas desenvolvidas durante o projeto serão utilizadas para analisar dados de experimentos realizados em colaboração com os grupos de computação quântica de íons aprisionados e de óptica quântica do NIST e da Universidade do Colorado em Boulder.

NC: Como essa bolsa vai contribuir com sua pesquisa?

HV: Estágios de pós-doutoramento permitem que qualquer pesquisador permaneça aprimorado, estabeleça relações e colaborações com outros pesquisadores e desenvolva um trabalho que possa impactar positivamente na sua atuação no ensino e pesquisa na sua instituição de origem. Essa bolsa contribuirá para a minha pesquisa porque me dará a chance de realizar esse estágio pós-doutoral. Até alguns anos atrás, quando no nosso país ainda se enxergava a universidade pública e a pesquisa como investimento e não como despesa a ser cortada, tínhamos uma boa oferta de bolsas para estágios de pós-doutoramento. Nos últimos dois anos, essa realidade mudou de forma lamentável e vemos hoje corte de bolsas de todos os tipos: mestrado, doutorado e de estágios de aprimoramento. Como não pude contar com uma bolsa das nossas agências de fomento, decidi tentar a bolsa da fundação Schlumberger.

NC: Mesmo com a projeção internacional de sua pesquisa, qual a importância de ser professora da UFC?

HV: Para mim é gratificante fazer parte do processo de formação de nossos alunos. Especialmente em uma universidade que tem iniciativas de ações afirmativas para melhorar as oportunidades para estudantes desfavorecidos. Nos sete anos como professora da UFC, vi alguns de nossos alunos saírem de uma realidade que incluiu a luta para se ter uma refeição decente na maioria dos dias e se tornarem engenheiros e cientistas. Esses jovens adultos mudaram em uma geração a realidade de suas famílias. Me sinto feliz em ter contribuído, um pouco que seja, com essa mudança na vida deles.

NC: Por ser uma pesquisadora atuando numa área de maioria masculina, como vê a iniciativa dessa bolsa voltada para mulheres que atuam nas áreas STEM?

HV: Destaco iniciativas que fomentem a capacitação de mulheres na Ciência, mas lamento a ainda baixa representatividade de mulheres na área de ciências exatas no País. Estudo recente feito pela Sociedade Brasileira de Física mostrou que as mulheres no Brasil são sub-representadas nos campos da ciência e tecnologia, e em particular na Física. Apenas 5% dos pesquisadores no topo da carreira são mulheres. O mesmo estudo mostra que as físicas que recebem bolsas do CNPq possuem melhor desempenho acadêmico do que os físicos que recebem a mesma bolsa. Nossos desafios variam de suposições sutis, ou não tão sutis, feitas pelos indivíduos em relação às dificuldades impostas e perpetuadas pelas instituições.

Esse cenário se repete nas Universidades, que devem ter como desafio o estímulo ao ingresso e permanência de universitárias nos cursos das áreas STEM. Quase 30% dos estudantes matriculados em cursos de Engenharia no Brasil são mulheres. Infelizmente, nem mesmo esta proporção de 1/3 está presente em muitos departamentos do CT. O departamento onde trabalho tem 25 professores, dos quais apenas quatro são mulheres, ou seja, 16% do total. Nossas estudantes devem se inspirar nos modelos de profissionais que temos na UFC e contar com todos os dispositivos institucionais na busca de respeito e tratamento digno.

NC: É possível pensar que um dia haverá igualdade de gêneros em STEM?

HV: É importante que uma estudante em STEM acredite em sua capacidade. Superar as dificuldades de estar em uma área predominantemente masculina nos torna pessoas mais resistentes e capazes de enfrentar desafios futuros. Podemos contribuir na redução da desigualdade de gênero em STEM sendo um modelo de profissional que inspire jovens mulheres a seguir carreira em uma dessas áreas. Os homens também podem e devem participar na busca da redução da desigualdade de gênero.

Edna Ferreira, com informações da Ascom/UFC

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