Arquitetos e urbanistas da UFRN temem que pressões econômicas e políticas de grandes grupos se sobreponham aos interesses da maioria da população
“Não estamos criando uma lei nova, mas apenas fazendo a revisão de uma lei que já existe.” Com essa afirmação a arquiteta e urbanista, Amíria Brasil, sinaliza sobre a compreensão do Fórum Direito à Cidade sobre o processo de revisão do Plano Diretor de Natal, iniciado em 2017 e atualmente interrompido por uma decisão liminar.
Definido pela constituição de 1988, o plano diretor é uma lei municipal que orienta a ação dos agentes públicos e privados para a ocupação e uso da cidade. Em entrevista ao Nossa Ciência, a professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte explicou que esse instrumento urbanístico define como a cidade deve funcionar, onde se pode construir mais e onde não se deve construir, onde é necessário maior proteção por ser área de fragilidade ambiental. “Ele deve garantir espaço para comunidades populares, que não tem condição de acessar por meio de pagamento. Tem que garantir que todos tenham direito à moradia, à infraestrutura”, defende.
Revisão obrigatória
A cada 10 anos, o município deve convocar a população para revisar o Plano Diretor vigente e caso não faça, o chefe ou a chefe do Executivo pode sofrer processo por improbidade administrativa. É obrigatório o início do processo, mas não a sua conclusão e foi o que ocorreu em Natal, de acordo com o arquiteto e urbanista, Saulo Cavalcante. Iniciada em 2017, a revisão do PD ficou meio engavetada e só foi retomada em 2019, quando foram realizadas oficinas temáticas e pré-conferências abertas aos diversos segmentos sociais.
Nesses encontros, foram discutidos aspectos como infraestrutura, equipamentos públicos, rede de saúde e de educação, lazer, áreas ambientais que devem ser protegidas, entre outros. Para Saulo, havia um interesse da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, órgão da prefeitura responsável pela gestão do PD, em finalizar o processo ainda em 2019, porém os prazos regimentais de convocação para as etapas e posterior divulgação das discussões acabou trazendo a revisão para 2020, ano da pandemia.
Interesses de poucos
Para os dois integrantes do Fórum Direito à Cidade, há uma aceleração descabida por parte da prefeitura em finalizar o processo antes das eleições municipais, que ocorrerão em novembro. Eles afirmam ainda que a minuta de projeto de lei elaborada pela prefeitura não reflete o que foi aprovado nas etapas anteriores. “Há vários pontos polêmicos. Vários direitos garantidos no Plano Diretor de 2007 não estão na minuta enviada para a conferência; muitas zonas de proteção foram reduzidas e algumas deixam de existir; e a altura dos prédios, atualmente em 90 metros, poderá chegar a até 140 metros, em algumas áreas da cidade. Isso tudo sem um estudo que embase as modificações”, garante Amíria.
Além da supressão das sugestões populares e dos técnicos, outra crítica aponta para o pouco interesse da prefeitura em facilitar a participação popular. O resultado, segundo Saulo, é que a grandes parcelas da população, em geral, as mais pobres, não foram dados os meios de participar do processo e elas são a maioria que não vai ter os seus interesses representados no documento final.
“A parcela que conseguiu se fazer representar, tem interesses muito nítidos, e tem uma relação patrimonialista com a construção do nosso estado, que são os grandes empreiteiros, os grandes empresários da construção civil, grandes escritórios de advocacia e grandes latifundiários… e que tem muito poder para definir os destinos da cidade”, denuncia.
Sobre o Fórum
O Fórum Direito à Cidade, do qual Amíria é vice coordenadora, foi criado para acompanhar e discutir as políticas territoriais atreladas à política urbana na cidade do Natal e na Região Metropolitana. É coordenador conjuntamente pelos departamentos de Arquitetura e Urbanismo e de Políticas Públicas, da UFRN e é formado por professores e alunos de graduação e de pós-graduação. Sua criação, como projeto de extensão, se deu para estabelecer um diálogo institucional e oficializado entre a universidade e a sociedade civil, para discussão da revisão do Plano Diretor de Natal.
As entrevistas podem ser vistas na íntegra aqui.
Para saber mais sobre a revisão do Plano Diretor de Natal, leia:
Para urbanista, modernização não é sinônimo de verticalização
Cidade tem que garantir um lugar para todos
Mônica Costa