“A gente quer sempre fazer mais”, confessa Sérgio Rezende Entrevistas

segunda-feira, 5 outubro 2015


Futebol, viagens, aulas e teses. Saiba mais sobre o ex-ministro na segunda parte da entrevista realizada em seu gabinete de trabalho, na UFPE.

Autor de 245 artigos científicos publicados, o professor Sérgio Rezende está longe de querer se aposentar. Ele afirma que tem uma rotina pesada de produção científica, mantendo contato com pesquisadores em diversas partes do mundo. Veja a continuação da entrevista com o professor Sergio Rezende, do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco.


Nossa Ciência – E nos momentos de folga o que gosta de fazer?

Sérgio Rezende – Ai é que eu faço física mesmo. Física é meu hobby (risos) Eu realmente trabalho em física boa parte do tempo mesmo fora da universidade.

NC – Lazer?

SR – Eu vou ao cinema, viajo bastante. Minha mulher é de João Pessoa. Todo mês nós vamos a João Pessoa e passamos o final de semana lá, com a família, bebendo, eu gosto muito de futebol, acompanho o futebol. Eu também gosto de ler. Cada vez mais eu gosto de ler livros sobre coisas mais antigas. Estou lendo agora um sobre disputas célebres entre cientistas que começam na época de Newton. livros de História de paises. Há pouco tempo, há menos um mês eu fui a uma conferência de magnetismo em Barcelona (Espanha), de lá fui para Vilna (Lituânia), encontrei com minha mulher e fomos para Riga (Letônia), Talim (Estônia), Helsinque (Finlândia) e São Petesburgo (Rússia). Esses países tem uma história riquíssima. Nessas viagens, em geral a gente lê pouca coisa, e volta de lá com vontade de ler mais e fomos à livraria outro dia e compramos mais dois livros. Vimos que precisamos ler mais sobre a história de Pedro, o grande e de Catarina. Eu gosto de ler rabiscando com o lápis, sublinhando, depois volto, guardo algumas frases. Eu estou sempre lendo.


NC: Papel ou digital?

SR: Atualmente em termos de física, eu não leio muito no papel é tudo no computador, mas livros de outras coisas eu leio é no papel.

NC – Qual é o seu time? (um quadro denunciava sua condição de botafoguense)

SR– Aqui (em Pernambuco) como eu não escolhi, esse negócio de escolha é quando voce é criança, então eu torço para os três. Eu acompanho  Sport, que está em quarto lugar na série A. Na série B tem o Náutico e o Santa Cruz que disputam com o Botafogo. Quando eles estão jogando eu tenho que torcer para o Botafogo, que ganhou do Náutico mas perdeu do Santa Cruz.

Quando eu era menino, jogava muito futebol. Eu ia ao campo do futebol que era mais ou menos perto da minha casa assistir treino durante a semana. Garrincha, Newton Santos, Didi, eu assisti treino desse pessoal e no final de semana ia assistir eles jogando na época que  Botafogo tinha um dos melhores times do Brasil. Eu fiquei doente pelo futebol. Depois veio Amarildo, quando o centro-avante não estava mais lá, depois veio Paulo Cesar. Até que na década de 70 acabaram com o time do Botafogo.

NC – Como é sua rotina?

SR – Esse semestre agora eu não vou ensinar, então eu já tenho muitas viagens. Desde que eu voltei dessa viagem grande, eu já viajei três vezes e vou viajar quinta feira de novo. Fui dar uma palestra em Campinas, fui dar uma palestra em Manaus, vou participar de uma reunião da Academia Brasileira de Ciências. Duas semanas depois eu vou dar uma palestra em São Luís, na Universidade Estadual de São Luís. Eu tenho dado muita palestra mais sobre física e sobre vários temas de física, sobre a minha linha de pesquisa, mas também sobre outros temas dependendo do público.


Eu viajo dois dias por semana. Nos outros três dias eu venho aqui de manhã. Eu tenho dois estudantes de doutorado e um pós doutorado. Passo no laboratório e venho pra cá (sua sala). Aqui eu vejo correio eletrônico, faço contas. Eu interajo muito com um professor cubano que foi nosso aluno e que está no Chile. Atualmente eu faço contas no computador, mas até há dois, três anos eu fazia conta com o lápis, depois tinha que digitar ou escanear as equações para mandar pra ele, mas quando escaneava não ficava bom. Então fui me acostumando.

NC – Que Programa usa?

SR – Word. As equações eu faço no word. A conta eu faço formalmente, mas a reprodução dela é que é no computador.

NC – No último semestre o senhor deu aula para graduação Como se deu seu diálogo com os alunos?

SR – Eu sempre gostei de dar aulas para os primeiros semestres de física, sempre! A maior parte das disciplinas que eu dei na minha carreira foi de física I, II III e IV. Eu sou um bom didata e gosto de me comunicar com os alunos. Então isso a gente não desaprende, é como andar de bicicleta. Não tem dificuldade.

NC – O senhor tem 36 orientações de teses e dissertações, mais de 240 artigos publicados. A missão está cumprida?

SR – A gente nunca está satisfeito com o que fez, quer sempre fazer mais. A lista já está em 245. Acabei de receber o último artigo que foi publicado. E de onde vem a inspiração? A inspiração, no nosso caso, vem do laboratório. Nós temos aqui um laboratório para preparar materiais na escala nanométrica e à medida que essa área da spintrônica vai evoluindo, a gente vai tendo ideias. E se nós agora pusermos tal material junto com esse? Então a gente diz ao aluno, o aluno faz medida e quando tem um resultado que não tem uma explicação, vem o desafio. Nós precisamos explicar. Discutimos, fazemos contas e uma vez tendo o resultado e tendo a explicação é mais um paper, e escrito o paper, o que a gente quer ver é o reconhecimento dele. Então a gente fica acompanhando as pessoas que o citam. É uma busca permanente por fazer alguma coisinha diferente e ver o resultado difundido.

NC – Um motivo de orgulho?

SR– (repetiu a pergunta e teve uma grande pausa para a resposta) Eu sou orgulhoso da minha vida. Eu tenho uma vida muito feliz. Minha mãe faleceu há dois anos, com 101 anos. Meu pai faleceu com 92 e nós tinhamos uma família ótima, nunca teve uma briguinha na família, Eu sempre encarei a vida com otimismo, com alegria e isso eu levo para os lugares onde eu trabalho. Eu sou muito agradecido pela vida que tenho.

NC – Acredita em Deus?

SR – Não sei. A minha família era muito católica e eu fui católico, eu fui coroinha, mas hoje eu não sou católico, eu não pratico o catolicismo. Eu não tenho certeza se acredito em Deus.

NC – Como o senhor avalia o cenário da ciência e tecnologia no nordeste, tanto no que se refere à produção quanto ao que é investido, se o investido gera retorno?

SR – A ciência no Brasil é muito nova. A ciência em qualquer país (onde) é desenvolvida há muito tempo na universidade, ela é desenvolvida com grande participação dos estudantes de pós graduação. O Brasil criou os programas de pós graduação no final dos anos de 1960, portanto há muito pouco tempo e é natural que os primeiros tenham sido criados no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais. A ciência no nordeste custou a se desenvolver e ela era muito concentrada e ainda é, principalmente, em São Paulo, mas o CNPq acabou de publicar o seu levantamento do Diretório Nacional de Pesquisa que mostra que houve um aumento significativo da participação do nordeste. A participação do nordeste tem crescido e naturalmente com o tempo ela vai melhorando em qualidade, por que a qualidade não vem de repente, ela vem gradualmente, ela vem se desenvolvendo mas esse é um processo que toma tempo, que exige gerações, ela vem melhorando e ganhando dimensão mas ainda falta um bocado.

NC – E o Brasil? Quanto tempo falta ou o que falta para termos uma melhor participação na ciência do mundo?

SR – O Brasil por ter demorado a começar, tem uma ciência que ainda é jovem e ainda é insuficiente em termos numéricos sobre a ciência e sobre os cientistas. Os países desenvolvidos tem mais ou menos dois cientistas em cada grupo de mil habitantes. No Brasil é um cientista em cada grupo de mil habitantes. Mas o nosso grande calcanhar de Aquiles é exatamente a inovação. Mas a inovação em qualquer lugar do mundo se faz nas empresas e esse é o nosso grande problema. Nossas empresas não estão dispostas a correr riscos. Há uma questão histórica envolvida, há até 20 anos elas lutavam contra uma inflação desenfreada, então veio o Plano Real e aquelas empresas que sobrevieram começaram  a fazer planejamento, mas inicialmente somente implantar sistema de qualidade de gestão. Pouquíssimas desde o começo começaram a falar em inovação. A primeira Conferência Nacional de Inovação na Indústria, feita pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) ocorreu em 2005, há 10 anos, ou seja é muito pouco tempo. Se a ciência nas universidades ainda está aquém do que deveria ser, nas empresas a inovação é muito aquém. De vez em quando ouço alguém dizer que o cientista brasileiro não liga pra empresa, é descompromissado. Isto é um grande engano sobre o papel dele. Em qualquer lugar do mundo o cientista faz ciência por que ele gosta da ciência e esse é o papel dele, avançar a ciência. Se as empresas não vem à universidade buscar solução para seus problemas, o problema não é do pesquisador. Esse negócio de dizer que a gente tem que fazer pesquisa e botar o produto na prateleira para mostrar para as empresas é uma besteira muito grande. As empresas tem os seus problemas de inovação, elas tem os seus produtos e elas, em qualquer lugar do mundo, vão buscar soluções nas universidades. Aqui elas não vem, então a culpa não é dos acadêmicos, o problema é das empresas. É um problema cultural. Isso só vai se resolver com a mudança de cultura. Cada vez mais nós temos mais empresas que se tornam inovadoras, empresas novas que são formadas por pesquisadores e que eventualmente vão crescer. Só vai mudar quando tivermos uma nova geração de empresários empreendedores. Os empresários tradicionais não vão ser empreendedores nunca. Eles, se puderem ganhar dinheiro fácil, se possível pagando pra receber obra, vão fazer. Eles sempre fizeram isso. Molharam a mão de quem podia decidir para receber encomenda e obra e tudo o mais. Agora as coisas estão aparecendo e muita acha que isso é novidade, que está acontecendo agora por causa do PT, mas isso sempre aconteceu.

Para ler a primeira parte dessa entrevista, acesse aqui.

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