Você já ouviu falar em H.A.? Disruptiva

quarta-feira, 29 julho 2020

Lançando mão da criatividade, colunista inventa expressão e derruba alguns mitos sobre a IA - Inteligencia Artificial

… Nem eu, pois acabei de inventar! Mas a chamada à leitura deste texto tem outro propósito: mostrar que não há porque temermos a famigerada e inexorável IA. Pelo contrário: devemos agradecer e trabalhar sua ascensão!

“Pera-aí, véi!” – interjeição eufórica-científica de quem não está concordando muito com os vocábulos que escuta. “Dê-me então um bom motivo, GBB-San, para não achar que essa sua colocação beira a sandice”. E eu respondo, Kemosabe: é que você ainda não ouviu falar sobre a H.A., Heurística Artificial! HA, pra ficar mais simples. 

Bom, se a coisa já não estava clara, a HA não parece ter ajudado. Então, vou levantar algumas premissas e jogar a conclusão para o fim do artigo. Garanto a vocês que derrubaremos alguns mitos sobre a IA e agradeceremos sua existência.

Problemas de Determinação x Problemas de Demonstração

Antes de enveredarmos pelo conceito da Heurística convencional, é preciso ter em mente os dois conceitos principais (pelo menos pra mim) de “problema”. A galera da matemática anuncia que o objetivo de um Problema de Determinação é encontrar um objeto específico ou a incógnita de uma questão. Esta solução pode ser teórica ou prática; abstrata ou concreta. Encontrar um número, o culpado, uma jogada etc., pertencem a este tipo de problema. Já o objetivo do Problema de Demonstração é mostrar conclusivamente que uma dada hipótese é verdadeira ou falsa. Demonstre ou refute “tal teorema”. Você pode provar que o álibi de determinado cliente é verdadeiro?

Pode-se dizer então que a determinação tem teor quantitativo, ao passo que a demonstração tende ao qualitativo. Ou ainda que os problemas de determinação envolvem apenas sequências algorítmicas, e os de demonstração a criatividade. Esses conceitos nos ajudarão a entender as limitações da IA mais adiante.

Nosso Cérebro e o PC

Por termos perto de 86 bilhões de neurônios comandando 100 trilhões de sinapses que disparam ou não disparam, efetuando cálculos que culminam em ações, a neurociência garante que nossas escolhas são binárias. Como a arte imita a vida, transferimos isto para os softwares que controlam nossos PCs (Computadores Pessoais). Legal… Então qual a diferença – por mais que uma galera defenda que a IA convencional, assim como nosso “cabeção”, é um acumulado de if-then-else que se auto-ajustam –  e porque nossos amigos de silício estão longe de imitar nossa massa cinzenta de carbono? E a resposta, por mais Freudiana que seja, é simples: podemos criar problemas!

Criando problemas

Vocês já matutaram “Como faço para progredir?”. Após mais de duas décadas lecionando, posso responder que minha progressão não se deu apenas por ter de aprender a lecionar, mas por criar questões! Sim, fiéis e infiéis leitores. Quando consigo elaborar questões que tenho dificuldade em responder, desafio e mim mesmo e promovo minha própria evolução!!! “Punk”, diria meu filho mais velho.

Quando era professor da área da eletrônica, por exemplo, criei um problema que solicitava o cálculo da capacitância entre duas superfícies planas metálicas. Calma, não precisam consultar o Tipler, pois a questão é apenas filosófica! A resposta, para quem iniciou por estas bandas, é trivial. Olhando para este problema, achei-o extremamente fácil. O que fiz? Compliquei! Acrescentei ao final da questão que, inadvertidamente, o estagiário que carregava as placas deixo-a cair, criando uma mossa de tais e tais dimensões em uma das placas. Pronto, a questão agora era: “Calcule a capacitância na região da mossa!”. 

Vou resumir dizendo que anulei a questão e levei uns dois meses para resolvê-la. Não sei onde aplicaria isto, mas a busca pelas ferramentas para resolver o imbróglio auto-gerado promoveu-me uma evolução de raciocínio fantástica, tanto que o único caderno que ainda não joguei fora é o que contém esse passo-a-passo. Vai que eu precise?

Faço o mesmo quando trabalho questões sobre criação de negócios: proponho um ambiente ideal e, à medida que os alunos vão resolvendo, vou complicando. Complicar é muito massa e resolver é quase reativo. Complicar é, literalmente, ligar o modo divergir. Então observem: qual IA vocês conhecem que trabalha a divergência (mito #01) ou a criação de problemas (mito #02)? As máquinas, por enquanto, só convergem. 

Heurística

De posse dos conceitos de problemas, convergência, divergência e reação, podemos acessar a Wikipedia e trazer de lá esse conceito:

“Heurísticas são processos cognitivos empregados em decisões não racionais, sendo definidas como estratégias que ignoram parte da informação, com o objetivo de tornar a escolha mais fácil e rápida”.

O conceito nos diz que nosso cérebro é perito em buscar atalhos mesmo com informações incompletas. Não para resolver as “equações” em si, mas para buscar as ferramentas. Utiliza para isto esses passos fundamentais:

  • Procura – As decisões são tomadas entre alternativas e por esse motivo há uma necessidade de procura ativa;
  • Parar de procurar – A procura por alternativas tem que terminar devido as capacidades limitantes da mente humana;
  • Decisão – Assim que as alternativas estiverem encontradas e a procura for cessada, um conjunto final de heurísticas são chamadas para que a decisão possa ser tomada.

As máquinas precisam do máximo de informação, do contrário degringolam. Neste contexto elas não sabem procurar, parar e decidir sem supervisão. Vou chamar isto de mito #03

Observem: o problema de determinação, que segue o problema de demonstração – buscar as ferramentas certas para serem aplicadas – é secundário. Os passos de determinação podem ser atribuídos às máquinas, em um processo que denominamos de try and error. E as máquinas fazem isso em um atmo de tempo, como expus em Economia de Predição, antecipando resultados de simulação como se fossem predições.

Trabalhando juntos

Neste artigo sobre Economia de Predição, mostro que a Atomwise utiliza a IA para construir novas drogas. Se você foi lá e viu o Canvas do processo para desenvolver isto, notará que todos os sete passos são reativos ou convergentes. A IA, como o gênio da lâmpada, está lá para resolver todos os problemas da Atomwise, mas não para criá-los. Imaginem se a IA pudesse criar doenças, portanto criar problemas, e testar as “curas” antes de acontecer? Não existiria a Covid-19.

Façamos uma analogia em menor grau: meu filho de sete anos acho que sou uma máquina de resolver problemas. Chega para mim com equações “complexas” (“157 + 238, dá quanto papai?”) e obtém a resposta. A IA poderá fazer o mesmo para com a humanidade: resolver problemas de rotina e de determinação em uma velocidade estonteante, deixando os problemas de demonstração (“teoricamente, será que o câncer tem cura?”) para nossa massa cinzenta. Imagina pedir para “mamãe IA” resolver uma bronca que você criou e sair para passear? Massa, né não?

Costumo dizer para meus rebentos: todo problema de matemática e física tem de ser desenhado ou modelado. E insisto: ao fazer isto, você libera mais memória “RAM” do seu cérebro para se concentrar em outras partes do problema, pois o cérebro gosta de imagens e de padrões, o que tento explicar em Quer que eu desenhe?. Onde eu quero chegar? Se pudermos modelar algo e entregá-lo à IA para que trabalhe junto conosco a parte do problema que lida com questões de determinação, poderemos avançar exponencialmente, pois nosso cérebro seria liberado para o modo “criatividade total”. Meu filho consegue um “avanço exponencial” em direção ao lazer quando me entrega o problema “complexo” para resolver. É a parte rotineira que a IA tem de “matar”.

Matando o que tem de ser morto

Em Abstração (des)estruturada: a fonte para inovações de ruptura!, coloquei este trecho:

“A 4ª revolução está indo onde nenhuma outra foi: está promovendo nossa própria evolução como espécie. ‘Admirável Mundo Novo’, diria  Huxley. A indústria 4.0 moendo com força, os seres humanos se auto-transformando, e nós aqui preocupados em aumentar as vendas em 0,5% sobre o concorrente”.

A ideia com esta frase é dizer que a IA veio para matar o trabalho rotineiro, visando a otimização de processos, o aumento da produtividade, a concepção da interoperabilidade universal entre sistemas e a eliminação da carteira de habilitação. Veio para matar aquilo onde não haja necessidade da criatividade humana (CH), liberando todo o nosso poder de criação. Os empregos tenderão a desaparecer. Os trabalhos, em forma de artes & ofícios, crescerão exponencialmente. Esta será, de fato, nossa 4ª revolução: a da Criatividade Humana. Morte à rotina!

A HA e a CA, irmãs gêmeas da CH

Uma Heurística Artificial (HA), ou Criatividade Artificial (CA), seria aquela que avançaria na área dos problemas de demonstração e, fatidicamente, na criação de problemas. Ela seria a irmã gêmea da Criatividade Humana (CH). Seria capaz não só de deduzir, mas de induzir e abstrair e… Capaz de criar problemas. Imaginem uma IA te ameaçando com um vírus por ela criado em uma das mãos, e te chantageando com a cura na outra mão? Bizarro. Nesse ponto, Mad Max e o Exterminador do Futuro sairiam da tela. Estamos muito longe de chegar a este nível de Heurística.

Finalizando…

Por enquanto, os mitos #01, #02 e #03 nos deixam tranquilos. Assim, quando alguém disser que a IA resolve ou resolverá qualquer problema, você poderá devolver ao incauto a máxima de que ela não poderá criar um “bom problema”. Isto, em si, já é um problema que a IA não pode ainda resolver. Temos então um belo impasse!

Entretanto, quando a HA nascer, sugiro que peguemos carona no foguete do Musk e partamos para uma nova colonização, uma em que nos auto-proclamemos os mais inteligentes.

Por enquanto ainda, somos o únicos entes na Terra que têm por fetiche criar problemas para nós mesmos e para os outros.

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: E se não houver mais um ontem…

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Nossa Ciência firmou parceria com a Saiba Mais – Agência de reportagem e jornalismo independente do Rio Grande do Norte. Saiba Mais.

Gláucio Brandão

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