É imperioso que aprendamos a mecânica do movimento atual, o que vai exigir muito de epidemiologistas e economistas
Claro que a pergunta do título é retórica e a resposta óbvia: de nenhuma das duas formas!
A solução para este grande imbróglio universal só sairá se (eu escrevi se e não quando) acionarmos a inteligência coletiva que nos falta, a qual está sendo testada agora com choro e vela. Preferiria outras condições mas, como gosta de dizer minha progenitora, “A humanidade só cresce no amor ou na dor”. Desta vez, nossa evolução utilizará da segunda via.
Nunca se produzira tantos artigos acadêmicos sobre um mesmo tema em tão pouco tempo (a busca por COVID-19, às 17 horas do dia 24.03.2020, no Google Acadêmico retorna 4.460 resultados só para 2020), afora mais outras centenas de artigos baseados em dados científicos, estes não-acadêmicos. Optei por avaliar os que se mostraram mais impactantes para mim e que chegaram pela rede mundial amorfa, o Whatsapp. Destes, escolhi os que apresentavam pontos antagônicos entre si, já que, para mim, são os que melhor oferecem caminhos para a inovação, pois sempre recorro à TRIZ, Teoria para Resolução de Problemas Inventivos para solucioná-los.
Vamos ver se eu consigo enxergar uma possível rota sensata e mostrá-la a vocês. Claro que não sairá muito do que toda esta gente boa escreveu, mas é uma forma de eu dizer ao leitor: entendi algo e estou certo que a solução sairá da mistura das forças.
Propostas antagônicas
No artigo Why outbreaks like coronavirus spread exponentially, and how to “flatten the curve”, porquê surtos como o coronavírus se espalham exponencialmente e como “achatar a curva” (tradução livre), o autor Harry Stevens, repórter gráfico – profissão que eu nem conhecia -, mostra excelentes simulações sobre a estratégia de isolamento social, indo de zero isolamento (A), em que todos agem como se a ordem fosse “aglomerem-se”, como ando vendo por aí em vídeos no RN mundo afora, ao isolamento intensivo, no qual apenas uma em cada oito pessoas pode se movimentar (B).
Para a simulação de 200 “bolinhas”, a proposta A nos dá o colapso do sistema de saúde (SS) em 40% do tempo de simulação, considerando que todo o sistema estivesse com seus leitos disponíveis. Como a onda “contaminação – cura” dura perto de 3 meses, levaria-se 36 dias para o colapso total do SS, nesta região de simulação utópica com leitos hospitalares 100% disponíveis. Claro que todos estariam doentes ao final deste tempo, com uma ou outra exceção. Em uma das simulações de isolamento total dos enfermos com liberação em um dado período de tempo (aprox. um oitavo do tempo de simulação, ou perto de 12 dias), retarda-se o colapso para o quarto final do tempo, ou seja: o colapso chegaria em 68 dias após o início do surto. Para o caso B, intensivo, não haveria colapso do SS e, ao final da onda, teríamos 158 bolinhas não infectadas, 28 recuperadas e 14 doentes.
Fim da análise #1.
2. Parando as Empresas
Para este quadro, extraio recortes da fala do analista Geraldo Samor no artigo O custo econômico do shutdown global (e a busca por alternativas):
“A economia global mergulhou numa queda livre que ninguém sabe onde ou quando termina. As principais vítimas serão as pequenas empresas familiares, que têm pouco acesso a crédito e capital de giro. O restaurante do bairro e a padaria da esquina podem nunca mais reabrir, mas as grandes empresas — quando a tempestade passar – voltarão ainda mais ricas e dominantes”. E continua “Só esta semana, 2,25 milhões de americanos perderam o emprego nos EUA – o maior número desde que começaram a coletar os dados”.
“(…) Infelizmente, o custo desse ‘shutdown’ global será medido não apenas em dinheiro, mas também em efeitos colaterais como desorganização econômica, desespero e violência urbana. Milhões de brasileiros – a tia do pastel, o cara do cachorro quente, o motorista de Uber e a faxineira diarista – dependem da circulação de pessoas e da existência de um mercado, isto é, oferta e demanda.
(…) Explicaram que, se não desacelerarmos o contágio, os sistemas de saúde ficarão sobrecarregados e as pessoas morrerão – como está acontecendo na Itália – por falta de leitos, respiradores e médicos. Isso tudo é verdade – e não se trata de contestá-la.
(…) Ninguém nunca tentou, voluntariamente e de uma hora para outra, paralisar 80% da economia global – e ninguém nunca tentou religar o sistema depois de paralisá-lo.
Fim da análise #2.
3. Proposta Cirúrgica
No artigo Coronavírus: Médicos defendem ‘abordagem cirúrgica’ em vez de lockdown indefinido, Thomas Friedman, um dos colunistas mais influentes do mundo (aquele do Mundo Plano), ouviu três médicos e escreveu o artigo mais contundente até agora sobre o risco do lockdown global (travada geral na economia) se estender por muito tempo.
Friedman mostra a fala do Dr. Katz, que diz “há três objetivos neste momento: salvar tantas vidas quanto possível, garantindo que o sistema de saúde não entre em colapso, “mas também garantir que no processo de atingir os dois primeiros objetivos não destruamos nossa economia e, como resultado disso, ainda mais vidas.”
Katz sugere que o isolamento atual dure duas semanas, em vez de um período indefinido. Para os infectados, os sintomas aparecerão nesse período. “Aqueles que tiverem uma infecção sintomática devem se auto-isolar em seguida, com ou sem testes, que é exatamente o que fazemos com a gripe. Quem não estiver sintomático e fizer parte da população de baixo risco deveria voltar ao…trabalho ou a escola depois daquelas duas semanas.”
Fim da análise #3.
Finalizando
Todas as abordagens são excelentes e corajosas, pois os autores se expõem para levar “pancada”. Embora embasadas em seus conhecimentos adquiridos e reforçadas pelos respectivos vieses, precisamos juntar as inteligências e criar uma única. A quarentena é necessária, isso é indiscutível, assim como a economia, mas tem de ser administrada sob os fatores de tempo e frequência. Juntando todas estas abordagens (devem haver muitas outras), pois temos que partir de algum ponto, é imperioso que aprendamos a mecânica do movimento atual, o que vai exigir muito de epidemiologistas e economistas mais do que quaisquer outros profissionais, e modelar tudo como um grande processo da produção, que utiliza o protocolo Tambor-Pulmão-Corda (TPC): prender – mergulhar – subir – respirar.
Um mergulho em apneia de 3 ou 4 meses vai gerar mais mortes do que o próprio COVID-19. Desempregos, violência, assassinatos, depressão, suicídios, doenças oportunistas, fome etc., vão fazer Mad Max parecer Lagoa Azul, e ainda nos obrigará a viver em bolhas, um protótipo de Matrix. O treinamento já começou.
Referências
Artigo Why outbreaks like coronavirus spread exponentially, and how to “flatten the curve”
Artigo O custo econômico do shutdown global (e a busca por alternativas)
Artigo Coronavírus: Médicos defendem ‘abordagem cirúrgica’ em vez de lockdown indefinido
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Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Gláucio Brandão
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