Carl Sagan aborda de maneira tão inteligente, reflexiva e imaginativa a imensidão cósmica do universo que é difícil não imaginá-lo abrigando vida, mesmo que diferente das formas que a conhecemos
Ao falar de compostos orgânicos é inevitável não associá-los aos organismos vivos, haja vista que estes são formados por aqueles. Essa associação, inclusive, é uma das responsáveis pela lógica molecular da vida, na qual macromoléculas como DNA, RNA, proteínas, lipídeos e carboidratos – todos formados por unidades menores e mais simples – organizam-se e interagem entre si, segundo as leis da química e da física, formando os sistemas vivos.
Desde que se associou o papel do DNA à hereditariedade, essa macromolécula ganhou destaque como composto orgânico imprescindível ao surgimento da vida, embora hoje, o RNA sobrepuje esse status quanto ao pioneirismo. Independente da origem e da fonte, a natureza orgânica dessas moléculas é responsável, mesmo que de maneira não exclusiva, pela existência da vida. O exemplo disso foi o trabalho pioneiro liderado pelo ilustre cientista Craig J. Venter e publicado na Science em 2010. Nesse, os pesquisadores anunciaram o desenvolvimento de uma tecnologia na qual uma célula bacteriana (Mycoplasma capricolum) fora controlada por um genoma sintético (Mycoplasma mycoides), fabricado em um sintetizador químico, com base em informações depositadas em um computador.
Apesar do sequenciamento dos genomas dos mais diversos organismos, o que inclui a espécie H. sapiens; do conhecimento do papel dessas e de outras macromoléculas na replicação da informação genética – condição tão imprescindível à vida – e dos avanços na tecnologia acerca da “vida sintética”, uma pergunta trivial e ainda sem resposta é: existe vida fora da Terra, ou pelo menos indícios? Uma boa estratégia para tentar responder a essas duas perguntas seria fazendo outra que é o seguinte: as unidades orgânicas menores e mais simples, formadoras dos monômeros, os quais são, por sua vez, precursores das macromoléculas são e/ou já foram, ao menos, encontradas no espaço?
A resposta ao primeiro questionamento é um tanto óbvia para quem leu os livros Cosmos, e/ou Bilhões e Bilhões, do grande astrônomo Carl Sagan. Em ambos, Sagan aborda de maneira tão inteligente, reflexiva e imaginativa a imensidão cósmica do universo que é difícil não imaginá-lo abrigando vida, mesmo que diferente das formas que a conhecemos. Na verdade, seria muita presunção nossa. Talvez, a mesma que fez com que alguns pensassem (segundo relatos da literatura da história da ciência) que, no final do século XIX e início do XX, a área da física não teria mais grandes avanços, uma vez que estes já haviam sido realizados. Mas, felizmente, a relatividade (restrita e geral), a teoria quântica, o Big Bang, a matéria escura, a energia escura, a teoria das cordas, o mundo cada vez mais subatômico e a convergência cósmica mostraram que, para os que um dia pensaram assim, o erro foi no mínimo astronômico.
Já para quem não leu esses livros e também não acha óbvia a resposta para o primeiro questionamento, pode tentar uma resposta respondendo inicialmente ao segundo questionamento para, então, retornar ao primeiro. E essa resposta pode ser obtida a partir de outro livro desse autor, “Variedades da experiência científica – Uma visão pessoal da busca por Deus”. No capítulo 3, Carl reforça a ideia segundo a qual “[…] praticamente todas as moléculas orgânicas que vemos em nosso cotidiano têm origem biológica. Mas se quisermos saber alguma coisa sobre a química orgânica na Terra antes da origem da vida, uma boa ideia é dar uma olhada em outro lugar que não aqui. A ideia da matéria orgânica extraterrestre é importante não só por esse motivo, mas também porque ela nos diz algo relevante, no mínimo sobre a probabilidade de existência de vida extraterrestre. Se não houver nenhum sinal de moléculas orgânicas em outros lugares, ou se elas forem extremamente raras, isso poderá levar à conclusão de que a vida fora daqui é extremamente rara. Se vocês virem o universo transbordando de matéria orgânica, pelo menos esse pré-requisito para a vida extraterrestre estará preenchido. Então essa é uma questão importante […]”.
Semana passada, um artigo publicado na revista Science revelou a descoberta no meio interestelar da benzonitrila (c-C6H5CN), uma molécula aromática simples e contendo nitrogênio. E a despeito das implicações espectroscópicas dessa descoberta, uma consideração muito pertinente a respeito desse estudo é quanto à possibilidade da benzonitrila ser uma das precursoras da formação de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, uma classe de moléculas amplamente aceita como comum no meio interestelar. Assim, a presença dessa molécula orgânica associada com inúmeras outras, já reveladas no espaço (HCN, CH3CN, C2, C3, NH2 e CN), é certamente um SIM ao segundo questionamento.
Talvez, alguns até fiquem indignados, assustados ou quem sabe perplexos com a plausibilidade acerca da existência de vida fora do planeta em que habitamos. Entretanto, ao se considerar as dimensões inimagináveis, as escalas de tempo surreais e a natureza orgânica do Universo, seria, no mínimo, contraditório não considerar seriamente essa possibilidade. Enquanto essas questões reflexivas e até filosóficas acerca do universo permanecem, porque não usar os mesmos sentimentos de indignação, perplexidade e de contradição para pensar a respeito do que está acontecendo com o nosso país. Em 2017, enquanto “o tesourômetro” registrou cortes impiedosos no orçamento da CT&I, o país ganhou 12 novos bilionários. Ou seja, concentrou-se riqueza e acentuou-se a desigualdade social. Mas para alguns, o que vale é acordar, ver o noticiário e ter a sensação de que a “JUSTISSA” está sendo feita, mesmo que para isso destrua-se o presente e as perspectivas quanto ao futuro de uma nação!
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Thiago Jucá
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