Universidade na rua Ciência Nordestina

terça-feira, 27 maio 2025
Uma ciência dedicada à solução dos problemas nacionais deve estar a serviço da igualdade social e soberania de seu povo (Foto: Agência Fapesp)

Universidade pública e extensão universitária na prática social como superação do colonialismo acadêmico

(Helinando Oliveira)

A universidade pública é financiada pelo povo brasileiro, sendo esperado que sua atenção esteja voltada aos seus financiadores. Uma ciência dedicada à solução dos problemas nacionais — em especial, aqueles negligenciados pelas grandes corporações — está a serviço da igualdade social, do respeito e da soberania de seu povo.

Você percebeu que o Nossa Ciência não tem fontes de recursos? Considere contribuir com esse projeto, mandando pix para contato@nossaciencia.com

No entanto, sair do discurso e alcançar a prática é um caminho longo a ser percorrido, como se observa na extensa discussão que envolve a curricularização da extensão. Entender essa dificuldade pode ser mais fácil para quem está fora dos muros acadêmicos, pois o que se tenta é encaixar algo sem forma definida dentro de pequenos cubos, chamados disciplinas. Os conteúdos na universidade são ministrados sob a forma de blocos de construção, que, por vezes, não se encaixam entre si, nem são úteis para construir soluções de interesse na vida real. Aqui fora, sabemos que os problemas reais são bem mais complexos e exigem a integração de diferentes saberes.

O isolamento entre centros e departamentos impede que os estudantes internalizem a importância da complementaridade de olhares necessária à resolução de problemas complexos. Como consequência disso, o que vemos são acadêmicos desesperados por problemas que se encaixem nas soluções de que dispõem. Esse viés faz com que aqueles que saem dos muros da universidade tratem como extensão uma vida de palestras e conferências no conforto de salas climatizadas, quando, na verdade, o que a “Universidade da Vida” espera dos doutores do conhecimento é um pouco mais de escuta e atenção.

Em tempos de negacionismo e fake news, ter cientisitas no meio do povo é uma das soluções mais óbvias que se possa imaginar

O colonialismo acadêmico, que transborda em vários momentos dentro da universidade, não precisa acompanhar a atividade extensionista, uma vez que a dimensão de qualquer problema real é, normalmente, maior do que aqueles enfrentados nas disciplinas, cujas respostas estão no final do livro. Ao sair dos muros da universidade, espera-se que sejamos mais observadores, prontos para aprender com a comunidade, seus costumes, seu ritmo, suas riquezas e seus desafios, o que permite a verdadeira integração de saberes.

Ao remover as vestes talares, o acadêmico pode admitir que não é capaz de resolver um problema. E isso é, de fato, libertador, pois abre novos caminhos ainda não testados e nos coloca na condição de parte do todo.

Ter um horizonte diferente daquele estabelecido pelo mercado ou pela literatura científica e focar nos problemas do povo é, acima de tudo, uma prática de elevação da soberania ao patamar de prioridade nacional.

Fazer ciência pelos brasileiros é devolver, em forma de benefícios, o caro imposto que dona Maria e seu João pagam a todo instante com o seu trabalho, o seu tempo de vida. E não apenas isso: em tempos de negacionismo e fake news, ter cientistas no meio do povo (sendo povo) é uma das soluções mais óbvias que se possa imaginar.

Enfim, o problema da extensão pode ser mais simples do que se imagina: se ela não cabe dentro das disciplinas, é porque não deve ser disciplinarizada. Os problemas são o que são, e nenhuma área, sozinha, está pronta para resolvê-los. A universidade precisa ultrapassar seus muros, entender como vivem nossos jovens e nossos idosos, o que comem, o que bebem, o que pensam, como são suas relações com a terra, o que é notícia e o que é realidade… Um choque de realidade.

Vamos lá?

Se você chegou até aqui, considere contribuir para a manutenção desse projeto. Faça um pix de qualquer valor para contato@nossaciencia.com

Leia outros textos da coluna Ciência Nordestina

Helinando Oliveira é físico, professor titular da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e atualmente é vice presidente da Academia Pernambucana de Ciência

A coluna Ciência Nordestina é atualizada às terças-feiras

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital