É possível prever se ou quando seu negócio vai morrer? A fórmula é avaliar o que se tem e colocar os dados nos modelos atuais que estão rodando
Existe uma forma, modelo ou fórmula, de eu prever se (ou quando) meu negócio vai morrer? Pergunta que vale “a cabeça” de pouca gente e o emprego de muitas.
Não sou iniciado em previsões a la Mãe Dináh. Estou aquém de ser um guru da administração, economista do apocalipse ou matemático versado em sistemas complexos. Me enquadro no perfil dos 99.9999% daqueles que fazem previsões e, claro, erram. Sendo assim, sinto-me à vontade para errar também. Entretanto, dada à quantidade de letras depositadas na coluna Empreendedorismo Inovador do Nossa Ciência e à amizade alinhavada por mais de 120 artigos nestes dois anos, peço que considerem o que sugiro aqui, mas apenas como um texto de prudencial, não uma previsão. Dito isto, vamos começar!
The Big Picture
Todo final de ano, vejo nas publicações que envolvem negócios a palavra “futuro”. Já no “to be continued”, segue a perturbação mental “o que você vai fazer?”. Como acho “futuro” uma palavra sem futuro – “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo”, diria o guru Peter Drucker -, e “o que vai fazer” uma frase imperativa retórica (você não vai, você faz), prefiro ancorar-me no presente e ter por base modelos que estão rodando – desde um passado próximo até o momento – e fazer construções do que virá utilizando os dados atuais.
Chamo então “avaliar o que tenho” de Retro e “colocar dados disponíveis em modelos que estão rodando e tentar extrapolar” de Perspectiva. A partir daí, começo a construir o meu amanhã. Porque disto? Dois são os motivos: K) com exceção das ondas eletromagnéticas – a luz é uma delas -, nenhuma grandeza física muda de fase abruptamente; e W) segundo Albert (esse mesmo, Einstein), “diferença entre passado, presente e futuro é apenas uma persistente ilusão”.
Façamos K+W e apliquemos ao mundo dos negócios. Chegamos a: I – todo dia é o “fim de ano” de um mesmo dia do ano anterior (ex.: Hoje, 30/12/20, faz um ano que era 30/12/19. Portanto, ano é apenas uma ilusão persistente de um período de tempo de 365 dias); e II – por motivos físicos, nenhum negócio pode mudar abruptamente. Pense sobre o aforismo da “gota que transbordou o copo”. A coitada da última gota é que leva a culpa. Gota abrupta!!!
Se admitirmos as hipóteses I e II, temos que esquecer esse negócio de “ano que vem vou patati-patatá” e que “meu negócio quebrou do dia para noite”. Nesta aula condensada, vamos utilizar modelos matemáticos baseados na natureza e nas cidades para mostrar que o que acontece em seu empreendimento “já estava escrito nas estrelas” e, em fazendo isso, tecer perspectivas para que você possa se preparar ou, pelo menos, saber que seu negócio foi pro beleléu não pela “gota abrupta” ou porque alguém escreveu o nome de sua companhia no Death Note, mas pela falta de acompanhamento de indicadores e do Mundo.
Falaremos, portanto, do estado atual do seu negócio (retro), no que a matemática vai dizer sobre ele (modelo) e as decisões (perspectivas) que você deveria tomar para que ele permaneça competitivo. Deixemos esse negócio de “futuro” para as cartomantes.
Como crescemos os negócios
É do senso comum que à medida que uma empresa aumenta de tamanho, o acúmulo de regras e restrições cresce com ela. Uma vez que este crescimento ocorre, geralmente, sob um mesmo formato tecnológico e administrativo, vamos dizer assim, esta ampliação se dá de forma monotônica ou, no máximo, com baixas diversidades tecnológica e organizacional. Ex.: Se vou aumentar minha cervejaria, compro mais fermentadores ou aumento o tamanho deles. Vou aumentar minha padaria: “tome” forno! Tenho uma livraria, vou comprar mais títulos e estantes. Para cada um desses incrementos, necessita-se ampliar pessoal, turnos, regras para gerenciar e treinar novas pessoas e novos recursos; algumas vezes este incremento pode fazer meu negócio “mudar de fase” (MEI -> EIRELI -> LTDA -> S.A.) e significar empréstimos, investimentos externos ou mudança na participação societária. O que quero dizer com este quadro didático: convencionalmente, as empresas crescem aumentando relativamente mais seu complexo informacional do que seu aparato tecnológico. Falando de outra forma, à medida que a burocracia aumenta (custo) o P&D, a estrutura organizacional, a relação com fornecedores e, principalmente, consumidores (geradores de receita) diminui sistematicamente.
Bichos, companhias e cidades
Com o intuito de estabelecer meus critérios prudenciais (não de previsão) de modo científico, farei uma comparação entre os formatos de escala considerando bichos, companhias e cidades como organismos vivos de pequeno, médio e grande portes, respectivamente. A ideia é apontar um índice crítico mínimo de sobrevivência para cada um destes sistemas metabólicos.
Sobre Bichos
A Lei de Kleiber, elaborada pelo cientista Max Kleiber, “Descreve a relação entre o tamanho corporal e a taxa metabólica de diversos animais. Estudando mamíferos, Kleiber concluiu que, em geral, a taxa metabólica corresponde à potência de 3/4 da massa corporal do animal, não seguindo a típica Lei do Quadrado ou Cubo”. (Wikipedia). Exemplificando: admitamos que o consumo metabólico de um rato de 500g seja de 1W. Por uma regra de três, considerando apenas os mamíferos, esperaríamos que um gato com 5kg consumisse 10W. Entretanto, Kleiber constatou que o consumo metabólico para esse gato chega a 7,5W. O mesmo vale para cachorros, humanos, elefantes e baleias. Ou seja: os organismos biológicos aumentam sua massa mantendo sua eficiência energética por meio de um fator de escala próximo a 0.75.
Sobre Cidades
No artigo “Invention in the city: Increasing returns to patenting as a scaling function of metropolitan size”, que relaciona KPIs de infraestrutura e tecnologia (metabolismo) com o tamanho populacional (massa orgânica), os autores estabelecem o índice de sobrevivência para as cidades, independentemente de seus tamanhos, como sendo 0.85. Encontram-se aí cidades dos EUA, China, Japão, Europa e América Latina.
Sobre Companhias
Entre 1950 e 2009, a empresa de serviços financeiros Standard & Poor’s recolheu dados de 28.853 companhias americanas. Com base neles (cujo acesso é pago, naturalmente), o estudante de Pós-Doc Marcus Hamilton, orientando pelo Físico Geoffrey West, famoso pela Teoria Metabólica da Ecologia, relacionou número de empregados (massa orgânica) versus aumento do resultado líquido e do ativo total (metabolismo) dessas empresas. Juntos, estabeleceram que as empresas saudáveis detinham o coeficiente crítico de crescimento de 0.9. Acima disto, a morte ficava à espreita.
Modelos: os índices 0.75, 0.85 e 0.9.
Estes valores estabelecem a margem segura para o crescimento sustentável de bichos, cidades e empreendimentos, respectivamente. Podemos nos guiar por estatísticas ao invés de modelar Sistemas Complexos (quem manja disso é Marcel Ribeiro)!
Como não acreditamos em previsões de futuro, a matemática, junto aos dados atuais, é nossa melhor alternativa. Se a natureza, testemunha de milhões de anos de revoluções e catástrofes, e as estatísticas de quase 60 giros da Terra da Standard & Poor’s apontam uma norma, tenho por onde começar. O 0.9 demarca não só um limite crítico de crescimento, mas também sugere como crescer sustentavelmente. Com este índice posso criar a fórmula de sucesso para um empreendimento ou prever sua morte.
Um exemplo numérico de como não morrer
De forma simples, se utilizei com eficácia um montante M de recursos da empresa produzir P em uma fase, para fazer crescer um outro patamar P, tenho de utilizar, em média, 0.9M, e assim sucessivamente. Tudo ainda meio nebuloso; deixa eu colocar em números. Imagine que seu negócio projeta um faturamento de R$ 1.000,00/mês, com um custo operacional de R$ 200,00. Na lógica linear, expandir a receita para R$ 2.000,00 exigiria elevar o custo operacional para R$ 400,00. Considerando o modelo proposto, escalar dessa forma não seria sustentável a longo prazo. Assim, o custo operacional de dobra de receita deveria ficar inferior a 200,00 + 0.9 x 200,00 = (1 + 0.9) x 200 = R$380,00. Essa é a forma correta para dobrar a receita e permanecer no jogo. Se a intenção for ampliar a receita para R$ 3.000, o triplo, seu custo operacional deveria limitar-se pelo fator (1 + 0.9 + 0.9 x 0.9) x 200,00 = 2.71 x 200 = R$ 542,00, ao invés de 3 x 200 = R$ 600,00, como manda a lógica linear, e assim sucessivamente. Assim, o metabolismo estatístico sugere um fator de escala para empresas inferior ou igual a 0.9.
Trabalhando as decisões: a perspectiva baseada no modelo 0.9
Mostramos lá em cima que o inerente aumento burocrático leva seu empreendimento a tornar-se mais rígido, já que todas as regras estão intrinsecamente encadeadas. À medida que crescem, a maioria das companhias passam a operar em um ponto crítico no qual a dupla vendas & despesas operam tenuemente balanceadas, ficando vulneráveis a flutuações de Mercado ou perturbações políticas (Ex.: O STF apita até na economia). Crescer incrementalmente a cada fase, admitindo que não haja a geração de uma inovação de ruptura – modo convencional de crescimento dos negócios -, sugere que se monitore alguns índices. Em Métricas: meu reino por números, apresentei o conceito de idealidade inovadora como sendo a razão entre o somatório dos benefícios pelo somatório dos custos associados a seus efeitos Indesejáveis. Para estabelecer um Norte para meu negócio, defina os ativos, receitas, arranjo organizacional, estratégias (inovação é uma) e benefícios em geral como massa orgânica. Despesas, custos, efeitos colaterais do Mercado etc., devem ser enquadrados como metabolismo de sua empresa.
Com isto muito bem definido, trabalhe para que a divisão do metabolismo pela massa orgânica, medido continuamente, seja inferior ou igual a 0.9. Considere também manter resultados de curto prazo dependentes da estratégia de longo prazo. Observar isso pode ser a chave para não ouvir o “Tã, tã, tã, tã” da Sinfonia n.º 5 em Dó menor de Beethoven, a Sinfonia do Destino, aquela da morte batendo à porta.
Finalizando…
Não falei muito no texto sobre inovação, pois já está mais do que batido que sua empresa não poderá crescer, ou mesmo sobreviver, fazendo a mesma coisa de sempre ou agindo da mesma maneira de antes ou da concorrência: terá de inovar. Sobre previsão de futuro, deixo aqui uma fórmula cética, ancorada na natureza, demografia e estatísticas, a qual chamei de retro-perspectiva baseada no “0 ponto 9”. Uma vez que o rascunho do desafio foi posto em 2020, desejo a vocês que construam um bom 2021!
Referências:
Artigo “Invention in the city: Increasing returns to patenting as a scaling function of metropolitan size” (https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048733306001661)
Teoria Metabólica da Ecologia (https://en.wikipedia.org/wiki/Metabolic_theory_of_ecology)
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Leia a edição anterior: Teoria, análise e síntese: aprendendo eficazmente!
Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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