Detlev Arendt expõe seus argumentos refutando a hipótese dos três ancestrais e reabre a discussão sobre os cordões nervosos
Nos últimos dois textos vimos como a pergunta sobre quantas vezes os cordões de nervosos apareceram durante a evolução é uma discussão com quase duzentos anos. Enquanto no começo comparávamos pouquíssimas espécies para tirarmos nossas conclusões, hoje em dia praticamente todos os grandes grupos de animais bilaterais tiveram representantes analisados. E nesse tempo a tecnologia avançou, conhecemos detalhes moleculares sobre as espécies e seus embriões. Mas ao invés de fechar uma conclusão, esse aumento na quantidade de dados só levou a interpretações diferentes. O debate está vivo!
No texto passado falei do artigo de Martin-Duran e colaboradores que analisaram embriões de diversos grupos para ver se os processos moleculares que levam à padronização do seu eixo dorso-ventral era semelhante. Eles viram que três primos distantes, vertebrados, anelídeos e artrópodos, possuíam esse padrão. Só que primos mais próximos destes grupos, como braquiópodos e nematódeos, não! Assim, estes autores concluíram que ao invés do ancestral de todos os animais bilaterais ter criado um cordão nervoso central, existiram pelo menos três ancestrais, exclusivos de cada grupo, que geraram diferentes cordões centrais. Mas teve gente discordando.
No artigo em que Detlev Arendt expõe seus argumentos para refutar a hipótese dos três ancestrais ele os introduz com a seguinte frase:
“Para um, a ausência de evidência não é evidência de ausência.”
Mas o que ele quer dizer com isso? Imaginem uma pessoa que quer demonstrar que porcos não falam. Bom, você pode olhar quinhentos porcos durantes 1 hora cada um que mesmo assim vai ser muito difícil afirmar que porcos não falam. E olhar 50 mil ou até durante cinco anos que não vai resolver o problema se você não vir nenhum porco falando. Se você vir um, aí sim, você pode dizer que porcos podem falar. Então, mostrar que uma coisa não existe é sempre mais difícil. O que a ciência geralmente faz é exaurir possibilidades para afirmar que a anatomia, a fisiologia etc dos porcos não são compatíveis com a fala. Mas daí a afirmar que nunca nenhum porco vai falar, é concluir além do que o método te permite.
E essa é a grande crítica do Arendt sobre o trabalho do Martin-Duran. Martin-Duran e colaboradores utilizam o padrão de expressão de genes de padronização do sistema nervoso em vertebrados como condição necessária para afirmar que cada grupo tenha derivado do mesmo ancestral que o nosso. E nas análises deles, diversos grupos não apresentam esse padrão. Mas isso é por que nenhum animal nos grupos estudados apresenta o padrão ou por que eles não olharam, no animal, hora e locais corretos?
Arendt então enumera todas as falhas que podem ter levado à erros de interpretação por Martin-Duran e colaboradores. Em Orwenia, um anelídeo, eles não olharam o estágios de desenvolvimento correto. Em braquiópodos, a ausência de diferenciação de neurônios colinérgicos, utilizada como argumento de que é um cordão de origem diferente, foi justificada por Arendt pelo fato dos adultos serem sésseis e não precisarem muito de neurônios motores (que utilizam acetilcolina como transmissor) para movimentar músculos. Assim, braquiópodos podem ter perdido estes neurônios mas mesmo assim terem tido um ancestral que os tinha. Para os curiosos em zoologia, recomendo fortemente a leitura. Detalhada para cada grupo em questão e muito bem ilustrada.
Bom, e quem está certo nessa história? Minha opinião é que o Arendt tem razão, pela questão dos porcos falantes. Mas a questão está fechada? Não! E essa é a beleza da ciência. Apesar desta questão ser secular, sabemos cada vez mais sobre a vida e desenvolvimento destes incríveis animais. E conhece-los é essencial para os valorizarmos e conservarmos. Que venham mais dados e mais hipóteses!
Leia os textos anteriores:
A origem dos cordões nervosos: uma questão mais antiga que a própria Biologia
Quantos ancestrais são necessários para inventar os cordões nervosos dos animais?
Referência
Arendt D (2018) Animal Evolution: Convergent Nerve Cords? Current Biology 28: R225-R227.
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Leia o texto anterior: Quantos ancestrais são necessários para inventar os cordões nervosos dos animais?