O professor Gláucio Brandão mostra que olhar o caminho percorrido pode contribuir para acertar os alvos futuros
Antes que nossos leitores pensem que estou exercitando minha quiromancia latente, para me abonarem, invocarei aqui dois proeminentes construtores de nosso tempo, os quais dispensam apresentações. Por antiguidade, chamo primeiro o professor Albert Einstein. Ele diria: “Você nunca poderá resolver um problema no nível em que foi criado”. Boa teacher. Agora, para juntar a Ciência com a Inovação, o melhor de dois mundos, invoco o construtor da modernidade. É com você mister Jobs: “Você não consegue ligar os pontos olhando pra frente; você só consegue ligá-los olhando pra trás. Então você tem que confiar que os pontos se ligarão algum dia no futuro!”. Viram aí: os dois falaram em ter clareza somente quando estiverem, pelo menos, um nível à frente, ou acima!
E se fosse possível prever os próximos passos tecnológicos, as próximas vertentes, as vibes vindouras, será que teríamos alguma vantagem competitiva? Um pouco disto eu já havia falado em Adiantando o futuro usando o passado de uma forma mais processual, utilizando brainstorming para ir e vir, subir e descer. Dessa vez vou propor um mnemônico baseado na ciência congelada: a História. A galera da geração ENEM adora esses joguinhos de letras. Assim, gravem logo: MATCHEM-OVQS. Vamos então olhar para trás…
Ligando os pontos
A velha senhora, a ciência congelada, possui boa memória e serve para duas coisas importantes: I) lembrar aquilo que não devemos repetir e, como uma flecha lançada, II) apontar a direção do que vai acontecer. Claro, a inclinação do arco no lançamento – podemos dizer que isto é o passado da flecha, vai contribuir em muito para a direção e distância alcançada pela flecha. Bem quiromântico, né não? Assim, utilizando os princípios da TRIZ delineado em Como criar criatividade, Altshuller, seu criador, mostrou que 95% dos problemas modernos já foram “saboreados” pela humanidade, e que para resolvê-los precisamos apenas rever como nossos antepassados o fizeram, bastando apenas contextualizá-lo. Ele também levantou 40 princípios inventivos nos idos de 1946 e que até hoje são utilizados para solucionar todos os problemas tecnológicos em qualquer área do conhecimento. Ou seja: o caminho já foi traçado. Saber ligá-los corretamente vai nos dar uma trajetória imaginária pela qual a flecha seguirá. Já dá para prever, então, onde a flecha cairá. E, olhando para o sofrimento retroativo, Altshuller conseguiu descrever, estatisticamente, o caminho tecnológico traçado pela humanidade. Vamos às letrinhas então!
MATCHEM-OVQS
Olha que bacana moçada (e não vai cair no ENEM). A sigla remete às iniciais dos avanços tecnológicos observados de modo estatístico por Altshuller e seus colegas. Sem mais delongas, vamos às letrinhas. Lembro, porém, que a versão original foi feita em inglês. Assim: Mecânico, Acústico, Térmico, CHemical (químico), Elétrico, Magnético. Esse foi o caminho tecnológico traçado pela humanidade até a década de 1980. Temos então o MATCHEM. A turminha que usa o Tinder vai entender… Só que aí, de forma empírica, quis dar minha contribuição a essa sopinha de letras russas. Observando os avanços a partir da década de 1990, percebi que a flecha adiantou-se um pouquinho e acrescentou à trajetória: Óptico, Virtual, Quântico e Serviço!!! Sim, isso mesmo, Serviço. Sociedade interessada mais no acesso às comodidades do que propriamente na posse. Citarei, como sempre, AirBnB, Uber, Netflix etc.
Agora que expliquei o mnemônico olhando para trás e ligando os pontos – Thanks, Sir Jobs!, vamos entender o que isso quer dizer para tentar subir de nível e resolver o problema em que estávamos mergulhados.
It’s evolution, baby! (Pearl Jam, banda de Rock)
Desfazendo o nó que dei na cabeça dos incautos, o que se quer dizer com MATCHEM-OVQS é que a tendência de evolução humana começou com a feitura de dispositivos mecânicos, na sequência evoluiu para aqueles baseados em acústicos; depois os processos químicos apareceram em nossas vidas. Os equipamentos elétricos promoveram outra revolução e, no avançar destes, os magnéticos. Deixo para o leitor o exercício de mapear exemplos nessas tecnologias. Mais para frente um pouquinho, os artefatos ópticos encheram nossas vidas de pixels, trazendo com eles o acesso aos meios virtuais. A quântica é a bola da vez, com a qual o grafeno promete ser o graal de todos os elementos, indo de super isolante a supercondutor. Por fim os serviços. Toda essa tecnologia agregada faz com que caminhemos para mais e mais serviços disponíveis a custos razoáveis, o que faz com que, por exemplo, muitos amigos meus tenham vendido o carro alegando ser muito mais viável o uso de plataformas de transporte. Bacana, né não?
Onde eu quero chegar: você, empreendedor, tem de olhar em que “letra” sua tecnologia está e considerar avançar para a próxima. A turminha de Mountain View já faz isto a tempo. E o massa é que tudo isso é cíclico. Você pode estar na última letra, o S, e voltar para o M, sem problema algum. Muita gente está evoluindo nessa linha. A Amazon, por exemplo, está inaugurando lojas físicas. Muitos teens estão preferindo Lego aos jogos virtuais (eu também, se bem que estou mais para tio). A maioria esmagadora de meus alunos prefere o livro físico ao virtual. Ou seja: fomos do S ao M. A coisa é cíclica. Tudo acontecendo novamente. Altshuller tinha razão.
Recomendando então o que o Professor Albert nos disse lá em cima: avance uma casa e tente ver a solução de seu problema olhando da letra a posteriori. “Suba em letras de gigante”, diria outro grande físico.
Finalizo lembrando os 5% restantes. Esses são para as inovações imprevisíveis, do contrário não teria graça. Ninguém pode garantir o quanto o vento provocará de erro no lançamento da flecha!
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Leia a edição anterior: Como criar uma startup?
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Gláucio Brandão
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