O DevNeg tem de saber gerenciar a empresa e a tecnologia e ter liberdade para influir no comercial
“Traga-me um algoritmo, e encontro um desenvolvedor pra convertê-lo em linhas de código. Traga-me um desenvolvedor, e não saberei o que fazer com ele”.
Parece uma frase radical e anti-óbvia, mas é a pura verdade e se encaixa metaforicamente ao que apresentarei hoje!
Há mais ou menos 20 anos, quando eu ainda era Dev em hardware e software de produtos para a Tmed, por muitas vezes compartilhava ideias sobre possíveis inovações com meu mentor econômico e CEO Tmed, Amando Guerra, e nosso brilhante CTO, Antônio Carlos “Maninho”. Muitas vezes diziam que mesmo sendo fruto de uma ideia excelente e com grande potencial, a solução derivada poderia não encontrar uma oportunidade de Mercado, pois estavam em jogo o timing e o dilema da utilidade, principais responsáveis pela morte prematura de muitas startups, o que podia resultar em frustração e prejuízo por tempo indeterminado, capazes de implicar até a falência da empresa. Amando recitava um mantra que marcam meus pensamentos empreendedores até hoje: “Quem manda na Tmed é o Comercial!”. Demorei muito a compreender porque ele, sendo o Dipoto (diretor da porcaria* toda), não podia simplesmente assobiar um “Cumpra-se!” para o Depto. Comercial, sugerindo fortemente que acatassem a nova proposta e autorizassem o desenvolvimento daquilo. Talvez por ser eu um Dev Aspone (assessor de porcaria* nenhuma), as coisas não eram muito claras.
Apesar de o termo Dev estar intimamente associado àqueles(as) que desenvolvem tecnologias (vou chamar de DevTec daqui para frente), numa posição tão importante quanto – e que também contribui lado a lado para o apagão tecnológico -, estão os(as) Desenvolvedores(as) de Negócios (do inglês, Business Designers). Utilizarei o acrônimo DevNeg para indicar essa galera.
A AC de hoje fala sobre esse pessoal, que realmente entende de algoritmos de negócio, manja do comercial mais do que os Dipotos e os DevTecs juntos, são responsáveis desde a investigação de necessidades, desenvolvimento de ideias ao encaixe de tudo isso a oportunidades e, por incrível que pareça, não são devidamente reconhecidos, a ponto de não terem capacitação formal estimulada. Pois é: ou vocês achavam que as coisas acontecem como bamburim, é só jogar e o Mercado pega?
*Nota desnecessária: a palavra original não é bem “porcaria”; mas vocês entenderam!
Comercial, o chefe!
Olhando para BMC, o já tradicional Business Model Canvas, podemos dizer que o Comercial, palavra que já carregou o nome departamento junto, historicamente trabalha as seções Canais e Relacionamento com Clientes, colocando o nicho de Mercado à proposta de valor, que pode ser a oferta de uma solução ainda inexistente (novidade) ou para atender alguma necessidade. Através de um canal de comunicação (aberto ou criado), é responsável por definir corretamente o nicho, detectar dores, sugerir soluções, trabalhar venda e pós-venda, medir a satisfação do cliente etc. Portanto, se o trabalho for feito corretamente pelo Comercial, tem-se receita, a fonte de energia do empreendimento. Em uma empresa tradicional, o restante das seções do BMC atuam de forma reativa e, exatamente por isto, fica claro o que Amando queria dizer. O Comercial realmente “era” o chefe! Porém, em 20 anos muita coisa mudou.
Dor, reação, resignação, adaptação e evolução do negócio. O que faz um DevNeg?
A era Lean Startup impôs um novo ritmo de modificação às empresas, determinando que a melhor forma de adaptação reside na adoção de uma cultura baseada em experimentação. Assim, e ao contrário do que acontece na biologia, o fenótipo mercadológico (realidade externa) trabalha para sinalizar e modificar o genótipo (realidade interna), obrigando as empresas convencionais a reformularem seus planejamentos estratégicos (visão, missão, valores etc.) de fora para dentro. É como se elas tivessem que aceitar uma espécie de DNA mutante. Não dá mais para entregar decisões vitais sobre produtos e serviços necessários exclusivamente ao Dipoto – preso demais à fisiologia burocrática (como a dupla sertaneja receita & custos, por exemplo) e, talvez, aos valores tradicionais da empresa (aquele brand imutável) -, muito menos ao “criativo” Dev Aspone, que se alimenta exclusivamente de bits.
Como estamos falando de DNA dinâmico, o elemento capaz de fazer essa modificação ou até mesmo promover revoluções tem de vir de fora. Na biologia, quem mexe num DNA geralmente é um vírus (um RNA), ou alguma radiação; nesse caso negocial, a “mão invisível do Mercado”. Assim, de modo diferente ao “reativo” Comercial, o DevNeg – exógeno (externo) a todo processo – deve ser capaz de atuar de modo ativo, tendo influência também nas outras partes do BMC: parcerias, estrutura de custo, recursos e atividades-chave, além de definir que parte da receita deverá ser aplicada em inovação, fazendo com o que atue no principal ativo da empresa: a proposta de valor.
Alguém poderia dizer que o DevNeg assemelha-se ao Project Owner (P.O.), integrante de um time Scrum que carrega consigo as histórias dos clientes, avalia o backlog de produtos ou projetos, mantendo não só a integridade da proposta como os desejos mais “loucos” do cliente. O DevNeg vai além. Se quisermos manter a estrutura dos termos, é como se o DevNeg fosse não só um gestor de projetos, os “olhos do dono” transportados, mas uma espécie de Startup Owner (S.O.). Isso mesmo: ele é o dono temporário de uma pequena empresa dentro de uma empresa convencional, atuando em todo modelo de negócio e trabalhando para promover o spin-off de potenciais inovações. Por isso ele tem o poder para mudar até a proposta de valor, desde que isso viabilize o sonhado market fit.
Um bom DevNeg promoverá sistematicamente dores de mudança, o que acarretará reações, que quando bem justificadas (à base de simulações, esboços, fatos etc.), convencerão que o negócio deve se adaptar aos novos tempos, promovendo a própria evolução, característica mínima para que o negócio mantenha-se sustentável. Poderia ser o papel do CEO, mas além de ser a pessoa mais responsavelmente ocupada da empresa, tem de prover uma saída caso a coisa dê errado. Ele não pode se demitir.
Algoritmo de encaixe no Mercado
Na AC Lógica Serviço-Dominante, apresento alguns dos soft skills que um DevNeg deve dominar para conseguir desenvolver bons produtos e algoritmos que gerem tração de Mercado. São habilidades necessárias para criação de spin-offs, cujo esforço para obtenção se iguala aos hard skills inerentes aos DevTec. Observe:
Finalizando…
Na era startup de ser, o CEO tem de ser bom em gerir empresas; o CTO em gerir tecnologias. O DevNeg, Desenvolvedor de Negócios, tem de saber gerenciar ambos e ter liberdade para influir no Comercial. Sua empresa tem um destes, você dividi esta tarefa com alguém ? Não estou te excluindo da pergunta, mas a sobrecarga, além de te matar aos poucos, pode fazer isso antes com a empresa! Voltando ao aforismo-metáfora do início e referindo-me ao Mercado:
Traga-me um DevNeg, e ele encontrará uma oportunidade e um algoritmo para promover o encaixe.
Traga-me um um produto, e não saberei o que fazer com ele!
Referências:
Tmed (https://www.tmed.com.br/)
Livro (https://triztorming.com/)
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Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Gláucio Brandão
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