STEAM: que tal darmos um “vapor” em nossa carreira, nossa vida? Empreendedorismo Inovador

quarta-feira, 8 janeiro 2020

Entenda o movimento que prega a interdisciplinaridade e diz conectar o estudante com uma visão abrangente dos conteúdos escolares

Todos nós estamos a par da qualidade de nosso sistema educacional. Senão, basta darmos uma olhadinha em nosso desempenho no último PISA-2018, Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Programme for International Student Assessment), rede mundial de avaliação de desempenho escolar, realizado pela primeira vez em 2000 e repetido a cada dois anos, coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Todos os países latino-americanos avaliados obtiveram classificação inferior à média dos países da OCDE, o chamado “clube dos países mais ricos do mundo”, em número de 36. Embora o Chile e México pertençam, o Brasil – que é “penta” – tenta, já que seu pedido de adesão ainda está sob análise. Pelo menos no futebol estamos bem (ironia, claro).

Vamos a alguns números classificatórios para este gigante adormecido: Ciência (66º), Matemática (70°), Leitura (57º). Nosso desempenho, bem além dos países da OCDE (57º) na colocação geral de 36 países; ou seja, somos o 21º depois do último), deixa evidente o tamanho da bronca que temos pela frente.

Peguemos um trecho da reportagem da BBC sobre o PISA-2018, “Metade dos estudantes brasileiros alcançaram ao menos o nível básico de proficiência em leitura no Pisa, o que significa que eles conseguem identificar a ideia-chave de um texto. Somente 2% dos jovens brasileiros alcançaram níveis altíssimos de compreensão em leitura, no qual são capazes de entender textos mais longos e ideias contraintuitivas ou abstratas”.

Levando-se em consideração o principal item, a leitura, que em minha visão é responsável pelo desempenho das outras matérias – quem mal lê, mal absorve, mal entende, mal pensa, mal escreve, mal planeja -, fica claro onde está nosso calcanhar de Aquiles, quando se fala em termos de Empregabilidade, Política, Meio-Ambiente, Economia etc.: acabamos sendo formados pela Universidade Facebook, cujo principal centro é o Depto. Whatsapp, instalada no campus da cidade Google: acredita-se em tudo que se lê e, o pior, parte-se pra “porrada” por interpretação apenas do cabeçalho. Não somos capazes de abstrair de forma contraintuitiva, a ponto de questionarmos “será que isso é verdade?”, e buscar opiniões de fontes diferentes, de preferência antagônicas. O mesmo vale para nosso ensino: o programa de meu curso é absoluto, está atualizado, servirá para o presente, quem dirá para o futuro? TI, Engenharia, Matemática, só se aplicam às Ciências “duras”? Artes, Ciências Sociais são exclusivas das Humanidades? Em TI é o novo Esperanto, mostro que estamos todos errados.

Mas porque isso acontece e como podemos corrigir daqui para a frente? É o que a metodologia STEAM vem tentar ajustar. 

Propósito ou ferramenta: quem é a causa e quem é o efeito?

No artigo sobre o Dia das crianças, escrevi “Você não tem de pensar na profissão que vai exercer, mas sim no problema que quer resolver quando crescer”. Bom, isto esclarece um propósito. Educar filhos melhores para o mundo segue como efeito dessa decisão.

Construir um mundo melhor, nossa meta, dependerá dos construtores e não do contrário. Assim, aquela frase “construir um mundo melhor para nossos filhos” é igual a querer montar uma casa começando pelo telhado: falta base, paredes etc. Não vai rolar! Como pensar em sustentabilidade no conceito amplo (cultural+ecologica+economica+socialmente) se não tivermos para quem passar o manche? Pense assim: “vou fazer uma máquina ‘supimpa’, altamente sofisticada, que resolverá o problema de todo mundo, e não vou preparar quem opere”. Embora você tenha construído e colocado a máquina no ar, o avião vai cair, caso tenha de entregar a alguém despreparado. Resumindo: tudo terá de acontecer ao mesmo!

Mas a pergunta que não quer calar é a seguinte: não educamos nossos filhos por falta de ferramentas ou por falta de propósito? A ferramenta certa geraria o propósito adequado, ou um propósito férreo seria capaz de fazer pessoas buscarem ou construírem as ferramentas corretas? E a resposta, em minha modesta visão, terá de responder às duas perguntas. Portanto, não será única: temos que colocar propósito na galera das áreas ditas “duras” e apresentar as ferramentas à turma das áreas ditas “humanas”.

Olhando direitinho, é o que prega a interdisciplinaridade. Não existe área melhor, mais produtiva, mais nobre e mais “besteiras” que dizem por aí. A solução estará no cruzamento bem dosado de tudo, não na divisão. Infelizmente, em nossa história, alguém começou lá trás com esse negócio de “nós” e “eles” junto a “matemática é difícil”: quem vai para as exatas “detesta” as sociais; quem abraça as “humanidades”, é porque odeia a  matemática, por assim dizer. E o mar separou-se aí. Ao final, tudo veio bater na educação, o “saco de pancada” universal. A consequência: separamos quem entende melhor do propósito daqueles que entendem melhor de ferramentas. Neste contexto surge o STEAM.

STEM ou STEAM

Estamos em um mundo em que a transformação tecno-científica impulsionada pelas TICs está promovendo uma revolução social sem precedentes, a qual poderá promover nossa própria evolução fisiológica, só conseguida até então pelo lento compasso evolutivo darwinista,  o que tentei mostrar em Abstração (des)estruturada. E, por incrível que pareça, ainda temos cursos com nomes clássicos que remetem a grades jurássicas. Vide O que falta aos cursos das Sociais Aplicadas e Engenharias?.

O movimento STEM education (Science, Technology, Engineering, and Mathematics) surgiu há 20 anos nos Estados Unidos como uma resposta à queda da qualidade do ensino, a qual sabemos impacta diretamente na economia e, por consequência, na qualidade de vida de um país.

A desmotivação em sala de aula surgia da aprendizagem exclusiva por aulas expositivas, pouco envolventes, descontextualizadas e conteudistas. O estímulo à curiosidade associado com atividades que requerem mais participação dos alunos (atividades mão na massa, do inglês hands-on) é o principal no STEM, para tornar o aluno mais engajado com os temas de ciências.

Entretanto, com pouco tempo depois, a STEM já sofria críticas: “Considerar que o ensino de arte é menos importante pois não prepara para o mercado de trabalho e não ajuda no enriquecimento econômico do país é considerar a formação de um estudante apenas de maneira superficial”, nos relata Beatriz Mogadouro Calil e Gustavo Pugliese no site da Porvir. Assim, introduziram o “A”, e o STEM education passou a ser chamado de STEAM, incluindo a palavra “Arte” no acrônimo, com o intuito de corrigir a falta das humanidades em um movimento que prega a interdisciplinaridade e diz conectar o estudante com uma visão abrangente dos conteúdos escolares.

Entretanto, inserir uma área do conhecimento a mais no STEM chama a atenção para algumas questões relevantes sobre o papel da educação em arte. E aí eu pego bom trecho na íntegra da Porvir, para explicar o que a Arte tem a ver com tudo isso:

“A arte é muito mais que isso, é um campo do conhecimento que contribui imensamente na formação do ser humano. Arriscamos dizer que a arte possui um potencial educativo que talvez nenhuma outra disciplina ofereça, pois possibilita que os estudantes expressem seus sentimentos e tenham acesso e compreensão perante subjetividades próprias e do mundo que o cerca. E no que isso ajuda? Um exemplo simples: no combate às violências e ao preconceito. Um ser humano com capacidade para perceber e compreender subjetividades é um ser humano tolerante, que respeita diferenças e tem mais sensibilidade para lidar com as pessoas com as quais convive.

Com essa subjetividade a arte/educação amplia as capacidades reflexivas e perceptivas e envolve, além da inteligência racional, a afetiva e a emocional. Pela arte o estudante pode se conhecer melhor, pensar sobre si mesmo e suas emoções. A maioria dos nossos sentimentos são completamente inefáveis, impossíveis de serem traduzidos em palavras ou teorias e a arte pode ser uma das únicas possibilidades de compreendê-los e expressá-los.

Além disso, o ensino de arte possibilita o desenvolvimento de uma educação que auxilia o estudante a lidar, respeitar e conviver com diferentes pontos de vista, pois com essa disciplina ele pode se expressar integralmente, trabalhar em grupos, conhecer as opiniões, especificidades e diferenças entre ele e as pessoas com as quais se relaciona.”

Uma aposta

Pensando no STEAM, no propósito e em ferramentas, a consultoria Convictus uniu-se à incubadora inPACTA(ECT-UFRN) e à Incubadora e-labora (UnP) para criar o [RE]Load.

A ideia: introduzir pessoas, de qualquer área do conhecimento, no movimento STEAM, oferecendo formação em algoritmos e programação de computadores, de modo a estes iniciados construírem suas próprias ferramentas para redesenhar o mundo. O [RE]Load é nossa primeira tentativa na linha STEAM, no qual os problemas a serem resolvidos estão ligados diretamente ao Mercado. Mais adiante, faremos imersões em outras áreas do conhecimento, como por exemplo na Arte, a partir da Teoria para Resolução de Inventiva de Problemas, a famosa TRIZ, disciplina de origem russa que trabalha a criatividade, que ensina a criar inovação do zero.

Finalizando…

Estamos – Convictus, inPACTA e e-labora – propondo a reeducação de profissionais em todas as idades e de todas áreas do conhecimento, a partir do “mão-na-massa”. Ferramenta e propósito. Pretendemos ajudar pessoas das “exatas” com conteúdos “humanizantes”, e apresentar às pessoas das “humanidades” ferramentas das exatas, para dar um vapor (do inglês, steam) em suas carreiras, em suas vidas, pois não dá para esperar uma mudança rápida em nosso sistema educacional. Continuará o “nós” e “eles” ainda por muito tempo.

Este ano, 2020, haverá outro exame de avaliação internacional. Espero que não tomemos outra “PISA”. Não deu para evitar o trocadilho.

Referências:

site Porvir

reportagem da BBC sobre o PISA-2018 

site Convictus

inPACTA (ECT-UFRN)

e-labora (UnP)

[RE]Load

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Leia a edição anterior: Vantagem disruptiva

Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Gláucio Brandão

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