Startups: um evento científico, acadêmico e necessário Disruptiva

quarta-feira, 10 fevereiro 2021

Observar, hipotetizar, experimentar e generalizar são as palavras-chave desse encontro

Sim, você vai dizer que estou apelando! O que poderia um professor de Práticas de Startup Tecnológica I e II (PST) e Metodologia Científica & Tecnológica (MC&T) fazer para justificar a gerência de disciplinas aparentemente tão díspares, senão juntar ambas? E mais: utilizar justamente este fato para induzir que a Academia precisa se adaptar ao Mercado.

MC&T exige obediência ao rigor “ABNTício”, próprio de quem tem de seguir a normalização técnica balizada pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) desde 1940. PST busca por mindsets divergentes, aquelas mentes que trabalham a “desobediência científica”. Hehe: criei mais um oxímoro, “figura em que se combinam palavras de sentido oposto que parecem excluir-se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam a expressão” (Oxford). Já na Big Picture, a Academia precisa de adeptos do formalismo científico, ao passo que o Mercado pede pragmáticos que se arrisquem.

Ok, GBB-San: você vai tentar nos convencer de que é possível ter uma mente com dois padrões, exercendo uma bipolaridade harmoniosa e ambos perfis podendo estar tanto na Academia quanto no Mercado? E eu vos responderei: “Exatamente, Padawan. Outro oxímoro!”.

Brincadeiras à parte, a desobediência científica desenvolvida por mindsets bipolares harmoniosos serão o tipo necessário para “passar bem” nesse nosso novo mundo frágil (Brittle), ansioso (Anxious), não-linear (Nonlinear) e incrompreensível (Incomprehensible) – BANI para os íntimos -, onde a tecnologia se comporta quase como magia. Precisaremos de cérebros capazes de manterem-se sustentáveis e, de quebra, criarem opções para o mundo. Assim, nada melhor do que empreender de forma inovadora tendo a Ciência por background. Peço que acompanhem meu raciocínio bipolar.

 Resolvendo a questão da bipolaridade de mindset

Essa é fácil, tanto que fiz até uma figurinha. No texto Cientista ou inovador? Dr. Jekyll or Mr. Hyde?, para o qual me inspirei no filme estadunidense “O Médico e o Monstro” de 1941, mostro que a separação mental entre as duas categorias de mindset terá de ser temporal. Hora você usa a ABNT e toca os processos com o rigor que a Ciência exige, hora você faz uso da TRIZ, vira um rebelde, e quebra o modo inercial de pensar. Ser “cientista” e ser “empreendedor” é aprender chavear entre estes dois momentos e, em minha visão, a chave para inovar solidamente, criar processos sustentáveis e amalgamar de vez a Ciência e o Empreendedorismo em um único elemento.

Segredo para inovar: aprender a ter e controlar os dois ciclos.

Sobre o Mercado e a Universidade

Do site da estimada UFRN, trago sua missão institucional: “Educar, produzir e disseminar o saber universal. Contribuir para o desenvolvimento humano. Compromisso com a justiça social, a democracia e a cidadania”. De lá também, extraio seus princípios e objetivos:Universidade pública e gratuita com gestão democrática colegiada e descentralização administrativa e acadêmica. Desenvolver atividades de ensino (graduação e pós-graduação), pesquisa e extensão. Ministrar formação intelectual e profissional de qualidade. Produzir e difundir o conhecimento científico universal que promova o desenvolvimento econômico e social”.

Embora frases com sentido, existem linhas que defendem uma Universidade não-tecnicista e que empresas e Mercado não se enquadram no pilar Extensão, daí a forte reação quando se fala em empreendedorismo por estas bandas, e que a Academia não deveria entrar nesta seara. Olhando para o que, como universidade, devemos fazer: “Ministrar formação intelectual e profissional de qualidade” de modo que se “promova o desenvolvimento econômico e social”, acrescento o óbvio: que não é possível ser feliz, ou sustentável, e contribuir para o desenvolvimento em qualquer dimensão estando desempregado. Muitos, quando desempregados, nem cidadãos se sentem.

Sem Mercado, sem empregos, sem imposto suficiente para manter a Universidade. A conclusão é óbvia: ambos, Universidade e Mercado, precisam-se.

Por que Startups?

Pego um trecho da página 258 do livro Organizações Exponenciais (2015):

“Um estudo conduzido pela Fundação Kauffman em 2010 revelou que, nos últimos 40 anos, as grandes empresas criaram ‘zero’ novos empregos. Por outro lado, 100% da criação de empregos são provenientes de startups e empreendedores. Depois de acompanhar o popular Maker Movement, iniciado por Dale Dougherty, o The Grommet chegou a resultados semelhantes, relatando que as pequenas empresas criaram oito milhões de novos postos de trabalho desde 1990, enquanto as grandes empresas eliminaram quatro milhões de posições”.

No Brasil existem 6,5 milhões de estabelecimentos. Desse total, 99% são micro e pequenas empresas (MPE). As MPEs respondem por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado (16,1 milhões). De acordo com o Portal do Empreendedor, no Brasil existem 9,7 milhões de MEI (Março/2020).

Em suma: os novos negócios, incluo aí os pequenos e nascentes, já são a base de nossa economia. Não por acaso o novo Marco Legal das Startups, o PL 249/20.

Startups: um evento científico!

A descrição do método científico pode ser encontrada na Wikipedia e em bons livros de metodologia científica. Depois de alguns anos ministrando a disciplina, sintetizei em quatro palavras-chave: Observar, Hipotetizar, Experimentar e Generalizar. Não vou entrar na definição formal de cada palavra. Farei apenas o paralelo com o “evento startup” usando um único texto:

“Pessoas, com objetivos em comum, reúnem-se e formam um time. Observam necessidades de Mercado e levantam hipóteses sobre elas. Validam conceitos e, com base nisso, realizam experimentos com o intuito de verificarem se a solução proposta resolve a necessidade inicial. Se sim, refinam ainda mais suas hipóteses, melhoram os experimentos e os produtos. Se não, refutam aquelas hipóteses ou as readequam. Para isso, utilizam um background que repousa nas áreas das Exatas, Humanas, Sociais, Ciências da Vida, do Ambiente etc.”.

Defini uma startup. Alguém consegue diferenciar o texto acima de método científico?

Finalizando…

A pandemia de 2020 nos fez ver (e sentir) que muitos modelos precisam ser revistos. O modelo educacional está neste pacote. A devastação dos empregos produzida pela parada econômica ressaltou outra questão: e se a tecnologia nos disser que boa parte dos empregos não serão mais necessários, o que faremos? Fome seguida por necessidades e violência serão nosso legado. Vejo então uma saída: teremos que aprender a criar novos empregos, novos Mercados, novas startups. E, de antemão, não vejo outro ente que tenha a obrigação de fazer isto que não seja a Universidade, pois é a detentora do método. Vou ainda mais longe: terá de reescrever seus pilares basilares como Ensino, Pesquisa, Extensão e Inovação.

Recomenda-se pressa neste sentido, pois muita gente boa já está ocupando este espaço; gente que já repensou rapidamente os negócios e empresas que estão criando escolas. E toda essa gente segue um jargão parecido com este:

“Pensemos o Empreendedorismo de forma científica e a Ciência de forma empreendedora!”

(GBB-San. 2010)

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: Antes de se formar…

Gláucio Brandão é Pesquisador em Extensão Inovadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Gláucio Brandão

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