Seres humanos modificados vivendo em Marte: precisamos mesmo viver isto? Ciência Nordestina

terça-feira, 29 junho 2021

De repente, torcemos por uma complexa fuga para um planeta inóspito ao invés de arrumar a nossa própria casa, a Terra

Vivemos os anos que antecedem aquela que será a odisseia da ida da primeira missão tripulada à Marte. Muito é falado sobre a tecnologia necessária para se fazer uma longa viagem pelo espaço profundo, como a preparação da lua como estação de lançamento de foguetes, das possibilidades de aterrissagem no planeta vermelho e a procura por vida extraterrestre. No entanto, o elo mais fraco neste processo não vem despertando tanta atenção do grande público: este ponto é o próprio ser humano.

Além da temperatura, aridez e demais condições ambientais, há um fator mortal que distingue a Terra de Marte: aqui temos a magnetosfera, que é uma espécie de casulo (cinturão protetivo) que é promovido pelo campo magnético da Terra e que protege todo o planeta dos ventos solares, um tipo de radiação solar mortal.

Vale ressaltar que não há magnetosfera em Marte e muito menos ao longo do trajeto até lá. Isso significa que toda a radiação cósmica incidirá sobre os tripulantes de forma perigosamente persistente. Testes em camundongos expostos a doses de radiação correspondentes à esta condição retornaram problemas neurocognitivos, o que pode afetar as decisões e o comportamento dos astronautas. Para além dos problemas psicológicos, e comportamentais, há riscos diretos para incidência de câncer a longo prazo e demais problemas de saúde a curto e médio prazo.

Como forma e minimizar os impactos nos tripulantes e possíveis primeiros habitantes de Marte já são especulados procedimentos agressivos como a retirada do baço e até substituição de partes do olho e até mesmo do cérebro para evitar sequelas como o Alzheimer devido à radiação. Estes humanos ciborgues precisarão ainda de barreiras especiais (roupas carregadas eletricamente, por exemplo) para inibir a incidência da radiação indesejada.

Neste ponto, precisamos lançar alguns paralelos e questões completamente óbvias.

A primeira delas é: porque abandonaríamos o cinturão magnético da Terra para buscar asilo em um planeta tão inóspito?

Muitos destes bilhões de dólares investidos no projeto de colonização de Marte seriam fundamentais para mitigar a fome no planeta Terra e controlar a emissão de carbono que coloca em risco o clima em nosso planeta. É necessária muita pesquisa para remediar os danos ambientais provocados pela ação do homem e a sua indústria. Vivemos em um planeta que oferece condições extremamente favoráveis à nossa existência, mas que vem sendo destruído por um ser que se diz racional. De repente, somos levados a torcer por uma estratégia complexa de fuga a um lugar inóspito ao invés de arrumar a nossa própria casa, o planeta Terra.

Para além da ficção científica, o grande alerta que fica é: será que a degradação ambiental já chegou a um ponto de irreversibilidade que justifique algo tão desesperador e complexo quanto viver em Marte?

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Leia o texto anterior: Reflexões sobre as aulas remotas

Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).

Helinando Oliveira

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