De um lado, as máscaras e o distanciamento. Do outro, a intolerância. O ano em que a batalha da luz contra as trevas foi mais explícito
2020 ficará para sempre registrado como o ano da pandemia e também como o período em que a humanidade saiu do armário e mostrou suas faces mais belas e mais horrendas. Afinal, este foi o ano dos extremos e dos contrastes. Explico: Em menos de 365 dias de uma pandemia sem precedentes, a ciência conseguiu chegar às vacinas que já estão a imunizar as pessoas pelo mundo. Ao mesmo tempo em que isso ocorre, o negacionismo e a anticiência seguem se fortalecendo como nunca conseguiram.
Ao mesmo tempo em que o conhecimento avançou a passos largos (incomparáveis avanços quando comparados com os que ocorrem na gripe espanhola) vemos que a população permanece com a consciência do passado – basta medir os estoques de cloroquina de nosso país.
Ne mesma direção, pressionados pela necessidade de dar comida para os brasileiros que passaram fome durante a pandemia, tivemos uma renda mínima temporária aprovada no congresso (chamada de auxílio emergencial), às custas de intermináveis filas ao sol para o pobres e de poucos cliques para os que apelidaram o auxílio de vale-churrasco – (eles esqueceram que os moradores de rua e mais necessitados não tem telefone celular).
Quando tudo começou (e os casos eram raros) as pessoas estavam aflitas, assustadas. Com o tempo, elas perderam o medo, como se estivessem acostumadas a viver com o perigo. No Brasil, o momento em que a segunda onda emendou com a primeira onda se deu quando não há mais restrição, distanciamento… Até as máscaras vêm sendo esquecidas. Nossas eleições municipais foram um episódio à parte – os abraços, beijos e apertos de mão deram o tom do total desprezo com os riscos que a doença oferece. Em resumo, cansamos do vírus. E nada dele cansar de nós. Nunca morreram tantas pessoas. E por trás de todo este comportamento está o mercado, que precisa se manter rico, custe o que custar.
Não há também como negar que tivemos belezas. Os projetos sociais que montaram marmitas solidárias e que levaram comida para quem tem fome foram grandes fachos de luz que iluminavam as trevas da necropolítica que devorava as nações.
2020 pode ser dito como o ano em que a batalha da luz contra as trevas foi mais explícito. Todos temiam uma terceira guerra mundial – daquelas tradicionais com soldados e bombas. E cá estamos nós em uma guerra muito singular. Os soldados de ambos os lados têm armas. De um lado, as máscaras e o distanciamento. Do outro, a intolerância. Sempre que alguém sai as ruas sem máscara e tenta buscar uma vida social em agrupamentos (que não mais deveriam existir), está sendo soldado do negacionismo, na medida em que está a serviço da morte. Mesmo que não seja a sua vida, mas a de tantos outros que teve contato.
Pode ser apenas um sentimento, mas apesar da vacina e de tudo mais, a humanidade sai de 2020 menor do que entrou. Vimos neste ano que o lucro está acima das vidas das pessoas. E isso foi desenhado da maneira mais explícita possível. Que pena.
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Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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