Para entrar e permanecer na ciência é preciso estar preparado para superar adversidades, as negações e decepções serão muitas alerta Helinando Oliveira
A resiliência é a característica mais desejada e também a mais testada para todos aqueles que escolhem a ciência como caminho a trilhar. A definição de resiliência no Aurélio é “Capacidade de superar, de se recuperar de adversidades”. Superar estas adversidades em tempos de redes sociais não parece ser algo tão simples (e em especial) aos aspirantes à carreira científica. Vejamos, portanto, quais são as fontes de tantas adversidades, seguindo pelo caminho natural de alguém que conclui a graduação e busca ingressar em um mestrado.
A primeira etapa é a aprovação em um programa de pós-graduação junto à escolha da marca que pretende conduzir: apostar em uma instituição nova ou carregar o distintivo de uma instituição consolidada. Em ambas há vantagens e desvantagens a serem pesadas.
O segundo passo é um pouco mais complexo: a luta pela desejada bolsa – um graduado já tem idade suficiente para se manter – e é esperado dele que possa, dentro da universidade, receber pelo trabalho que realiza. Sempre é importante lembrar que as molas que movem a ciência são os pós-graduandos. E quanto mais tempo dedicar à ciência, melhores serão os resultados. Logo, bolsas são fundamentais.
Não logrando êxito nesta etapa, o pós-graduando precisará de emprego fora da universidade e sua pesquisa será restrita aos períodos de liberação que obtiver – o que evidentemente compromete a qualidade da pesquisa realizada.
Sanado este problema, passamos para um terceiro nível que se refere à infraestrutura laboratorial e as adversidades dos escritórios de Brasília, que teimam em definir o que é e o que não é relevante para o Brasil. Neste ponto há o risco de se fazer a escolha por uma área em desidratação, o que pode comprometer todo o futuro profissional do pós-graduando.
Assumindo, todavia, que nosso resiliente estudante tenha superado estas quatro primeiras pedras do caminho e consiga estabelecer um conceito novo para a ciência, terá ele atingido a quinta barreira: a etapa da resiliência contra a rigidez acadêmica.
Como bem definiu Thomas Kuhn: “Uma nova verdade científica não triunfa porque os que se opunham a ela veem a luz e saem convencidos, mas porque eles acabam morrendo e surge uma nova geração mais familiarizada com ela.”
E grandes cientistas (laureados com o prêmio Nobel) sofreram com esta rigidez vinda dos pares: Paul Boyer, Hans Krebs, Kary Mullis e Albert Einstein precisaram perseverar em suas convicções para superar a barreira com que a academia levantava contra seus conceitos.
Assumindo que nosso pós-graduando sobreviva a toda esta celeuma e passe a ser pesquisador de uma universidade ou institutos de pesquisa, passará então a encarar mais uma barreira do processo: ser um anônimo.
Um fã de Claude Simon (prêmio Nobel de Literatura de 1985) resolveu encaminhar a diferentes editoras uma parte de sua obra “O Palácio” sem informar que o autor seria o Nobel Claude Simon. Deste experimento foi constatado que 19 editoras desprezaram/rejeitaram o trabalho do famoso escritor – justamente por figurar nesta situação como um anônimo.
E ser um anônimo fora do eixo Estados Unidos/Europa é algo ainda mais duro. As pessoas demorarão a acreditar que um brasileiro, por exemplo, saiba escrever em bom inglês.
Por vezes pintamos a ciência como algo mágico, encantador… Todavia, é preciso ressaltar que todo este encanto e beleza estão pintados sobre um tecido de resiliência.
Para entrar e permanecer na ciência é preciso estar preparado para as negações e decepções – que serão muitas. Ter muitos artigos significa ter muito mais rejeições.
E estas rejeições devem servir para o aprendizado contínuo. Deve ser como subir em uma perna de pau. Ter a tentação de correr ao tempo em que se lembra da dor que cada queda promove. E seguir no ritmo que for possível, no limite entre a decepção e a alegria. Na certeza de que cada alegria vale por mil decepções. E que após 1000 nãos virá um sim. Após a tempestade vem a bonança. Perseveremos.
Esta é a essência desta coisa complexa que é prolongar o conhecimento humano para além do conhecido.
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Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira