O professor Helinando Oliveira recomenda a prática da ciência do anonimato que é a mais segura e impede que o ego cegue as descobertas
Após a apresentação de uma palestra em uma Escola de Petrolina (em que o tema era a carreira do cientista), uma estudante chegou até mim e disse: “Professor, quero ser cientista, mas minha mãe diz que é melhor ser médica. Cientista só é reconhecido depois que morre!”. Essa pergunta chegou no exato momento em que eu lia sobre a psicologia das redes sociais. Segundo alguns teóricos, estas redes são viciantes porque só têm a opção da curtida. Não podemos ‘descurtir’ os outros. Isso faz com que as pessoas lutem por um capital social que passaria a preencher suas vidas. Lembrei ainda dos meus pais, que nunca lutaram para que eu os amasse, de forma inversa ao que ocorre hoje, quando nós, pais do século XXI lutamos para ser amados por nossos filhos.
Na essência de tudo está a busca incessante por reconhecimento. Buscamos ser reconhecidos pelo dinheiro que ganhamos, pela posição que ocupamos no trabalho, na casa, na igreja, na pelada, no bar, no condomínio, na banca do jornal. Não adianta realizar um passeio socrático (como bem fala o Frei Betto) no shopping, precisamos comprar e preencher nossos vazios. E quando não mais for suficiente preencher este buraco, restarão os comprimidos e tudo mais que o capitalismo tem a nos oferecer para uma vida de ostentações vazias.
Mas ciência não combina com isso. A busca pelas respostas de coisas que podem nem ter resposta é atemporal. O conhecimento é uma busca incessante da humanidade e não pode ser capital de reconhecimento por meros seres seculares. Ele transcende tudo isso.
Na verdade, o reconhecimento da ciência é o desafio. E desafio não é personalizado. Não tem login em redes sociais – não curte ninguém. Ele simplesmente existe. E está à disposição de quem sente o prazer em desvendar mistérios. O cientista não precisa de uma plateia que o aplauda. Todo o necessário para a ciência crescer é um bom sistema educacional, agências de fomento fortes e um grupo de amantes do mistério. Esta receita é poderosa. Daí surgem vacinas, curas para o câncer, aids, doença de Chagas. As pessoas precisam acreditar que os cientistas são servidores, os velhos pensadores da antiguidade que nos dias atuais buscam soluções para o coletivo. Este reconhecimento basta. Medalhas enferrujam, estátuas são derrubadas, nomes de ruas são mudados. A ciência do anonimato é a mais segura de todas, ela impede que o ego cegue as descobertas.
Mas como dizer aquilo àquela menina? Como expressar a opinião de que na sociedade do capitalismo, em que a marca da fabricante vale mais que o produto, a ciência precisa andar na contramão? Recomendei que ela fosse médica e que fizesse um doutorado para estudar a cura de algo que não foi descoberto por ninguém. Assim ela seria reconhecida como médica em vida e como cientista após a morte. Resolvido!
No entanto, para muito além da questão, uma tendência que se mostra atual é a estranheza da nova geração de mestrandos e doutorandos com o criticismo da academia. Rios de elogios são esperados por eles. Mas a ciência é montada sobre uma plataforma altamente crítica, de avaliação por pares. E sabemos que uma boa crítica constrói bem mais que milhares de elogios vazios. É chegado o momento de deixar as redes sociais do lado de fora dos laboratórios de pesquisa. Curtir é bom, mas produzir conhecimento é muito melhor! Ciência raiz – ontem, hoje e sempre. É disso que precisamos.
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