Thiago Jucá lança luz científica sobre a polêmica e mostra que o comportamento homossexual não é uma invenção do homem do século XX, e está presente em outras 450 espécies, entre eles os abutres
Eu queria poder começar esse texto escrevendo: O que faltava não falta mais, pois assim teria a certeza de que não haveria mais nenhuma novidade oriunda da onda conservadora que assola nosso País. Infelizmente, as leis que tramitam no Congresso, algumas decisões liminares e, os inúmeros retrocessos recentes impedem-me de iniciar o texto como desejado. A decisão proferia pelo juiz federal Waldemar de Carvalho que, em nome “da plena liberdade científica”, permitiu em caráter liminar aos psicólogos oferecerem terapia de reversão de orientação sexual, exemplifica bem o momento que vivemos.
Aproveitando esse momento, a Folha de São Paulo publicou uma reportagem, a qual continha o registro de uma carta, datada de 1935, de Freud endereçada à mãe de um homossexual em que ele afirmava “A homossexualidade não pode ser qualificada como uma doença…já que não supõe vício nem degradação alguma. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito”.
Ainda em 1859, Charles Darwin (1809-1882) publica “A origem das espécies por meio da seleção natural”, que entre outras coisas afirmava que a diversidade da vida no planeta poderia ser explicada por meio de um processo de descendência por modificações, no qual a seleção natural seria o principal mecanismo responsável por tais modificações. De acordo com essa teoria, todos os seres vivos estariam interligados por um ancestral comum e, com o ser humano, não seria diferente. Assim, embora Darwin acreditasse que homens e macacos ocupassem ramos diferentes de uma mesma árvore, os mesmos compartilhavam um ancestral comum. Pela primeira vez na história da humanidade, o homem foi inserido “no mundo animal”.
O comportamento homossexual entre indivíduos da mesma espécie não é uma invenção e nem algo pioneiro do homem do século XX, tampouco desta espécie. A ciência animal possui registros desse tipo de comportamento em pelo menos 450 espécies que incluem carneiros, abutres, golfinhos, aves, girafas, salmões, bonobos, ursos, gorilas, flamingos, corujas, dentre outros. Esse comportamento parece estar associado entre outras coisas com: 1) a redução dos conflitos sociais entre indivíduos do mesmo grupo; 2) o fortalecimento das relações de vínculo e dominância; 3) o favorecimento da corte sexual e do cuidado parental. Por tudo isso, acredita-se que esse comportamento tenha sido favorecido como estratégia de sobrevivência. O caso mais emblemático é o dos macacos bonobos que, para aliviar o estresse, as tensões e as brigas dentro do grupo, praticam o sexo.
É fato também que, mesmo com os inúmeros casos de atividade homossexual no mundo animal, ainda existe muita controvérsia no meio científico quanto a esse tipo de comportamento. Tanto pelo preconceito a respeito do assunto como em pesquisá-lo, o que acarreta escassez de estudos, embora o cenário esteja mudando. E, mesmo que o sequenciamento do genoma humano tenha lançado luz sobre alguns genes relacionados com a sexualidade, nenhum deles foi tachado unanimemente como “gene gay” muito menos “gene do macho alfa”. Até porque, do ponto de vista molecular, os genes representam apenas um dos personagens que atuam sinergicamente na questão da sexualidade. Há ainda de se considerar os mecanismos hormonais, a herança epigenética, os aspectos neurobiológicos, dentre outros.
A controvérsia reside no fato de que o comportamento homossexual é possivelmente não darwinista. Argumentam os defensores dessa ideia que um animal que acasala com o outro do mesmo sexo, não transfere herança genética, a cada oportunidade disponível, e portanto, parece estar em desvantagem evolutiva. Os defensores da ideia contida no livro “O gene egoísta” de Richard Dawkins, publicado em 1976, que o digam! Ok, mas e as inúmeras espécies que apresentam esse comportamento?
Dois biólogos evolucionistas – Nathan W. Bailey e Marlene Zuk -, tentaram esclarecer um pouco essa questão ao publicar um artigo de revisão sobre as relações homossexuais no mundo animal na revista científica Trends in Ecology and Evolution, em 2009. Os autores concluíram que, além de ser uma estratégia de adaptação, esse comportamento ajuda a criar um contexto em que a seleção pode ocorrer de maneira diferente dentro de uma população. No albatroz de Laysan (Phoebastria immutabilis), por exemplo, pesquisas anteriores mostraram que, um terço de todos os pares em uma colônia do Havaí, são formados por duas fêmeas. Esse comportamento ajuda os pássaros, cuja colônia tem muito mais fêmeas do que machos, ao permitir que compartilhem as responsabilidades parentais. Proporciona ainda, mais estabilidade aos machos que se acasalam oportunisticamente com fêmeas que formam um par do mesmo sexo.
Já em 1872, Darwin publica o livro “A expressão das emoções no homem e nos animais”. Nesse, ele descreve e traça um paralelo entre as emoções nos animais. Segundo Darwin, as emoções observadas no H. sapiens eram resquícios herdados de antepassados primitivos, comum a outros animais. Essa obra inaugura as tentativas de compreender aspectos biológicos do comportamento animal. Este, por sua vez, reforça ainda mais a nossa ancestralidade e fortalece a ideia da nossa falta de pioneirismo quando, por exemplo: a genômica mostrou que a nossa espécie (H. sapiens) possui menos genes que o arroz (O. sativa); a evolução mostrou que não somos o ápice da criação, mas sim uma espécie que compartilha com outras espécies, como o bonobo (Pan paniscus) – cujos indivíduos são notórios por apresentar um comportamento homossexual muito ativo – um ancestral comum mais recente; a bioquímica mostrou que a nossa espécie possui proteínas muito similares a de alguns vermes nematódeos (C. elegans), com a diferença de apenas alguns poucos aminoácidos.
Resumo da história: uma coisa que certamente é exclusiva à nossa espécie é a discriminação e intolerância para com as diferenças, tanto que ainda não se viu registros desse tipo entre indivíduos de outras espécies. E, “a plena liberdade científica”, jamais poderá servir como “cortina de fumaça” para esconder a discriminação e a intolerância que norteiam o comportamento de alguns indivíduos.
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Thiago Jucá