O aumento no nível de confiança nos cientistas pelos americanos serve como parâmetro para reflexão sobre o atual cenário de crise orçamentária enfrentado pela ciência nacional
O prestigiado jornal inglês The Guardian repercutiu recente pesquisa realizada pelo Pew Research Center (PRC) sobre a confiança e a desconfiança na opinião de americanos acerca de cientistas. O PRC é um centro americano de informações que reporta ao público questões, atitudes e tendências que moldam o mundo por meio de pesquisas de opinião pública, pesquisa demográfica, análise de conteúdo e outras pesquisas de ciências sociais baseadas em dados. O PRC se define como apartidário e, portanto, isento de posições políticas.
Aquela pesquisa mostrou que os cientistas ocupam posição importante na lista das profissões mais confiáveis dos EUA, colocando-se à frente de militares, líderes empresariais, jornalistas, diretores de escola e políticos. O aumento da confiança pública dos americanos nos cientistas está associado ao fato de que aqueles acreditam que estes agem de acordo com os melhores interesses do público, isso quando comparado às demais profissões citadas. Enquanto houve aumento na proporção – de 21% para 35% desde 2016 − de pessoas com um “grande” nível de confiança nos cientistas, a confiança em profissões não científicas permaneceu estável desde então.
Os dados sobre a importância dos cientistas para os americanos servem como parâmetro para reflexão sobre o atual cenário de crise orçamentária enfrentado pela ciência nacional, que tem afetado importantes instituições nacionais atreladas à pesquisa como a Capes e o CNPq. Enquanto a confiança do público americano nos cientistas está em ascensão, com seis em cada dez americanos declarando que os cientistas devem ter um papel ativo nos debates sobre questões científicas; por aqui foi pavimentada uma rota de colisão entre a ciência nacional e uma parte da classe política, que tem gerado debate por parte da sociedade civil quanto à importância da ciência no país.
A pesquisa do Pew Research Center também revela uma série de tendências intrigantes. A principal delas talvez seja a acentuada divisão de opiniões segundo as duas linhas partidárias americanas. 43% dos democratas dizem ter um “grande” nível de confiança nos cientistas, número consideravelmente maior quando comparado ao dos republicanos, que é de 27%. Quase três quartos dos democratas querem que os cientistas participem ativamente da política, enquanto a maioria dos republicanos acha que os pesquisadores devem se ater a estabelecer fatos e ficar de fora desses debates. Os democratas também estão mais inclinados do que os republicanos (62% a 44%) a acreditar que os cientistas tomam as suas decisões com base apenas nos fatos.
Os dados também mostram que a problemática ambiental não deixou de ser uma questão polêmica, sugerindo que as causas e os impactos do aquecimento do clima continuarão a ser discutidos através das linhas partidárias. A maioria dos democratas (70%) têm opiniões “majoritariamente positivas” sobre os cientistas ambientais, enquanto que apenas 40% dos republicanos expressam o mesmo. Da mesma forma, quase metade dos democratas (47%) confia em cientistas ambientais para fornecer informações justas e precisas sobre seu trabalho “na maior parte do tempo”, declaração com a qual menos de um em cada cinco republicanos concorda.
Um dos resultados interessantes apontados na pesquisa conduzida pelo Pew Research Center foi o que mostrou que mais da metade dos entrevistados afirmaram ter maior confiança em descobertas científicas quando os pesquisadores disponibilizam dados publicamente, seguindo tendência mundial de disponibilização das informações em rede, isto é, de acordo com a prática científica da ciência aberta (Open Science).
Pesquisa semelhante à do Pew Research, mas realizada em escala global, foi conduzida pela Fundação Wellcome em 2018. Esse estudo, acerca da visão mundial sobre Ciência e Saúde, questionou mais de 140 mil pessoas em mais de 140 países. No geral, descobriu-se que 18% dos entrevistados tinham um alto nível de confiança nos cientistas, mas 54% deles expressaram apenas um nível médio. Ou seja, há um imenso território a ser conquistado pelas cruzadas científicas. Por isso, navegar é preciso.
A leitura dos resultados das pesquisas do Pew Research Center e da Fundação Wellcome permite inferir que aumentar o grau de confiança da sociedade em relação aos pesquisadores brasileiros e em relação às instituições científicas do país seria o primeiro passo rumo às mudanças no cenário crescente de descrença quanto à importância dos cientistas. Não há outra alternativa senão estreitar os canais de comunicação entre os agentes diretamente envolvidos com a ciência e a sociedade brasileira. Artigos científicos publicados em periódicos de maior relevância e impacto são muito importantes para difusão do conhecimento científico. Eles são a cereja do bolo tanto para os pleiteantes de financiamento quanto para os órgãos de fomento, mas não são o fim em si mesmos. Muros precisam ser transpostos ou derrubados e velhos paradigmas precisam ser lançados ao mar. Dialogar com a sociedade é preciso, sobretudo pelo poder que ela possui de mudar a realidade. Apenas a pressão popular fará com que os tomadores de decisão revejam as suas posições. Não há mais tempo a perder. A ciência nacional tem que entrar na agenda política.
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Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
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