Entender a verdade vem sendo uma tarefa cada vez mais árdua e que requer uma população cada vez mais educada e consciente
A busca pela verdade sempre motivou a humanidade a avançar em diferentes áreas de conhecimento. De forma sintética, esta verdade é revelada sob dois prismas: o da verdade indiscutível e o da verdade discutível. A verdade indiscutível é absoluta e dogmática – não cabendo opções para além do acreditar ou não acreditar. A ótica da fé estabelece a distinção entre os dois lados. E neste ponto é importante entender que esta linha demarca exatamente a separação entre a religião e a ciência. Mesmo que não haja interseção entre elas, esta distinção pode viabilizar ambas.
Por outro lado, a verdade discutível abre espaço para o aperfeiçoamento de princípios e estruturação do pensamento. É nela que a ciência se alicerça, a partir de um conjunto de regras que envolvem a observação, lançamento de hipóteses, experimentação, análise e conclusões. A participação de pares que avaliam, criticam, sugerem e lançam novos apontamentos é fundamental para o desenvolver do conhecimento. É por isso que a ciência (embora delineada por ícones – mentes brilhantes) é uma obra anônima da inteligência humana, uma vez que a discussão fortalece a busca permanente pela verdade.
No entanto, essa impessoalidade passa a entrar em rota de colisão com quem domina as narrativas. Com o intuito de modelar a opinião pública, uma mistura tendenciosa e perigosa de verdades discutíveis e indiscutíveis gera aquilo que foi definido como o pós-verdade. Com o apelo emocional e o apego às crenças, a política da pós-verdade tenta colocar a ciência e toda a verdade discutível em segundo plano, criando absolutismos de verdades inabaláveis.
O fortalecimento das redes sociais surge como força criadora de bolhas que estruturam convicções a partir do direcionamento e filtragem de matérias e postagens. Consumidores com perfil moldado e testado pelas hipóteses mais absurdas possíveis: colocar gente na rua para defender o terraplanismo é o teste capital do cheque em branco que se passa com a adesão à pós-verdade.
Mas ainda pior do que tudo isso é a manipulação da ciência a serviço da pseudociência. Para isso, o serviço sujo é realizado pelas revistas predadoras. Este conceito é relativamente novo e se refere aos periódicos caça níqueis, que estão interessados nas taxas de publicação. Para garantir seu público, estes periódicos garantem publicação imediata sem avaliação dos pares. É o uso literal do velho ditado: “no papel tudo cabe”. E assim, toda e qualquer aberração passa a ser conteúdo da “ciência”, com doi, issn e tudo mais. Um texto genérico sobre uso de alho poró para tratamento de unha encravada será agora referenciado por Fulano et al., 2021.
O fato é que as bordas que separam ciência de pseudociência, pós-verdade, necropolítica e todo tipo de fundamentalismo vem se misturando de um modo muito estranho. Entender a verdade vem sendo uma tarefa cada vez mais árdua e que requer uma população cada vez mais educada e consciente. Fugir dos títulos fantasiosos e das fontes desconhecidas, não compartilhar conteúdo duvidoso e questionar seguem como reações desejáveis em um mundo que anseia por verdades cada vez mais discutíveis.
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Leia o texto anterior: O sertão e a caatinga
Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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