Por um Jornalismo que abra fissura na colonialidade Diversidades

segunda-feira, 27 janeiro 2025
O Jornalismo, como produto da modernidade, contribuiu para a propagação de ideologias racistas, sexistas, classistas e heterossexistas. (Imagem: Reprodução Portal Outras Palavras)

A decolonialidade no jornalismo propõe libertar a palavra e a comunicação, rompendo com a lógica colonial que estrutura a modernidade e perpetua a opressão

(Alice Andrade)

O jornalismo hegemônico, desde suas origens, atuou como um instrumento de potencialização da dominação colonial, difundindo a visão de mundo ocidental e colaborando para a manutenção do sistema-mundo imperialista e colonialista. A racionalidade técnica imbuída na produção jornalística, voltada para o desempenho econômico e a eficiência produtiva, reforça a lógica da dominação. Essa racionalidade revela a natureza organizativa da comunicação, impulsionada pela informação como operadora da economia financeira.

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Assim, a ideologia da colonialidade não é apenas transmitida pelos meios de comunicação, mas está intrinsecamente ligada à sua engrenagem tecnológica e sistêmica capitalista. Se nossas subjetividades são formadas também pelos acoplamentos simbólicos disseminados pela mídia, questionar essas lógicas é fundamental para que possamos criar fissuras nesse sistema.

A comunicação de massa, sob a perspectiva colonial, é reduzida a um processo de transmissão de conteúdos informativos, no qual um emissor ativo exerce controle sobre receptores passivos. Sob o manto/mito da imparcialidade, se perpetua como se não defendesse ideias, posicionamentos e modos de vida que fortaleçam o capitalismo imperialista – ao longo da sua história e na atualidade. Essa concepção perpetua a hierarquia colonial, na qual o emissor é o colonizador e o receptor, o colonizado. Essa relação de imposição mecânica desumaniza os povos não europeus e aprofunda a incomunicação.

Anticolonização do Jornalismo

Buscando uma alternativa crítica à decolonização do jornalismo, em texto desta coluna, a professora Sarah Fontenelle Santos propõe a anticolonização do jornalismo, que começa pela libertação da palavra, do imaginário e da linguagem, desafiando os padrões eurocêntricos e coloniais que oprimem. Ela argumenta que a colonialidade no jornalismo se manifesta na busca pela objetividade, nos critérios de noticiabilidade e na padronização da linguagem e estética.

A comunicação de massa, na perspectiva colonial, sob o mito da imparcialidade, se perpetua como se não defendesse ideias, posicionamentos e modos de vida que fortaleçam o capitalismo imperialista (Foto: Nossa Ciência)

Então, sugere que, em vez de seguir os domínios do lead ou da pirâmide invertida, é preciso dar espaço para vozes e saberes não colonizados, mesmo que isso signifique “escrever mal ortografado” ou “cantar desafinado”, pois são essas as manifestações da desobediência epistêmica, estética, política e ética. Aqui, ainda presa às raízes da colonialidade epistêmica no uso do conceito, articulo o jornalismo decolonial como um primeiro exercício para lançar feitiço contra o “mal-agouro” apontado pela professora em sua análise.

O giro decolonial, abordado por autores como Maria Lugones e Aníbal Quijano, surge como um movimento de resistência à lógica da modernidade/colonialidade, buscando desestruturar a própria lógica colonial. Esse movimento abarca a dimensão epistemológica, questionando a visão instrumental da comunicação e do jornalismo. Torrico discute a necessidade de decolonizar a comunicação colocando a tecnologia em suspeição, pois ela reduz a comunicação a uma ferramenta da colonialidade. Para o autor, a tecnologia corrompe a comunicação, sustentando a hierarquia e o unilateralismo. As tecnologias digitais, nesse sentido, não representam uma ruptura com as tecnologias analógicas, mas aprofundam a lógica do extrativismo de dados, atenção e força de trabalho, consolidando uma nova era de apropriação colonial.

Negação da humanidade de povos não-europeus

A proposta decolonial de Torrico busca desestruturar a lógica colonial por meio da noção de subalternidade, reconhecendo que a condição colonial implica a negação da humanidade dos povos não-europeus. A subalternidade, nesse contexto, permite analisar criticamente as intersecções de submissões baseadas em raça, gênero, classe, sexualidade, idade, localidade, etc. A batalha decolonial na comunicação, portanto, é travada no campo epistemológico, buscando fissurar práticas de comunicação, como o jornalismo, para que se abram a outras epistemologias, ideias e cosmovisões.

A comunicação decolonial, segundo Torrico, deve ser dialógica e convivial, construindo um “com-saber” em uma relação recíproca. Essa comunicação “ex-cêntrica”, afastada do centro, busca resgatar o sentido libertador da comunicação, afirmando a alteridade ocultada pela dominação. A comunicação decolonial propõe não o desejo a um lugar de hegemonia, e sim uma pluralidade, uma alteração do status quo.

Nos campos da Comunicação e Estudos da Mídia atrelados à decolonialidade, tem-se discutido que o jornalismo, enquanto ferramenta de disseminação de visões de mundo, ocupa um espaço central na consolidação da modernidade e na perpetuação da colonialidade do poder. A perspectiva decolonial emerge como um movimento de resistência a essa lógica, buscando reconfigurar as práticas jornalísticas e desafiar as estruturas de poder e opressão.

O pensamento decolonial busca romper com as estruturas racistas, sexistas, classistas e heterossexistas que sustentam a visão de mundo ocidental/moderna. O jornalismo, como produto da modernidade, contribuiu para a propagação dessas ideologias.

Referências

(Não perca a continuação desse texto. Até lá!)

Leia outro texto da mesma autora: Ainda é tempo de aquilombar

Alice Andrade é jornalista, professora do curso de Jornalismo na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN)

A coluna Diversidades tem a curadoria do grupo de pesquisa DESCOM – Insurgências Decoloniais, Comunicação, Artes e Humanidades, do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Alice Andrade

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