Por que o ovo fazia mal e agora não faz? Coluna do Jucá

quinta-feira, 21 novembro 2019

O que incomoda as pessoas é que os cientistas nunca têm certeza de nada, mas é exatamente isso que faz a ciência ser tão confiável

Encerrando a série de textos da bióloga Gracielle Higino uma explicação sobre a confiabilidade da ciência. Segundo ela, todos os resultados das pesquisas científicas têm uma incerteza associada. A cientista que busca por respostas a perguntas relacionadas à biodiversidade e sua distribuição no planeta, foi uma das selecionadas na primeira edição do Camp Serrapilheira de Divulgação Científica e Co-líder do projeto IGNITE (treinamento imersivo em divulgação científica) e do Julia CluBR (grupo de estudos sobre a linguagem de programação Julia). Sua paixão por ciência e descentralização do conhecimento tornou inevitável seu envolvimento com clubes, grupos de estudo e treinamentos em ciência aberta, reprodutibilidade de divulgação científica.

Por que o ovo fazia mal e agora não faz

Mentira, não vou falar sobre ovos.

Todo mundo já usou ou já ouviu alguém usar o argumento do ovo.

“Até um tempo atrás, comer ovo fazia mal, hoje todo mundo recomenda. Amanhã dirão que faz mal de novo”

Gracielle Higino

O desdobramento desta frase segue variações, desde conspirações do governo até moda e dieta. Mas por trás disso geralmente está o questionamento sobre a confiabilidade da ciência. Porque por trás das dietas (não tanto por trás das conspirações) sempre tem um cientista que dá ovos mexidos aos macaquinhos de laboratório e observam se eles morrem do coração ou não.

Sempre que surge uma novidade científica nos programas de TV, uma notícia sobre algum alimento, alguma nova recomendação de saúde, é batata que alguém na sala vai usar o argumento do ovo. “Não dá pra confiar nessas coisas”, eles completariam. Será que as pessoas estão certas em não confiar na ciência?

Até certo ponto, sim. É maravilhoso quando ninguém confia em ninguém! Não, péra…

O que quero dizer é que uma sociedade cética é mais saudável. É a desconfiança que faz o cidadão conferir o histórico de um político antes de decidir votar nele. Que faz olhar o prazo de validade das mercadorias, conferir os preços das coisas no caixa e na notinha. É por causa do ceticismo que as pessoas não acreditam em tudo o que veem na TV, mesmo se for alguém com um jaleco branco dizendo que o bom mesmo é comer ovo.

Só que algumas coisas têm mais credibilidade que outras. A gente confia mais nos conselhos da mamãe que nos de um desconhecido porque ela nos conhece melhor. Mas provavelmente o desconhecido consegue avaliar melhor o seu trabalho que a mamãe, simplesmente porque a mamãe te ama e nunca diria que essa bosta que você fez não vale nada.

A ciência diz. A ciência, até hoje, é a ferramenta mais imparcial que a sociedade tem. O método científico permite que uma mesma hipótese seja testada inúmeras vezes, independentemente. E todo mundo pode saber o que deu certo e o que não deu. O que incomoda as pessoas é que os cientistas nunca têm certeza de nada, mas é exatamente isso que faz a ciência ser tão confiável.

Todos os resultados das pesquisas científicas têm uma incerteza associada. Os cientistas quase sempre falam que algo tem X% de chance de ser de um jeito ou de outro. Isso é muito legal porque podemos saber qual a chance de o cientista estar errado, é uma medida (virtualmente) exata do nosso conhecimento sobre determinado assunto. Em um universo tão grande, com tantos anos de idade, saber o quanto você conhece dele é uma boa vantagem.

Quando um cientista diz que comer ovo pode fazer mal para 57.98% da população, ele te ajuda mais que uma pessoa que mora muito longe de você e diz que comer ovo faz mal porque ela comeu um dia e ficou doente, no mesmo dia em que outra pessoa na casa ao lado também comeu e ficou doente. A ciência não se baseia em experiências pessoais e por isso os resultados científicos têm mais chances de se aplicarem a você ou a algo que você conhece.

Porque há uma margem de incerteza, de tempos em tempos uma ideia muda na ciência. Isso pode acontecer porque, por exemplo, hoje temos um aparelho que pode medir uma variável que não podíamos medir antes, e esta medida nos aproxima mais da resposta real de uma pergunta. Os cientistas estão sempre sendo postos à prova e todos os dias surgem novos cientistas. Desta forma, o que um dia pode ser a melhor resposta que temos, pode ser a segunda melhor no dia seguinte.

A flexibilidade da ciência, combinada com a rigidez do seu método, resulta em um tipo de conhecimento muitíssimo confiável. Mas é preciso estar atento e atualizado. O conhecimento científico de 5 anos atrás pode não se aplicar mais hoje em dia, e isso não é ruim. Por isso, se estiver com vontade, coma ovo. Mas se os cientistas disserem que faz mal, por via das dúvidas, é melhor comer menos ovos.

Texto publicado originalmente no perfil da Gracielle no Medium

A Coluna do Jucá é atualizada às quintas-feiras. Leia, opine, compartilhe, curta. Use a hashtag #ColunadoJuca. Estamos no Facebook (nossaciencia), no Instagram (nossaciencia), no Twitter (nossaciencia).

Leia o texto anterior: A importância do encantamento na comunicação científica

Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.

Thiago Jucá

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital