O Impacto da Economia Digital, Jogos de Azar e Falta de Educação na Sociedade Moderna
(Gláucio Brandão)
Manhã do primeiro dia do ano, eis que recebo via Telegram uma figurinha enviada por meu “velho” amigo França.
E como qualquer dica é capaz de me levar a vários insights, na busca pelo artigo que trazia a imagem encontrei: OnlyFans agora vale mais que as 5 maiores startups de educação dos EUA somadas!.
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Com base na lei de Murphy, “Se alguma coisa tem a mais remota chance de dar errado, certamente dará” – o que está ruim ainda pode piorar –, o mesmo site da Blocktrends me levou a outra matéria: 35% dos jovens trocaram faculdade por bets no Brasil em 2024, diz estudo”, onde pode-se ler: “As classes D e E são as que mais sofrem o impacto, ou que mais apostam. Mais de 70% dos apostadores dessas faixas de renda relataram que nunca recuperaram o valor investido em apostas. São esses que historicamente escolhem por cursos a distância e podem em função dessa deterioração frear sua decisão. É um tema latente, e é crítico, afirmou Infante. O estudo também aponta que, enquanto os brasileiros gastam bilhões em apostas, menos de 1% obtêm lucro”.
Finalmente, para endossar o que debateremos nesta Aula Condensada (AC), um artigo da Rádio Senado mostra que mais de 24% dos jovens entre 16 e 24 anos são “nem-nem”: nem estudam, nem trabalham.
Não quero parecer dramático, mas se continuarmos errando feio deste jeito, na busca por soluções, tais fatos poderão levar ao ocaso de uma nação, a nossa. Surge então a indagação: o que fazer para parar e, na sequência, reverter esse quadro? Que tipo de ruptura temos que promover.
“Definir o problema, por mais redundante que isso possa parecer, é o maior dos problemas. Tendo isso bem-feito, a solução surgirá como uma consequência”. (GBB-San,22/01/20). Antes de definir qualquer coisa, é preciso contextualizar, o que farei colocando o exposto no formato de premissas (P):
P1. O fato de o site de entretenimento adulto ser mais valioso do que iniciativas educacionais de grande porte reflete o poder de mercado baseado no desejo e no consumo instantâneo, comparado ao investimento em longo prazo em educação, com retorno mais demorado, porém mais impactante para a humanidade. P1 também aponta para a comercialização do conteúdo explícito e como ele molda a economia digital, ao mesmo tempo em que suscita questões éticas sobre os limites da lucratividade em setores delicados e estratégicos.
P2. Nomear apostas esportivas e jogos de azar como “investimento” reflete a gamificação da economia e a abordagem especulativa da geração de riqueza, o que mostra uma sociedade cada vez mais voltada para a busca de ganhos rápidos, em vez de desenvolvimento sustentável e produtivo. A popularidade dessas práticas pode ser vista como um sintoma de desigualdade econômica: quando outros caminhos para a ascensão social se tornam inviáveis, as pessoas buscam alternativas de risco elevado, muitas vezes até escusos. Claro, não posso esquecer do efeito dopamina, mas vou deixar isso para outra AC.
P3. Os “nem-nem”, fenômeno mundialmente conhecido nos estudos sociais como jovens “NEET” (Not in Education, Employment or Training) – aqueles que não estão estudando, trabalhando ou em treinamento –, podem ter por causa múltiplos fatores:
Essas premissas moldam um quadro preocupante de um desequilíbrio social e cultural.
Como mencionei, resolver um problema exige sua montagem, que só pode ser feita por meio da correta definição de três elementos: incógnitas, dados pertinentes e condicionantes.
Incógnitas
Por serem desconhecidas, são o coração das perguntas. Vamos a algumas:
Condicionantes
As premissas apontam fortemente para uma crise de valores, onde o imediatismo e o (a sensação de) lucro têm mais peso do que o investimento em educação e desenvolvimento humano. Compreender essas dinâmicas para reequilibrar prioridades é primordial:
Dados pertinentes
Pronto: contexto montado!
Agora que sugeri uma modelagem inicial, seguem sugestões de abordagem para cada uma das premissas levantadas, com rupturas necessárias.
Para P1. Criar plataformas educacionais tão envolventes quanto o entretenimento adulto, utilizando tecnologias como realidade virtual (VR), inteligência artificial (IA) e jogos.
Para P2. Projetar aplicativos que ensinem habilidades financeiras por meio de simulações, jogos e desafios, substituindo a emoção do jogo de azar por decisões financeiras saudáveis.
Para P3. Desenvolver uma plataforma que conecte jovens a causas sociais, projetos criativos ou experiências personalizadas que despertem seu interesse e propósito.
Por que se está errando tanto? Evidentemente, a modelagem ancorada nas premissas que propus são incipientes, pois não sou estudioso da área, além de ter bolado este texto em um par de horas. Imaginem o que especialistas, junto a gestores políticos com vontade, fariam se levassem essa problemática a sério? A impressão que se tem é que existem propósitos escusos, negligência, pura incompetência ou todas as alternativas juntas, uma vez que tais celeumas correm por décadas. Se é por falta de modelos ou insights que apontem soluções, ei-los!
Finalizando… Defendo a hipótese de que uma nação com baixa instrução terá fraca cognição e, por consequência, será facilmente controlada, para o bem ou para o mal. As premissas que apontei sugerem que isto está acontecendo em grande escala, e não só aqui no Brasil. Não me refiro apenas ao controle exercido por pessoas ou por instituições de forma digital e aparentemente legal, mas também ao efeito colateral que essa detonação mental está produzindo: a necessidade de expandir o efeito dopaminérgico ao máximo, facilitando a infestação de muitas nações pelo que há de pior, as drogas ilícitas.
Mentes jovens, mas sem propósitos, podem ser facilmente cooptadas e incorretamente modeladas. Como resultado, caminhamos para a criação de uma sociedade zumbi, que entrará em colapso assim que o número de improdutivos ultrapassar o número de produtivos. Trabalho para que esse dia não chegue, embora admita que uma grande bomba está armada.
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Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e gerente executivo da incubadora inPACTA (ECT-UFRN)
Gláucio Brandão
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