A Lei de Gall: Como a Simplicidade Impulsiona a Inovação e Reduz o Viés da Complexidade
(Gláucio Brandão)
“Um sistema complexo que funciona invariavelmente evoluiu de um sistema simples que funcionou.”
Esta frase foi criada por John Gall (1925 – 2014), um autor, acadêmico e pediatra americano, célebre por seu livro de 1975, General Systemantics: An Essay on How Systems Work, and Especially How They Fail. A principal tese do livro é uma crítica à teoria dos sistemas, com a declaração mais notável (essa que encabeça a Aula Condensada) ficando conhecida como a Lei de Gall.
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A afirmação de Gall enfatiza que sistemas bem-sucedidos e complexos geralmente se desenvolvem a partir de sistemas mais simples que já demonstraram um funcionamento eficaz. Portanto, a simplicidade funcional deveria ser a base para a complexidade, destacando a importância de começar com sistemas simples e bem projetados antes de adicionar complexidade.
Em tempos de excesso de informações, startups, inovações, disrupções etc., tendemos a criar o chamado viés da complexidade: quanto mais complexa (cheia de coisas) aparenta ser uma solução, melhor será determinado produto, processo, serviço, squad ou startup (P2S3).
Segundo Donald A. Norman, autor do livro Living with Complexity, “O viés da complexidade é uma tendência cognitiva que leva as pessoas a preferirem soluções ou explicações mais complexas, mesmo quando alternativas mais simples seriam igualmente eficazes. Essa preferência pode ser motivada pela ideia de que complexidade confere maior valor ou sofisticação, mesmo sem evidência de superioridade prática. Esse viés aparece em diversas áreas, como decisões empresariais, marketing e até na linguagem, com o uso de jargões para parecer mais crível”.
Em termos de inovação, o que significa reduzir o viés da complexidade?
Se refletirmos bem sobre tudo que está escrito, não conseguiremos escapar da pergunta óbvia: Por que complicamos tanto as coisas?
Segundo Norman, existem diversas razões pelas quais nos comportamos dessa forma:
Necessidade de justificativa. A mente humana busca constantemente explicações e justificativas para tudo. Soluções complexas, com muitas variáveis e nuances, parecem oferecer uma justificativa mais robusta e completa, mesmo que não sejam necessariamente as mais eficientes.
Status e reconhecimento. Soluções complexas podem ser associadas a maior inteligência, conhecimento e expertise. Ao apresentar uma solução complexa, a pessoa pode buscar reconhecimento social e reforçar sua própria autoimagem.
Incerteza e controle. Em um mundo incerto, a complexidade pode oferecer uma falsa sensação de controle. Ao criar modelos e sistemas complexos, acreditamos que podemos prever e controlar melhor os eventos.
Cultura e educação. Nossa cultura e educação valorizam a complexidade e a profundidade. Desde a escola, somos incentivados a buscar respostas elaboradas e a demonstrar nosso conhecimento através de análises complexas.
Evolução cognitiva. Pesquisas sugerem que o viés da complexidade pode ter raízes evolutivas. Em um ambiente complexo e imprevisível, a capacidade de analisar e interpretar informações complexas pode ter sido uma vantagem adaptativa.
Medo do erro. Ao optar por soluções complexas, acreditamos que reduzimos as chances de errar. Paradoxalmente, soluções complexas tendem a ser mais propensas a falhas, pois há mais variáveis a serem consideradas.
Perfeição ilusória: A busca pela perfeição nos leva a criar soluções cada vez mais complexas, na tentativa de eliminar todas as possíveis falhas. No entanto, a perfeição é um ideal inalcançável e essa busca constante pode nos levar a perder de vista o objetivo principal.
Além desses fatores, é importante considerar o contexto em que nos encontramos:
Pressão social. Em ambientes profissionais ou acadêmicos, pode haver uma pressão para apresentar soluções complexas e sofisticadas.
Disponibilidade de informações. A quantidade de informações disponíveis hoje é imensa. Isso pode levar à sobrecarga de informações e à dificuldade em identificar as informações mais relevantes para a resolução de um problema.
Tecnologia: A tecnologia nos permite criar soluções cada vez mais complexas. No entanto, nem sempre a solução mais complexa é a melhor.
“Quanto mais complexo é um sistema, maior sua propensão a falhas”.
Essa é uma máxima da engenharia de sistemas e gerenciamento de projetos. Sistemas mais complexos geralmente têm mais componentes e interdependências, o que pode aumentar a probabilidade de erros, falhas e dificuldades na manutenção. As razões para que isso aconteça passam pela (i) interdependência de componentes, onde a falha em um pode afetar outros e causar falhas em cascata; (ii) a dificuldade na detecção de problemas, tornando a identificação e diagnóstico mais demorados e desafiadores; (iii) a manutenção e atualizações que exigem mais recursos e aumentam o risco de novos erros; e, finalmente (iv) a complexidade de compreensão humana, que pode levar a decisões inadequadas ou incorretas na operação e gerenciamento do sistema.
Somos complexos por natureza! Mesmo assim, será que dá pra reduzir esse viés?
A primeira coisa a ser feita é refletir, buscar entender as razões pelas quais estamos complicando determinada coisa e tentar tomar decisões mais racionais e eficazes. Isso vale tanto para a vida pessoal quanto profissional. Devemos sempre questionar a complexidade. Ou seja, ao buscar soluções questione se o problema realmente exige uma solução tão elaborada.
Deve-se valorizar a simplicidade, reconhecendo que soluções modestas podem ser igualmente eficazes e, muitas vezes, mais eficientes. Tente explicar para si mesmo suas ideias de forma clara e concisa, evitando jargões e tecnicismos desnecessários. Procure ver tudo por vários ângulos: considere diferentes perspectivas, procure outras opiniões e esteja aberto a soluções mais elegantes. Teste e itere (fazer várias vezes), começando com o simples e “complexando” gradualmente, testando e ajustando conforme necessário.
A regra que vale aqui não deve se basear naquele velho aforismo, “devagar e sempre”, mas noutro que eu adoro: incrementalmente e sempre! Do simples para o complicado, caso seja necessário.
Falamos em complexidade e simplicidade para chegarmos ao que interessa numa coluna chamada “Disruptiva”. Em termos de inovação, o que significa reduzir o viés da complexidade? É possível automatizar a busca por inovações simples? A resposta é sim, diz GBB-San.
Como era de se esperar, esse macete virá na forma de um desenho e um algoritmo. O objetivo é guiar mentes inovadoras no desenvolvimento de soluções “inderrubáveis”, aquelas que para serem efetivas e sustentáveis têm por alma a simplicidade. O conceito que trabalha a simplicidade na inovação foi apresentado na AC Métricas: meu reino por números, escrita lá pelos idos de 2019. Lembram? Ok, olha ele aqui:
Idealidade Inovadora = Benefícios / (Custos + Efeitos Indesejáveis)
E a abstração gráfica desse conceito tá nesse desenho porreta, que mostra para que lado devemos guiar nossa potencial inovação.
O algoritmo roda simples:
A idealidade caminhará para reduzir ao máximo a complexidade da solução, eliminando aquilo que é desnecessário. Se você fizer tudo direitinho, terá o P2S3 mais simples do mundo, e sua solução será inderrubável.
Entre vários fatores: modelo de negócio equivocado, time errado, P2S3 não desejável pelo mercado e solução já batida, o fator que mais influencia na quebra de 97% das potenciais startups que alçaram voo está na falta de definição do problema real a ser resolvido, cujo coração (na verdade, o problema cardíaco) está no grau de complexidade dos processos utilizados nas buscas por soluções. Tenha sempre em mente uma frase que é atribuída a Leonardo da Vinci: “A simplicidade é o último grau de sofisticação.”
A verdadeira sofisticação e elegância muitas vezes moram em soluções simples e bem pensadas. Portanto, inove simples!
Leia também: O efeito de rede
Leia outros textos (ou outras Aulas Condensadas) da coluna Disruptiva
Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e gerente executivo da incubadora inPACTA (ECT-UFRN)
Gláucio Brandão
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