PODER, RESISTÊNCIA E HUMOR NO CONTEXTO DE VIGILÂNCIA DIGITAL Linguaruda

segunda-feira, 7 outubro 2024
(Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

Há estratégias de resistência possíveis para o fato de que todos os dados e rastros de cada pessoa na internet são vigiados e manipulados pelas Big Techs?

A professora Cellina Muniz aborda o conceito de “panóptico digital”. Ao mesmo tempo em que Big Techs coletam e manipulam nossos dados pessoais, há resistência possível. O humor pode ser uma forma de resistência ao expor contradições.

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Eu, você e todo aquele que faz uso da internet, especialmente, das redes sociais, estamos sujeito ao panóptico digital, tenhamos consciência disso ou não. Mais uma dentre tantas formas de interpelação às quais estamos sujeitos na nossa complexa subjetividade.

A noção de panóptico digital está intimamente atrelada ao que o filósofo Byung-Chul Han designa como psicopolítica: uma nova forma de poder, articulada pelo neoliberalismo e pelo contexto digital, poder esse que incide sobre os indivíduos não mais exclusivamente por meio do disciplinamento dos corpos e sim pela crescente sedução sutil sobre suas psiques.

Quando se pensa, então, em governamentalidade do algoritmo e colonialismo de dados, a coisa fica mais angustiante ainda. Como lidar com a ideia de que todos os nossos dados e rastros na internet são vigiados e manipulados pelas Big Techs, as megacorporações empresariais de tecnologia da informação?

Governamentalidade

Guilherme Primo, por exemplo, em “A virtualização da experiência de si”, apresenta dados bastante inquietantes acerca desse panóptico digital:

No dia 17 de março de 2018, os jornais The New York Times e The Observer/The Guardian reportaram, em conjunto, que a Cambridge Analytica, empresa privada de análise de dados e inteligência estratégica, havia coletado informações pessoais de até 87 milhões de usuários do Facebook desde 2014, traçando perfis psicológicos a partir do cruzamento algorítmico de dados, que podem conter cerca de 9 mil pontos sobre a personalidade de um indivíduo – dos mais sutis desejos e preferências, até o padrão de consumo e movimentação geográfica diária etc. (Primo, 2024, p. 29).

Essa discussão está na ordem do dia e ela apresenta mais indagações do que respostas propriamente ditas. Como ser e estar nesse mundo digital? É possível, de alguma forma, resistir?

O velho e bom Michel Foucault já dizia, “ali onde há poder, há resistência” e algumas possibilidades sempre hão de surgir. Sérgio Amadeu da Silveira, por exemplo, sugere alguns caminhos básicos, como, por exemplo, o combate à crença na neutralidade dos usos tecnológicos e das plataformas, bem como a exigência de apoio à inteligência local e desenvolvimento de tecnologias que garantam a soberania da gestão pública, sobretudo em países periféricos.

Quanto a mim, na condição de pesquisadora do humor e suas práticas discursivas, pergunto-me também se essa não seria uma outra alternativa: a resistência pelo posicionamento crítico que certos textos humorísticos podem ensejar.

Incongruência semântica

Evidentemente, nem todo humor é contestador ou revolucionário, que o digam piadas machistas, racistas e homofóbicas, por exemplo. Piadas assim expressam um tipo de humor que, por meio de um apelo a um riso de zombaria, expõe um mundo pautado no ódio e na intolerância (o que, por sua vez, mobiliza uma perversa lógica de práticas de engajamento e monetização nas redes). Mas o humor necessariamente se faz, enquanto procedimento básico de linguagem, de uma incongruência semântica, em que dois esquemas opostos de raciocínio são colocados em cena. É por meio da exposição dessa contradição que talvez possamos nos posicionar e, ainda que de maneira microfísica, resistir, questionando – e zombando – desses macro poderes.

Leia o texto anterior: UFRN sedia Seminário Cenas de Enunciação

Cellina Muniz é escritora e professora do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Cellina Muniz

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