O professor Helinando Oliveira argumenta que uma ciência social e ambientalmente circunstanciada precisa ser parte de um plano de estado
Não há conceito tão abstrato e ao mesmo tempo tão personificado quanto o do mercado. Assumindo as vezes de um cidadão, ele recebe notícias e decide entre ficar feliz, nervoso ou pessimista… Ele compõe bancadas parlamentares para defender seus interesses, define quais são seus candidatos, estabelece impeachments, controla tendências e opiniões. Este mesmo cidadão que atua a favor dos venenos químicos e torna o Brasil o paraíso dos agrotóxicos. Com o intuito de ter lucro crescente e manter o poder financeiro nas mãos das poucas famílias que controlam o planeta, este cidadão sem ética estabelece um padrão de pobreza e miséria que escraviza a humanidade. A classe média é mantida aprisionada na ânsia de consumir para ser feliz. E como não encontra a tal felicidade, se põe a consumir mais e trabalhar por isto. Os pobres são escravizados na fome e na miséria. E para manter esta máquina de ilusões em funcionamento, o mercado precisa consumir o planeta. Não podemos negar que a ciência tem grande contribuição neste processo. Com o menor aceno do mercado, esta se põe a trabalhar para a indústria da guerra, para a indústria de processos que contamina os oceanos e mata a vida animal… Uma ciência social e ambientalmente circunstanciada precisa ser parte de um plano de estado. Plano este que estabeleça prioridade na qualidade de vida de um povo e em sua convivência harmoniosa com o meio ambiente, condição única para a manutenção de nossa espécie no planeta.
Neste ponto é crucial que esteja clara a missão da nação para os seus contribuintes. Um Estado que atua em função da iniciativa privada negligencia a atenção desejada ao seu povo. Fica claro neste ponto a importância dos órgãos estatais, que contrariamente ao alardeado papel de centros falidos e fadados à corrupção são a esperança derradeira de justiça e igualdade social ao povo.
A visão de lucros imediatos (tão comum na lógica mercadológica) é a mesma que vem nos conduzindo a uma sistemática de entrega imediata. Ao invés de usar os recursos do pré-sal para educação, entregamos o que temos. Ao invés de investir na educação, jogamos o povo na marginalidade. A única forma de reverter este processo é permitir com que a ciência possa caminhar na direção contrária ao mercado. Isso significa estudar doenças negligenciadas, colocar o povo no centro das atenções, trabalhar de forma integrada em nossos problemas. Estabelecer a ciência como o cerne do movimento contrário ao neoliberalismo pode ser para alguns uma utopia. Para outros, é a derradeira solução. Se o conhecimento não for suficiente para conduzir o planeta na contramão iminente da destruição, podemos dizer que, de fato, estaremos perdidos. Em uma escala curta de tempo, isto requer que todos sejamos resistência contra a ameaça de privatização, que promete entregar nas mãos da iniciativa privada os problemas que não revelam lucros, mas sim dignidade a um povo. E já está comprovado que estes problemas não interessam ao mercado! Eles são simplesmente desprezados. E na mesma medida, a ciência precisa negligenciar tudo aquilo que nos conduza a uma condição de miséria e submissão.
A coluna Ciência Nordestina é atualizada às terças-feiras. Leia, opine, compartilhe e curta. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag CiênciaNordestina.
Leia o texto anterior: Saúde única
Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
Deixe um comentário