Um programa para televisão pública que se propõe a desconstruir as percepções consolidadas sobre a periferia
Por Allyne Paz*
Ao ligar a TV e visualizar notícias sobre as periferias no Brasil, infelizmente vamos nos deparar com o pior cenário possível: mortes, pobreza e destruição. As pessoas que estão na periferia estão à margem da sociedade e muitas vezes não possuem os seus direitos básicos garantidos, entretanto, promovem diretamente aulas sobre resistência. Resistência porque não é fácil morar em um ambiente que sempre é associado à violência. Resistência porque dificilmente a periferia vai ser contemplada pela sua pluralidade de cores, costumes, sabores, pessoas na mídia hegemônica.
Pensando em reverter essa situação, a TV Universitária do Rio Grande do Norte (TVU-RN), vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) se propôs a apresentar o outro lado da história: não à violência que é mostrado de uma forma cruel na TV brasileira, mas sim, a história dessas pessoas. Em 2018 estreou o programa Peri – a voz da periferia, um programa de 30 minutos com oito episódios temáticos que abordam as periferias de Natal da forma mais humanizada possível, apresentando a arte, cultura e resistência das periferias da cidade.
A ideia de produzir o Peri é desmistificar a visão de que na periferia da cidade o protagonista é a violência. A diretora e roteirista Rosália Figueirêdo atualmente é doutoranda em Cinema e Audiovisual do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense, em que estuda sobre narrativas audiovisuais como práticas culturais na ressignificação desses territórios, tendo como objeto de pesquisa o programa Peri. Para Rosália a quebra da hegemonia acontece quando a periferia é narrada de uma outra perspectiva que não seja a violência. “Nós queríamos mostrar a força da arte e da cultura que pulsa nas periferias, mostrar os cidadãos comprometidos com as causas sociais. A TVU quis mostrar esse lado que em via de regra não aparece na mídia hegemônica”, afirma a diretora do programa.
Muitos dos corpos presentes nas periferias são de pessoas negras. A mídia hegemônica promove o racismo estrutural através de diversas formas, seja pela falta de representatividade de pessoas negras nesses espaços até a construção de narrativas relacionada às essas pessoas, em que promovem violências simbólicas, das quais normalmente associam nos noticiários os corpos negros como vilões ou vítimas, desta forma, representando as pessoas negras apenas a situações de violência ou vulnerabilidade social.
No livro “Olhares negros, raça e representação” a autora bell hooks aborda essa questão da representação dos corpos. Existe uma conexão direta e persistente entre a manutenção do patriarcado supremacista branco nessa sociedade e a naturalização de imagens específicas na mídia de massa, representações de raça e negritude que apoiam e mantêm a opressão, a exploração e a dominação de todas as pessoas negras em diversos aspectos (HOOKS, 2019, p. 33).
Um dos entrevistados foi João Felipe, que tem 25 anos e é conhecido como Nigro. Ele é rapper e participou do segundo episódio do Peri, que abordava a batalha da periferia. Nigro nomeia a periferia como casa, origem e matriz. Para ele, o programa é uma expressão artística que tem que passar na escola. “O Peri tem uma riqueza muito grande e uma linguagem acessível a todos. A gente deveria fazer mais Peris, porque ele mostra a visão de outro mundo para pessoas que tem uma visão do mundo muito limitada”, explica o rapper.
Em 2019, a obra recebeu o prêmio de Melhor Programa de TV Universitária no 14º Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro. Os episódios foram divididos por temas: resistência, batalha, alegria, movimento, som, corpo, sabor e cor. Em cada episódio era apresentado experiências e vivências de personagens localizados nas quatro zonas de Natal. O Peri foi produzido e veiculado em 2018 e está disponível na íntegra no Canal do Youtube da TVU-RN.
*Allyne Paz (Instagram: @lynepaz) possui bacharelado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pesquisadora de questões étnico-raciais e mestranda no Programa de Pós-graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
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“Epistemologias Subalternas e Comunicação – desCom é um grupo de estudos e projeto de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte”.
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