Se lhe parece absurdo a sugestão de pensar dentro da caixa, considere seguir os 5 passos descritos no texto, quando estiver diante de um problema
Vejam quantos absurdos:
Mas que confusão é esta, GBB-San? Tá tudo pelo avesso. Onde os mantras superlativos do empreendedorismo inovador aceitariam tamanhos disparates: “desfocar”, “pensar menos”, “dentro caixa”? Tô achando que você tá ficando matusquela de tanto ler sobre inovação, “GBB-San, profeta do contrário!”. Tome aqui um ultimato: Depois destas heresias empreendedoras, você tem uma AC (aula condensada) para nos convencer a continuar acessando esta coluna. Do contrário, vou voltar a ver aqueles vídeos de coachs falando sobre inovação em pílulas, vender tudo, seguir a paixão, de como montar um negócio rapidinho (e sem esforço) na Web, e ficar milionário trabalhando 2 horas por dia…
Desafio lançado: será que conseguirei convencer vocês desses aparentes sacrilégios empreendedores em uma simples AC? Só lendo pra saber se morrerei no final!
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Há uns 10 anos, encontrei o artigo “Unconscious Thougth Theory” (teoria do pensamento inconsciente, em tradução livre), de Ap Dijksterhuis e Loran F. Nordgren, publicado no Journal of Perspectives on Psychological Science [2012], e minha forma de pensar o pensamento mudou! Neste meio tempo, nunca me senti à vontade para criticar os “axiomas” empreendedores há muito estabelecidos, até que a busca por métodos para estimular a criatividade negocial utilizando processos formais mostrou-se insatisfatória, obrigando-me a debruçar sobre a pena – quero dizer, sobre o PC –, e escrever Triztorming. Nesta tarefa, um dos grandes insights que foi burilado em meu mindset inconsciente é o de que a criatividade, ou a ação de criar, é um ato puramente reativo, o que deixei claro na trilogia O que é criatividade negocial? , Gerando os próprios insights negociais – parte 1 , Gerando os próprios insights negociais – parte 2 .
Neste quarto artigo da trinca (ora, os três mosqueteiros eram quatro; fazer o quê?!), ancorado no artigo do Journal, que abreviarei por UTT, trarei os seis princípios dessa teoria que mostrarão que os axiomas estão mal elaborados ou, pelo menos, incompletos. Assim como o meu, garanto que o vosso mindset também serão afetado.
Depois de ler uma dezena de artigos, extraí o mínimo necessário para compreender os seis princípios da UTT. Nos originais, que podem ser acessados no site do journal, há uma miríade de exemplos e experimentos que duram décadas. Recomendo a leitura. Vamos ao resumo:
1. O Princípio do Pensamento Inconsciente. Há dois modos de pensamento: consciente e inconsciente. O pensamento consciente envolve processos cognitivos ou afetivos focados no objeto ou tarefa em questão, enquanto o pensamento inconsciente ocorre sem atenção consciente. Para interpretar a teoria como pretendemos, é muito importante perceber que a atenção é a chave para distinguir entre pensamento inconsciente e pensamento consciente. Embora o pensamento consciente pareça ser totalmente consciente, ele também depende de processos inconscientes, assim como a fala, que é consciente, mas requer processos inconscientes para ocorrer.
2. O Princípio da Capacidade. De acordo com o princípio da capacidade, o pensamento consciente é limitado pela baixa capacidade da consciência. O pensamento inconsciente não tem essa restrição porque tem uma capacidade muito maior. Segue-se que o pensamento consciente, por necessidade, muitas vezes leva em conta apenas um subconjunto das informações que deveria levar em conta.
Por exemplo: tente pensar (conscientemente!) sobre onde passar suas próximas férias de verão (Caicó, Jampa, Tocantins etc.), sobre o próximo artigo que você quer escrever e sobre o que comer (ou pedir) hoje à noite, tudo exatamente ao mesmo tempo. Claro, você não pode fazer isso. A capacidade consciente é limitada e, geralmente, não pode fazer mais do que uma coisa de cada vez (serial). Segundo experimentos apontados no artigo, a capacidade consciente pode ‘‘armazenar’’ temporariamente até sete itens.
Dependendo do contexto, a consciência pode processar entre 10 e 60 bps (bits por segundo). Por exemplo, se você lê, você processa cerca de 45 bps, o que corresponde a uma frase razoavelmente curta. O sistema humano inteiro combinado, no entanto, pode processar cerca de 11.200.000 bps. O sistema visual sozinho processa cerca de 10 milhões bps. Esta pesquisa inicial interessante aponta muito claramente que a capacidade de processamento consciente é muito baixa em comparação à capacidade de processamento de todo o sistema humano.
3. O princípio de baixo para cima versus de cima para baixo. O inconsciente funciona de baixo para cima, ou de forma assíncrona, enquanto a consciência funciona de forma decrescente, ou de forma esquemática. A UTT se refere a isso como o princípio de baixo para cima versus de cima para baixo (bottom-up-versus-top-down principle).
O artigo utiliza uma metáfora para caracterizar o desenvolvimento de preferências: ‘‘A formação de preferências do consumidor pode ser mais como arquitetura, construindo algum conjunto defensável de valores, em vez de arqueologia, descobrindo valores que já estão lá’’. Embora essa metáfora não corresponda perfeitamente à concepção de pensamento consciente de cima para baixo e pensamento inconsciente de baixo para cima, a essência é certamente a mesma. Nesses termos, o pensamento consciente é mais como um arquiteto, enquanto o pensamento inconsciente se comporta mais como um arqueólogo. O pensamento inconsciente integra lentamente as informações para formar um julgamento objetivo e resumido. Por este princípio, a UTT trabalha o pensamento consciente e o pensamento inconsciente separadamente.
4. O Princípio da Ponderação. De acordo com o princípio da ponderação, o inconsciente naturalmente pondera a importância relativa de vários atributos, pois tem maior poder de processamento (redundâncias que ativam vários processos em paralelo). O pensamento consciente frequentemente apresenta uma ponderação abaixo do ideal, porque perturba seu processo natural (serializado).
5. O Princípio da Regra. Este princípio afirma que o pensamento consciente pode seguir regras rígidas e é preciso, enquanto o pensamento inconsciente fornece estimativas aproximadas. Quanto é 13 x 14? Desde que se abstenha de usar uma calculadora, você pode responder a essa pergunta somente após um breve período de pensamento consciente. Ela não pode ser respondida por pensamento inconsciente. Você poderia ser questionado sobre “quanto é 13 x 14?” e então se distrair por 2 semanas, e você ainda não saberia a resposta a menos que tivesse feito algum esforço consciente no problema. A chave para entender o porquê de o inconsciente não ser bom em aritmética deve-se ao fato de ele não conseguir seguir regras. O argumento sugere que a diferença entre pensamento baseado em regras e pensamento associativo corresponde amplamente à distinção entre consciente e inconsciente. No pensamento consciente, é possível lidar com problemas lógicos que exigem precisão e seguir regras rigorosamente, enquanto no pensamento inconsciente, isso não é possível.
6. O Princípio da Convergência Versus Divergência. Segundo este princípio, o pensamento consciente e a busca de memória durante esse estado são focados e convergentes, enquanto o pensamento inconsciente é mais divergente. Esse princípio é mais relevante para a criatividade do que para escolhas ou decisões. A criatividade está frequentemente ligada à ideia de incubação, onde a atividade inconsciente continua enquanto a atenção consciente está direcionada para outra coisa. Laureados com o Nobel e artistas renomados, ao refletirem sobre o processo de suas descobertas ou criações, geralmente destacam a importância da incubação. Embora alguma atividade consciente seja necessária, a maioria das pessoas acredita que é o inconsciente que gera pensamentos verdadeiramente criativos ou únicos.
Parece que o ato criativo surge de um processo onde um pensamento consciente inicial (insight) é seguido por um período de descanso consciente do problema. Após esse intervalo, uma solução ou ideia emerge. Foi este último princípio – que ficou incubado em minha mente durante anos –, que me levou a entender o processo criativo (ou criatividade) como uma reação.
Em Quer que eu desenhe? , deixo explícito o fato de que só consigo afirmar peremptoriamente que entendi algo quando posso esboçar em desenhos (Acredito que os 10 Mbps que a visão utiliza tenha algo a ver com isso). O paradoxo socrático não contava com o desenho, hehe! Olhe para a gravura Pensando “Dentro da Caixa”, e veja como a coisa fica clara.
Acompanhe-me olhando para a gravura. Um insight é gerado (interno ou externo). Neste instante, a mente consciente (azul-claro) organiza tudo de forma serial e tenta resolver utilizando seu processamento “tartaruga” de 40 bps. Depois de sua exaustão, que pode levar segundos ou horas e que não percebemos ou sentimos, automaticamente a mente inconsciente cria um distrator: um bocejo, uma sonolência, acompanha uma mosca na sala, um celular etc. É nesse instante que o processo (cilindro em amarelo) segue o princípio 3 (top-down) e manda tudo para dentro da caixa. Ou melhor, para o inconsciente (azul-escuro). Agora sim: com seu poder de associação em paralelo, ponderação full, totalmente divergente, sem obedecer regras e com a estonteante velocidade de 10 Mbps (250.000 vezes mais rápido do que a tartaruga citada), as coisas começam a ser combinadas caoticamente, até se encaixarem, sem que percebamos. Se o encaixe for rápido, a resposta sai na hora; do contrário, pode-se levar até dias, meses ou anos. Lembre-se que o inconsciente nunca descansa, ao contrário do consciente. Quando estivermos o mais esquecido possível (num banho, caminhada, dando milho às galinhas, vendo um filme trash…) a “caixa” manda a resposta no sentido bottom-up para a tartaruga azul-clara e, voilà!: a solução disruptiva nasce como que do nada.
E é por isso que, quando em carga máxima, o cérebro, que representa no máximo 2% do corpo humano, consome até 20% de toda nossa energia . Com todo esse processamento à disposição e sem que você tenha, literalmente, consciência de como usá-lo, o inconsciente faz tudo sozinho. E você que se achava gênio…
Talvez a Teoria do Pensamento Inconsciente (UTT) revele o fato de que as pessoas pensam mais inconscientemente do que se imagina, e que o inconsciente muitas vezes seja mais “racional” do que a consciência. Assim, quando estiver diante de um problema/oportunidade, considere minha receita para ter uma criatividade negocial matadora: (1) aprenda a gerar os próprios insights. Nossa coluna ensina como fazer. Na sequência, (2) proponha várias potenciais soluções, mas não acate definitivamente nenhuma. Após algum um tempo, (3) promova distrações propositalmente. Depois de, no máximo, uma hora rodando em círculos, (4) vá pescar. Retorne no outro dia e (5) comece a criar. Desfocando e pensando menos no problema, ele será resolvido dentro da caixa! Curioso, né?
E então, convenci? Diga nos comentários se faz sentido o que trouxe pra você e se ainda nos acompanhará em mais quebras de paradigmas. Tenho certeza que, no mínimo, fiz você questionar aquela máxima do “pensar fora da caixa”.
Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e gerente executivo da incubadora inPACTA (ECT-UFRN)
Gláucio Brandão
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