O futuro não está dado, o ambiente é uma força criadora que gera variabilidade nos organismos, propõe o professor Sequerra
Nós estamos acostumados a pensar em embriões como seres passivos e suscetíveis a variações ambientais. Mas acontece que mesmo antes de nascer, os embriões leem o ambiente para tentar prever o que o adulto vai encontrar. E a partir dessa informação, eles podem alterar a forma, metabolismo e até o comportamento do animal gerado. Esse tipo de mudança se chama resposta adaptativa preditiva. E acontece que um trabalho recente do laboratório onde fiz o meu pós doc mostra como embriões de sapo se preparam para gerar girinos que se movem melhor no frio.
Tudo isso começou com uma história antiga no laboratório da Laura Borodinsky (vejam a minha foto com o pessoal de lá) em que eles mostraram que logo após o fechamento do tubo neural, neurônios jovens começam a apresentar um padrão de disparos, mesmo antes de estarem conectados a outros neurônios. E esta atividade é essencial para que os neurônios escolham que neurotransmissor vão utilizar em suas sinapses.
Se por acaso manipularmos essa atividade para que ela fique alta, os neurônios escolhem neurotransmissores inibitórios (que inibem a atividade do segundo neurônio quando liberados). Já se diminuirmos a atividade, os neurônios escolhem neurotransmissor excitatórios, que ativam seu parceiros de sinapse. Assim, os neurônios dos embriões leem o ambiente ao seu redor para tentar equilibrar a quantidade de atividade neuronal que os girinos produzirão em seu sistema nervoso.
Então, até aqui vimos que os neurônios leem o ambiente extracelular para mudarem suas decisões durante sua diferenciação. Mas será que além disso eles leem o ambiente fora do animal onde eles estão? E é aí que entra o doutorado da Kira, uma aluna de doutorado muito talentosa que conheci no laboratório da Laura. Vamos lembrar que diferente dos embriões de mamíferos, a maioria dos embriões do mundo são órfãos, se desenvolvem longe de seus pais. Embriões de sapo são assim, seus pais colocam os gametas na água, onde acontece a fertilização, estando a água fria ou não. E foi aí que eles resolveram testar qual seria o efeito da temperatura sobre os embriões, principalmente sobre a decisão que o neurônios jovens tomam. E o que eles viram foi curioso.
O frio aumenta a atividade dos neurônios jovens e acaba que mais deles se diferenciam em neurônios motores. Lembrem que os neurônios motores são os que fazem sinapses e ativam a contração muscular. E os girinos que cresceram no frio são mais eficientes em nadar para longe de um estímulo de toque do que outros que cresceram em águas mais quentes, principalmente quando nadam em baixas temperaturas. Assim, neurônios de embrião de sapo conseguem perceber como anda o tempo lá fora e dar uma resposta na forma de mais neurônios motores. Esses neurônios extras os preparam o girino para nadar na água gelada.
Esse é um belo exemplo de como o ambiente é uma força criadora que gera variabilidade nos organismos. A visão de que o ambiente é um desenrolar de um programa interno, pré determinado, está completamente ultrapassada. Erros nas previsões que embriões fazem sobre o futuro têm implicações sérias sobre nossas políticas de conservação e até mesmo para a medicina. Mas isso é papo para próximos textos.
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Leia o texto anterior: Leitores do Nossa Ciência concordam em discordar sobre a moral de embriões
Eduardo Sequerra
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