O contingenciamento de recursos pode atingir em cheio as Universidades Públicas e as consequências serão gravíssimas
Os números são claros, todo o Brasil sabe do contingenciamento de recursos que chegou forte e insistente sobre a educação, ciência e tecnologia do país. Todos já ouviram (ao menos uma vez) o clamor dos cientistas por mais recursos, todavia o que a maioria parece não ter percebido é o que significa a morte da ciência brasileira. E isso pode ser uma questão de autoestima, desinformação ou mesmo informação com viés.
De toda a forma, a ciência parece definhar mortalmente enquanto os cientistas permanecem sentados em um trono, sem comida e sem bebida – no alto de um morro – desidratados e famintos por produzir conhecimento.
Falar de corte de 42% do orçamento do MCTIC (2,13 bilhões de reais) e 25% do MEC (5,83 bilhões de reais) pode ser chocante para os que atuam na área e que tem noção do uso e da importância destas cifras. Todavia, vivemos um momento de desinformação, em que as pessoas defendem reformas sem nem mesmo conhecê-las. Quero escrever a coluna de hoje a partir de outro lugar, longe das bancadas de laboratório e também dos editais do CNPq e FINEP… Quero escrever este texto pelos olhos do estudante pobre do ensino médio da escola pública brasileira.
Vamos usar a história dos muitos jovens que chegam ao terceiro ano e ainda não compreendem o que é uma Universidade Pública. E é para eles que vamos responder: como os cortes no MEC e no MCTIC chegam até vocês?
A Universidade Pública é, por definição, o endereço dos jovens pobres que amam estudar. Por terem este diferencial, estes estudantes conseguem superar barreiras intransponíveis e ter bom desempenho no ENEM. E eles encontram na Universidade Pública ações que minimizam sua vulnerabilidade social/ financeira. Com a assistência estudantil/ restaurantes universitários, o estudante pode permanecer na Universidade e compreender o seu verdadeiro papel de agente de mudança na realidade social de seu país.
São estas pessoas que primeiro descobrem as oportunidades com as bolsas de estímulo acadêmico, iniciação científica e tecnológica…E num piscar e olhos já estão nos mestrados e doutorados. São eles que buscam com afinco a cura do câncer, desenvolvem vacinas, realizam extensão universitária, mudam a vida das pessoas, alimentam o sonho de outros jovens…
Sem dinheiro no MEC e no MCTIC não há assistência estudantil, nem bolsas de iniciação acadêmica, nada… Não tem mestrado e nem tão pouco doutorado. Sem dinheiro, a Universidade Pública encontra o sucateamento e vê na cobrança de mensalidade o ensaio do desespero para permanecer existindo.
E assim as portas se fecham para os pobres. A eles restará um futuro mais ou menos honroso: seguir a profissão dos pais, viver na informalidade ou ser capturado pelo mundo das drogas (lícitas e ilícitas).
O sucateamento da Universidade Pública é como a luta entre o mar e o rochedo, onde quem morre mesmo é o siri. Os pesquisadores tentam fugir do Brasil, a Universidade passa a cobrar mensalidades e quem morre mesmo é o velho e bom siri: o sonho do povo pobre.
Certa vez meu pai me disse: “Filho, os estudos te levarão a um lugar tão diferente que eu nem imagino onde seja”. Embora fosse auxiliar técnico de eletricista, o velho F. Alves via longe, muito longe. E a ponte que tornou a sua visão real foi a Universidade Pública, gratuita e de qualidade. É dela que vem a quase totalidade das pesquisas desenvolvidas no Brasil. É dela que emana um cheiro inigualável que só os pobres conseguem sentir, que se chama oportunidade.
Siga firme, forte Universidade Pública! Estamos do teu lado. Pelos pobres do Brasil, ontem, hoje e sempre.
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Leia o texto anterior: Borofeno: o novo calo no sapato do grafeno
Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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