Analisando o ceticismo e o negacionismo em relação à Ciência e a Filosofia no planeta Terra, Thiago Jucá consulta nossos vizinhos "marcianos"
Fortaleza, 9 de maio de 2019.
Prezados(as) “Marcianos(as)”,
Escrevo-lhes do Planeta Terra. Não sei se chegaram a ler ou se, ao menos, tomaram conhecimento do belo romance de ficção científica Contato, do memorável terráqueo Carl Sagan. É impossível não ler a referida obra e não admirar a capacidade da mente humana de viajar aos mais longínquos locais do universo. Eu acredito que o ponto alto dessa obra reside nas complexas e profundas reflexões filosóficas trazidas à tona pelo autor, tanto sobre a ciência quanto sobre a vida (deus e as religiões), como também a respeito de vocês.
Talvez, se o referido terráqueo ainda estivesse vivo, chocar-se-ia com a descrença crescente na ciência. E não falo apenas das mudanças climáticas e das vacinas – infelizmente, a lista é mais extensa. Chocar-se-ia ainda, quem sabe, com o desprezo em relação à Filosofia. Muitos destes que carregam consigo tais sentimentos, alegam que ambas – a Ciência e a Filosofia – tornaram-se abrigos de vieses ideológicos, principalmente de cunho político. Quanto às Humanas, defendem expurgá-las até do sistema solar. Não sei como andam as questões de cunho político por aí, mas por aqui, e não falo apenas do Brasil, estão à flor da pele. Às vezes acho que na verdade sempre estiveram assim. A diferença é que antes não tínhamos mídias sociais para potencializar as diferenças.
Mas voltando para a descrença na Ciência, o negacionismo e o ceticismo chegaram a tal ponto que alguns a tratam como uma mera opinião. Imagine só: essa é apenas a sua opinião! Alguns bradam. Não sei se daí vocês enxergam que não nos localizamos no centro do universo, que o sol não gira em torno de nós, que não somos um planeta recente e que não somos um planeta plano. Não sei se aí, assim como aqui, vocês concordam que a gravidade influencia de maneira decisiva as marés, que alguns gases retidos na atmosfera aprisionam o calor e que quanto maior a quantidade deles, mais calor serão capazes de reter. Seria interessante conhecer “as opiniões” de vocês. Quem sabe pudéssemos compartilhá-las.
Acredito, inclusive, que uma boa forma de diminuirmos o ceticismo e o negacionismo em relação à Ciência seja por meio da Filosofia. Não acredito que simplesmente aumentar o conhecimento das pessoas sobre Ciências vá resolver. Afinal, não se trata do conhecimento em si, mas da forma como concebemos esse conhecimento. E aí nada melhor do que a Filosofia para conceber asas à mente humana.
A prova disso vem do terráqueo memorável cuja mente foi capaz de revolucionar a viagem conceitual no espaço-tempo até os confins do universo, Albert Einstein. Em resposta à carta escrita pelo professor Robert A. Thornton, que queria o seu apoio para persuadir os seus colegas para incorporar a filosofia da ciência na disciplina introdutória de física que iria começar a ministrar, Einstein escreveu: Eu concordo plenamente com você sobre o significado e o valor educacional da metodologia, bem como da história e da filosofia da ciência. Tantas pessoas hoje – e até cientistas profissionais – me parecem com alguém que já viu milhares de árvores, mas nunca viu uma floresta. Um conhecimento histórico e filosófico profundo dá esse tipo de independência de preconceitos de sua geração de que a maioria dos cientistas estão sofrendo. Essa independência criada pelo discernimento filosófico é – na minha opinião – a marca da distinção entre um mero artesão ou especialista e um verdadeiro buscador da verdade.
Ufa! À margem de qualquer tipo de ideologia e independente de onde estejam e da distância, acredito que não há necessidade de decodificar a ideia por trás das palavras desse nosso terráqueo famoso, haja vista a clareza e, ao que parece, profundo entusiasta da filosofia. Por aqui, enquanto alguns tentam subjugá-las – Ciência e Filosofia –, outros as antagonizam, e tudo isso a despeito dos fortes laços históricos entre ambas.
Em artigo de opinião intitulado “Por que a ciência precisa da filosofia”, na prestigiada revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), agora em março, Laplane e colaboradores ressaltam não apenas o que ambas compartilham (as ferramentas de lógica, as análises conceituais e as argumentações rigorosas), como também a indispensável contribuição da filosofia para a ciência no esclarecimento de conceitos científicos, na avaliação crítica de hipóteses ou métodos científicos, na formulação de novos conceitos e teorias e no fomento do diálogo entre diferentes ciências, bem como entre a ciência e a sociedade.
E acerca dessa última contribuição, prezados(as) Marcianos(as), reside o nosso grande desafio: criar e estreitar pontes entre a ciência e a sociedade. Afinal, no Brasil atual, onde vigoram os cortes, as fake news, o ódio gratuito, a estupidez e a falta de civilidade para com o próximo, sem a filosofia corremos, literalmente, contra a parede.
Por fim, queridos vizinhos do espaço sideral, restam-me duas dúvidas. Faz sentido antagonizar a expressão do ilustre filósofo René Descartes Penso, logo existo, com os dizeres não penso, logo não existo? Ou será que vocês também vão ter que recorrer à filosofia para responder tal pergunta?
Saudações.
Referências bibliográficas
Lucie Laplane et al 2019. Opinion: Why science needs philosophy. PNAS March 5, 2019 116 (10) 3948-3952; https://doi.org/10.1073/pnas.1900357116
Albert Einstein as a Philosopher of Science. https://www3.nd.edu/~dhoward1/vol58no12p34_40.pdf
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Leia o texto anterior: Os dilemas de uma época – Parte 2
Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
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