Thiago Jucá entrevista a psicóloga Raquel Vecchio, que fala de seu trabalho de atendimento psicoterapêutico a estudantes da graduação e da pós-graduação
A entrevista dessa semana foi realizada com a psicóloga Rachel Xavier de Faria Vecchio. Ela é graduada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde teve o primeiro contato com a experiência de facilitação de grupo, com Assistentes Comunitários de Saúde (ACS), no contexto de posto de saúde. Teve também experiência com psicoterapia individual no estágio obrigatório da clínica escola da UFC no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), além de experiência de atendimento psicológico no contexto hospitalar, através de estágio extracurricular.
Após a graduação fez formação em Humanismo Fenomenológico que possibilitou o aprofundamento da atuação na área da clínica a partir da experiência de facilitação de grupo com mulheres em situação de violência. A sua atuação profissional é na área clínica, a qual envolve a psicoterapia individual e em grupo. Rachel possui também experiência com atendimento de estudantes da graduação e da pós-graduação. Desenvolve ainda projetos de promoção da saúde mental de universitários através de rodas de conversa e psicoterapia individual e de grupo.
Coluna do Jucá: O que lhe motivou a atuar profissionalmente junto aos estudantes de graduação e da pós?
Raquel Vecchio: A partir da minha vivência enquanto estudante e da compreensão da realidade desgastante por conta das constantes exigências, entendi a importância do cuidado com a saúde mental no contexto da academia. Além disso, apesar de pouca literatura a respeito do adoecimento dos estudantes de graduação e pós-graduação, constantemente é noticiado caso de suicídio nas universidades, como exemplo mais recente, dentro de 2 meses 4 alunos da USP cometeram suicídio no início de 2018. Geralmente as universidades dispõem de acompanhamento psicológico aos estudantes, porém, ainda tem sido insuficiente, pois muitas vezes apresenta fila de espera, não aborda a saúde mental de forma mais abrangente e em algumas instituições não abrange todos os cursos. Dessa forma, após os acontecimentos recentes na USP, a instituição criou uma ferramenta unificada de assistência psicológica, o Escritório de Saúde Mental (ESM), o qual possibilita assistência a todos os estudantes da universidade. Além disso, por conta da insuficiente assistência psicológica das instituições, os estudantes também têm se mobilizado e se unido com o objetivo de promover e discutir saúde mental nas universidades, como é o caso da Frente Universitária de Saúde Mental (FUSM) criada por alunos de diferentes cursos da USP.
Coluna do Jucá: A criação do Escritório de Saúde Mental na USP atende a uma demanda específica do momento, ou atende a uma demanda historicamente negligenciada dentro da universidade pública?
RV: O contexto adoecedor das universidades é uma realidade antiga, mas tem ganhado maior visibilidade agora. É importante que a saúde mental seja vista como uma questão de responsabilidade da instituição de ensino, pois muitas vezes o adoecimento é tratado como um problema do aluno. A partir do momento que a universidade se responsabiliza pela saúde mental dos estudantes é possível promover mudanças em relação à dinâmica da instituição como as cobranças excessivas por produtividade. Além disso é bastante comum entre os estudantes uma dificuldade de relacionamento com os orientadores e professores, que muitas vezes também são muito exigidos por produtividade e repassam a sobrecarga para seus orientandos. Ou então, muitas vezes os professores não são submetidos a uma preparação para lidar com os alunos de forma mais humanizada. Dessa forma, é importante que a instituição pense na saúde mental do corpo discente e docente, além de capacitar professores e orientadores para terem uma relação mais humanizada com os alunos. Além disso, é importante que os professores sejam capazes de identificar o adoecimento dos estudantes e orientá-los a respeito de possibilidades de cuidado. Assim o cuidado da saúde mental deve acontecer tanto a partir do acompanhamento psicoterapêutico e de mudanças da dinâmica de exigência excessiva, como é importante também que sejam promovidas ações como palestras, rodas de conversa a respeito do tema, ou seja promover diálogo sobre temáticas como transtornos mentais que comumente acometem os estudantes, como a ansiedade, transtornos alimentares, depressão entre outros.
Coluna do Jucá: Muitos estudantes se culpam e cobram-se excessivamente diante do não atendimento das exigências internas dos programas de pós-graduação. Aliado a isso, o dinheiro insuficiente das bolsas, a falta de estabilidade profissional, e pior, a falta de profissionalização dos pós-graduandos, são fatores que podem desencadear alterações psíquicas. Estas, por sua vez, podem levar a situações dramáticas, como o suicídio. A partir das discussões nas rodas de conversa e psicoterapia individual e de grupo, surgem propostas de soluções para se não resolver, ao menos minimizar, situações dramáticas como o suicídio?
RV: A pós graduação muitas vezes é ainda mais negligenciada pelas instituições de ensino em relação a importância do suporte psicológico, pois o estudante já passou pela realidade da graduação e a universidade entende que ele tem uma maior experiência e não necessita de tanto apoio. Porém, o nível de exigência é ainda maior. A roda de conversa possibilita que a temática da saúde mental seja discutida e possibilita um espaço de diálogo a respeito de transtornos mentais mais frequentes no meio acadêmico, o que faz com que o estudante identifique seu sofrimento e busque ajuda, pois muitas vezes o sofrimento não é reconhecido e é naturalizado. A roda de conversa também tem como objetivo divulgar possibilidades de cuidado, tanto em situações de crise como locais que realizam plantão psicológico, onde o estudante pode procurar o serviço e ser atendido de imediato, além de serviços por telefone como o Centro de Valorização da Vida (CVV) que disponibiliza serviço sigiloso por telefone, email e chat através do número 188. Também são divulgadas opções de cuidado prolongado que possibilita a promoção de cuidado da saúde mental e pode prevenir o suicídio, como o caso da psicoterapia individual ou de grupo. A psicoterapia de grupo proporciona que as experiências sejam compartilhadas pelos participantes. Dessa forma o estudante percebe que situações parecidas acontecem com outras pessoas, pois, muitas vezes existe a fantasia de que ninguém mais além dele vivencia determinada situação de sofrimento e isso faz com que ele se veja sozinho.
Coluna do Jucá: A busca pela psicoterapia é predominante entre as mulheres na academia? E sim, você acha que isso se deve a algum tipo de visão distorcida, ignorante e até mesmo machista da maioria dos homens?
RV: O público feminino é predominante na busca por psicoterapia e não só no contexto acadêmico. Podemos pensar algumas possibilidades para que isso aconteça, acredito que culturalmente foi construído um espaço mais propício para que mulheres buscassem autocuidado mais do que os homens, tanto no âmbito da estética, como da saúde física e mental. Dessa forma, essa construção social dificulta que homens busquem apoio psicológico, pois pode não ser bem visto socialmente essa atitude. Ou seja, são estigmas e crenças sociais que foram construídos ao longo do tempo, mas esse cenário tem mudado aos poucos e tem aproximado mais o público masculino de práticas de autocuidado.
Coluna do Jucá: A ciência no Brasil tem vivenciado o seu momento mais dramático. O anúncio da possível falta de verbas para manutenção das bolsas da CAPES em 2019, reflete de maneira emblemática esse momento. Diante desse contexto, como as iniciativas de assistência psicológica podem ajudar os estudantes?
RV: A desvalorização da ciência e educação é uma realidade bastante conhecida pelos brasileiros. A falta de investimento, como a possível retirada das bolsas da CAPES, é mais um fator potencializador do adoecimento no contexto acadêmico. Dessa forma, a psicoterapia acompanha o processo do estudante seja de manutenção dele no contexto acadêmico. Dessa forma, o processo psicoterapêutico pode trabalhar questões como formas de lidar com as dificuldades, possibilitando que ele busque estratégias de enfrentamento, além de criar e/ou fortalecer uma rede apoio, ou seja, fortalecer o vínculo com pessoas (familiares ou amigos) que ele possa confiar e possam oferecer suporte. A psicoterapia pode também acompanhar o estudante no processo de repensar o lugar de estudante e buscar outras possibilidades. Nesse contexto, a psicoterapia acompanha o processo de decisão, possibilita que o estudante alcance uma maior clareza a respeito das suas expectativas e que seja possível alinhar o que ele espera com a sua realidade. O processo de psicoterapia tem como objetivo acompanhar o processo de autoconhecimento a partir de uma escuta especializada, o que propicia escolhas mais alinhadas com seus próprios interesses e realidade.
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Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
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