Nos próximos textos a Coluna do Jucá irá falar um pouco dos 150 anos da história de uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo
Caro leitor, você já parou para se perguntar como era o conhecimento humano em meados do século XIX? O que sabíamos sobre o corpo humano, a eletricidade, a microbiologia, as vacinas, os antibióticos, a neurociência, as energias alternativas, os ácidos nuclêicos e as mudanças climáticas, por exemplo? Naquele tempo não havia internet, muito menos smartphones. À época, a humanidade via florescer uma forma revolucionária de comunicação: os telégrafos. Imaginem agora as dificuldades e limitações para divulgar, propagar e transmitir o conhecimento científico há 150 anos?
Após realizar um esforço imaginativo do passado, remetendo-se aos acontecimentos de um século e meio atrás, aterrisamos com as nossas mentes na realidade do final do ano de 2019. No início do mês passado se comemorou o sesquicentenário (150 anos) da revista britânica Nature, uma das mais prestigiadas da área científica. Em 4 de novembro de 1869, o mundo recebia a primeira edição da revista − cerca de 10 anos depois da publicação da Origem das Espécies pelo memorável naturalista inglês Charles Darwin.
De acordo com os editores, o propósito da revista era ambicioso, intelectualmente ousado e comercialmente arriscado: trazer notícias das últimas descobertas e invenções para cientistas e para o público. Contudo, nem o mais otimista e visionário dos fundadores da revista imaginariam que, 150 anos depois, a Nature publicaria mais de 850 trabalhos de pesquisa, 3.000 artigos de notícias, opiniões e análises a cada ano, alcançando cerca de 4 milhões de leitores on-line a cada mês.
A revista, de caráter multidisciplinar e de publicação semanal, teve ao longo de todos esses anos um aumento crescente na lista de autores e autoras, bem como uma diversificação quanto à origem geográfica destes. De acordo com os editores, embora a revista visasse um público amplo, os cientistas gostaram muito dela, porque isso lhes permitiu comunicar suas descobertas rapidamente. Porém, um dos grandes feitos da revista foi de ter se tornado alvo predileto tanto de publicação de grandes descobertas, como de leitura por parte de cientistas e “leigos”. Tal predileção nas publicações aumentou principalmente na década de 50 e, depois, diminuiu um pouco com a mudança das práticas editoriais da revista.
Nos primeiros 50 anos de história, a revista dedicava-se mais à publicação de livros, revisões e cartas curtas. Com o tempo, estas deram lugar aos artigos científicos. O teor de conteúdos bem generalista do começo da revista foi substituído por áreas mais específicas como biomedicina, física, química e ciências da terra. Interessante observar que, ao longo das décadas, os assuntos mais publicados em cada área foram acompanhado as mudanças e os interesses da sociedade. A física, por exemplo, teve um “boom” antes, durante e após a Segunda Guerra. O mesmo aconteceu com a química nos pós guerras. Já a biologia, por meio da bioquímica, biologia celular e molecular, acompanhou as revoluções da tecnologia do DNA recombinante e da genômica, por exemplo. Hoje, ela detém um status hegemônico na revista britânica.
A questão do gênero também mostrou as mudanças em curso ao longo de todos esses anos. Enquanto que no início a participação de homens como autores era quase exclusiva, hoje, a participação feminina é crescente, com um protagonismo cada vez maior. O mesmo aconteceu com os países. A maioria dos autores que publicou na revista era de instituições da Europa e da América do Norte − onde a maior parte do financiamento para pesquisa está concentrada. Hoje, contudo, a comunidade de autores da revista está se tornando mais diversificada geograficamente, à medida que o financiamento científico se democratiza. E, embora americanos e ingleses ainda sejam a nacionalidade dominante na revista, os chineses dão fortes indicativos que irão “ameaçar tal posição majoritária”.
Por fim, as colaborações internacionais, com artigos contendo listas de inúmeros autores, têm se sobressaído sobre grupos menores e, principalmente, sobre as autorias individuais, as quais marcaram o início da revista.
Olhando atentamente para o presente, não resta dúvida que este se distancia à passos largos do passado!
Referências Bibliográficas:
150 years of Nature: a data graphic charts our evolution. Nature 575, 22-23 (2019). doi: 10.1038/d41586-019-03305-w.
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Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
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